Não tomem o convite como provocação, porque quando é provocação não tenho problema algum em assumir. Não vinculem o convite à arrogância, porque o assunto não permite mesquinhez comportamental. Trata-se apenas e simplesmente de uma tentativa de chocar os leitores que fazem do Grande ABC, além de moradia e ganha pão, também uma imensa teia familiar e social. A Reportagem de Capa de abril de 1997, publicada na revista LivreMercado que comandava com um grupo de jornalistas de primeira linha, é espécie de resumo fidelíssimo da frustração quando confrontamos passado e presente regional.
Vivemos de espumas no passado. Engolimos poeira no presente. Estamos presos cada vez mais à doença holandesa da indústria automobilística, a mais competitiva do mundo e, portanto, mais complexa para comunidades que dependem de humores sobrerrodas.
Sonhávamos com um Grande ABC restaurado, moderno na economia, avançado em capital social. O que temos hoje, todos sabem, é um arremedo típico de cachorro de caiu de caminhão de mudança.
Em termos de atuação regional (e também em vários casos de atuação municipal) as representações econômicas são uma lástima. A gestão de organismos sociais e culturais, um desastre. As administrações públicas, um atentado à integração, separadas em blocos de azuis tucanos e vermelhos petistas, como o Brasil varonil.
Seguimos como sete cidades e escassa regionalidade.
Seguimos menor que a soma das sete partes.
Juro aos leitores com a mesma emoção que senti ainda outro dia ao assistir a um programa de TV e acompanhar a saga de um homem com seus cães vadios, entregando-lhes a vida ao recolhê-los pelas esquinas, que me emociono todo dia quando, seguindo metodicamente a iniciativa de recuperação dos acervos de LivreMercado, me boto na releitura dos textos que fizeram história. Acredito que aquele personagem do programa de televisão é muito mais feliz com seus cães de verdade do que este jornalista, com os cães vadios da sociedade inerte.
Cá entre nós, principalmente àqueles que não colocam o dinheiro acima de tudo: como é bom consolidar a ideia de que um grupo de jornalistas se juntou física ou virtualmente em torno de um produto durante determinado tempo, justamente o tempo mais importante do Grande ABC, e produziu farta documentação sobre a sociedade à qual pertenciam!
Como é triste, como no caso da Reportagem de Capa abaixo, sentir que todo aquele entusiasmo que depositamos nas instâncias regionais se frustrou.
Nada é mais inquietante para os jornalistas de verdade, aqueles que vivem diariamente de leitura e de produção de textos — não os aventureiros — observar que o tempo passou e, mais que estagnação, temos retrocesso profundo.
É impressionante como a sociedade joga o tempo fora, como não tem compromisso efetivo com medidas que possam beneficiar futuras gerações.
Sempre insisto na pregação desopilatória: quem de alguma maneira teve participação nos destinos do Grande ABC nos últimos 40 anos do século passado e nos primeiros 10 deste novo século terá contas a acertar com as gerações que estão chegando e as que chegarão. Não reunimos capital social para enfrentamentos há algum tempo globais, já que vivemos no centro nervoso da industrialização automotiva.
Também costumo dizer que, lamentavelmente, como gerenciador editorial da melhor publicação regional que esse País já conheceu e que, em matéria de abordagens supera também logomarcas nacionais, só erramos quando acreditamos para valer no Grande ABC.
Sim, houve um período — e a Reportagem de Capa abaixo está inserida nesse intervalo temporal — em que apostamos na institucionalidade do Grande ABC sem, evidentemente, cair na esparrela triunfalista do Diário do Grande ABC, por exemplo.
Apostamos para valer mesmo, mas sempre com alguma reserva de cautela. Como caímos do cavalo e, em tempo hábil reagimos ao adotar linhas mais céticas e críticas, os chamados formadores de opinião e tomadores de decisões, sempre os mesmos, não perderam tempo: procuraram nos estigmatizar entre outras razões porque atrapalhávamos interesses privados, principalmente capitalistas, de valorização do estoque imobiliário.
Sofremos o diabo. Comemos poeira por isso. Boicotaram-nos pessoal, profissional e também corporativamente. Retiraram LivreMercado da programação de publicidade oficial. Éramos estorvos da comunicação.
Repito a sugestão: leiam atentamente a Reportagem de Capa “De bem com o Estado”, mas o façam de forma crítica. Praticamente nada do que ali se reproduziu como perspectiva para um Grande ABC moderno se concretizou de fato. A Câmara Regional, um dos focos daquele trabalho jornalístico, foi um tremendo furo nágua. Desfaleceu com a morte de Mário Covas e morreu com o assassinato de Celso Daniel. Mesmo que Covas e Celso Daniel estivessem vivos, nada teria sido muito diferente. A massa crítica que supostamente moveria as mudanças é completamente amorfa no Grande ABC.
Somos uma sociedade de araque. Gostamos mesmo é de frequentar colunas sociais, revistas de supostas celebridades, essas coisas que qualquer um pode fazer no campo jornalístico porque clicar os convidados e preparar uma legenda muitas vezes sem obedecer a rigores batismais, é mole. Jornalismo sério, compromissado com o futuro, dá muito trabalho. Dia e noite, noite e dia. Sem folga. Não é tarefa para amadores. Nem para ignorantes.
Leiam, caros leitores, leiam o que segue em “De bem com o Estado”.
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