Em comunicados que tenho enviado aos membros do Conselho Editorial da revista LivreMercado, publicação que voltará a ser editada por mim a partir de janeiro próximo, resolvi invadir a área da possibilidade de construção de uma entidade cerebral no Grande ABC. Não interpretem a expressão “entidade cerebral” como se gênios da raça estivessem prontos a socorrer pobres mortais. Nada disso: trata-se unicamente de juntar num mesmo organismo, informal ou formal, gente interessadíssima em compartilhar especialidades para o delineamento do futuro do Grande ABC.
Coloca-se cérebro como apêndice, não como delimitação presunçosa. Ninguém vai usar britadeiras, embora não esteja fora de cogitação a possibilidade de alguém que use britadeiras também integrar-se ao projeto, porque esse ferramental sem um cérebro a utilizá-lo não vale absolutamente nada.
Na realidade, a sugerida entidade cerebral, embora com configuração operacional distinta, foi pensada lá atrás. Até participei de um encontro à formatação. Há quase 10 anos, em junho de 2001, reunimo-nos na sede da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) para tratar desse assunto quando já se tinha o veredito de que o Fórum da Cidadania não teria futuro, engolfado por complicações de diferentes origens. Aliás, complicações que só os extraordinariamente descerebrados negam ou tentam imputar a terceiros que se entregaram para valer àquela iniciativa.
Vou reproduzir logo abaixo o texto que preparei naquele 8 de junho de 2001 e remeti aos participantes do encontro na Acisa, realizado no dia anterior. Ainda outro dia tentei resgatar o nome de todos os participantes da reunião. Sinto que não cheguei à devida conclusão. Fausto Cestari, Luiz Roberto Alves e Wilson Ambrósio aparecem em minha memória. Tenho dúvida se Silvio Minciotti também participou. Certo mesmo é que aquele encontro foi único. Não houve sequência à ideia de levar adiante a Redes (Rede de Desenvolvimento Sustentado), como se insinuou a possível identidade da organização.
A entidade cerebral que salta em meus pensamentos neste final de 2010 tem harmonia conceitual apenas parcial com a Rede que se alinhavava naquele junho de 2001. De qualquer forma, a reprodução do texto que preparei e remeti aos participantes não é perda de tempo. Afinal, há um conteúdo de avaliação mesmo que tangencial do Fórum da Cidadania que vale a pena ser consumido. Até mesmo porque, por mais que tenha sido em determinados momentos da vida regional uma instituição de valor inestimável, o modelo do Fórum da Cidadania não tem nada a ver com a entidade cerebral que poderia ser transposta à prática no Grande ABC. As razões dessa afirmativa serão expostas e explicadas no momento oportuno.
Documento pós-reunião na Acisa
Vou tentar traduzir, nesta espécie de rascunhão, os aspectos preliminarmente aprovados no encontro que tivemos sexta-feira passada na sede da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André). Corro riscos naturais de quem pode ter interpretado equivocadamente alguns pontos. Aproveito a oportunidade para enfiar minha colher com considerações que eventualmente não tenha feito durante o encontro. Sugiro que este material seja a pauta da próxima reunião. É preciso esmiuçá-lo para que haja avanço na terraplenagem teórica de que carecemos para evoluir.
Cooperação crítica — A nova entidade seria formatada com o conceito de cooperação crítica, em vez de oposição beligerante que marcou o Fórum da Cidadania. Isso significa que seremos aliados cordiais e críticos dos administradores públicos. O formato conceitual da entidade surpreenderia todos aqueles que entendem que a oposição é a primeira resposta que se deva colocar à mesa de negociações, sejam quais forem os interlocutores do Poder Público. Vamos nos colocar à disposição dos poderes públicos como protagonistas de propostas de ações. O que temos de discutir mais acentuadamente é até que ponto deveremos nos envolver diretamente na resolução dos problemas. A prática do Fórum da Cidadania mostrou que caímos na armadilha de nos comprometer com soluções que, por força da precariedade de recursos humanos, materiais e financeiros, não fomos capazes de alcançar. Enfim, que modelo deveremos adotar? Vamos ser exclusivamente animadores dos processos, com a função básica de levar os protagonistas práticos a botar a mão na massa, ou vamos exacerbar e, de novo, cair em descrédito por não termos os apetrechos necessários? Vamos nos contentar com a massa crítica de que dispomos, por força da herança de filiados do Fórum da Cidadania, ou vamos enfiar os pés pelas mãos da operacionalidade das ações, que é obrigação de quem arrecada impostos, de quem tem mandato popular?
Carta do Grande ABC — A redação de uma nova Carta do Grande ABC, ou algo semelhante, explicitaria sem amenidades o real estado da saúde econômica e social da região, com base em pesquisas e análises de protagonistas insuspeitos. A produção desse documento, que resumirá as diretrizes da nova entidade, deverá ser apreciada única e exclusivamente pelo Conselho Gestor. Esse material será permanentemente enriquecido com novas pesquisas e interpretações sob a supervisão do Conselho Gestor, transformando-se em elemento-chave das diretrizes conceituais da nova entidade. Sugere-se que essa nova entidade passe a contar com um banco de dados sobre o Grande ABC e, dessa forma, possa se movimentar independentemente dos humores de terceiros.
Lei de Responsabilidade Fiscal — Um dos pontos mais importantes para exprimir a maturidade da nova entidade é estabelecer relação realista com os administradores públicos, considerando-se a nova situação dos municípios devido às exigências da LRF. Isso quer dizer que a posição colaborativo-crítica da nova entidade não pode descolar-se das condições de manejo administrativo dos governos municipais. Enfim, não se pode trabalhar institucionalmente de forma demagógica sobre dados e informações recolhidas ao longo dos anos em que a LRF não existia. O relacionamento com o Poder Público, que será, sem dúvida, a preocupação maior da entidade, não pode sofrer desgaste por força de populismos. A proficuidade dessa aproximação dependerá grandemente da capacidade que o Grupo Gestor terá para distinguir operações exequíveis de ações popularescas, medidas inteligentes de incursões irresponsáveis.
Pauta seletiva e restrita — É indispensável que se aplique na nova entidade um grupo seletivo de questões que atormentam a vida econômica e social do Grande ABC, de forma que se tenha controle efetivo sobre possíveis resultados. Incorrer num dos erros estratégicos do Fórum da Cidadania, que tentou abraçar o mundo de problemas da região, é chover no molhado de improdutividade. A definição desse grupo temático de problemas emergenciais também é atribuição do Conselho Gestor. Sugere-se que sejam atacadas questões centrais que inquietam de imediato a realidade regional. Sobretudo quanto à necessidade premente de encontrar pontos cardeais de uma reviravolta na qualidade de vida, atingida em cheio pelo desemprego, pela falta de alternativa da matriz econômica e pelo salto triplo da criminalidade. Quanto mais a nova entidade distanciar-se desses pressupostos temáticos, mais correrá na direção do fracasso do Fórum da Cidadania.
Temário regional — É elucidativo também que se defina a seletividade dos temas que nortearão as ações da entidade levando-se em conta a diferença estratégica entre microtemário e macrotemário. O que é microtemário? É o que tem relação direta com as possibilidades de resoluções a partir das instâncias regionais. O que é macrotemário? É tudo o que tem relação com resoluções que fogem do controle efetivo das instâncias regionais. É muito mais importante para a região discutir a destinação do lixo do que a crise de energia elétrica — apenas para citar um exemplo. Pode parecer simples, mas o monitoramento do conjunto restrito dos temários que intranquilizam a região é um desafio. A tendência a se entregar à pauta pontual do dia ultrapassa os limites do bom-senso.
Conselho Gestor — Caberá aos membros do Conselho Gestor toda a estratégia das ações da nova entidade, bem como o monitoramento permanente e sistemático dessas mesmas ações. Só dessa forma será possível evitar que se repitam os erros acumulados pelo Fórum da Cidadania, cujas lideranças agiram com excesso de zelo democrático ao transferir para uma plenária heterogênea e estrategicamente despreparada as manobras de curto, médio e longo prazo. O Conselho Gestor só receberá novos componentes diante de apreciação preliminar dos eventuais contemplados, num ritual que obedecerá a série de requisitos, entre os quais a necessidade de estarem sintonizados culturalmente com a instituição. O Conselho Gestor seria espécie de holding que faria gravitar em torno de si os braços operacionais da entidade, integrados por especialistas temáticos — no caso as entidades filiadas e agrupadas de acordo com focos de atuação.
Fim do assembleísmo — O caráter assembleístico que marcou o Fórum da Cidadania não se repetirá na nova entidade porque as grandes assembléias praticamente deixarão de existir. Os esforços se concentrarão em favor de assembléias temáticas, isto é, de acordo com a especificidade da questão em debate. Essa fórmula evita que haja a repetição de deserções e esvaziamento das assembléias. O democratismo que imperou no Fórum da Cidadania seria substituído pela democracia temática, de modo a fomentar produtividade nos encontros. Eventualmente, uma vez a cada seis meses a entidade faria assembléia-geral com temário específico, de interesse geral e conectado às diretrizes básicas. Sugere-se que haja calendário de assembléias para o debate de temas especificamente de interesse direto da nova entidade, convidando-se especialistas para trocar idéias e informações com o quadro associativo e também com a comunidade. Por que, por exemplo, não chamar para debate na nova entidade um secretário municipal voltado para a questão da segurança pública, que é prioridade das prioridades? Enfim, vamos trocar a estridência geralmente vazia e improdutiva por pedagogia cidadã.
Infraestrutura logística — A nova entidade não pode incidir no erro do Fórum da Cidadania que jamais teve infra-estrutura técnica e de pessoal a lhe dar maior visibilidade. Numa era em que a Internet possibilita agilidade nas comunicações, é indispensável que se utilize essa ferramenta para mobilizar associados e a sociedade de maneira geral. Bancos de dados de entidades privadas e públicas poderão ser utilizados para massificar as ações da nova entidade, sem depender exclusivamente da mídia convencional, a qual, sem dúvida, é muito importante no processo de consolidação da entidade.
Partidarismo político — Um dos erros do Fórum da Cidadania foi tratar a questão da política partidária com hipocrisia. A nova entidade não deve imiscuir-se no assunto nem estabelecer limitações a seus membros. As diretrizes da nova agremiação, que serão definidas conceitualmente a ponto de não dar margem a dúvidas, não farão qualquer restrição à atividade político-partidária. Apenas estabelecerá conceitos de relacionamento que serão respeitados, sob pena de descredenciamento, sejam os eventuais infratores políticos ou não.
Individualidade institucional – Diferentemente do Fórum da Cidadania, que anulou a identidade das organizações integrantes de seu quadro associativo, absorvendo-lhes todos os movimentos, a nova entidade reconhecerá e ampliará os valores institucionais de todas as filiadas. A explicação é simples: as representações temáticas que atuarão no Fórum da Cidadania vão se apresentar como soldados da nova entidade sem, entretanto, dissolver suas identidades. Todas terão, sim, um selo de credenciamento e de representação da nova entidade. Falarão por suas entidades de origem e também pela nova entidade. Exemplo: num evento importante sobre meio ambiente, as entidades do setor vão atuar em conjunto, cada qual resguardando sua logomarca, tendo à frente o coordenador temático, e se apresentarão com a chancela da nova entidade. Dá para imaginar o quanto isso representa de comprometimento? A nova entidade colocará todo o seu prestígio em favor das entidades temáticas, fortalecendo institucionalmente as ações em vez de despersonalizá-las.
Redes — O nome lançado para a entidade é Redes (Rede de Desenvolvimento Sustentado) e foi sugerido ao final da reunião, já com poucos presentes. Houve aprovação preliminar, como todos os outros pontos, mas isso não significa que estamos livres de novas abordagens. Por que Redes? Porque na verdade seremos uma rede de entidades que vão lutar pelos mesmos objetivos. Como qualificar essa entidade da forma mais simples e objetiva possível? O nome Redes é curto, grosso, denso, fácil de ser assimilado e jornalisticamente perfeito. Por que Rede de Desenvolvimento Sustentado? Porque nada define melhor hoje as questões urbanas, sociais, econômicas, ambientais e tantas outras do que a expressão Desenvolvimento Sustentado. Como jornalista, sempre considerei o nome Fórum da Cidadania do Grande ABC muito problemático. Além de extenso, não permitia abreviação. Não se podia escrever simplesmente Fórum porque confundiria o leitor. O mais usual foi adotar Fórum da Cidadania, que, convenhamos, não é nada digerível num mundo em que a identidade das organizações ganha maior impacto quanto mais concisa for. Acho que Redes é um bom nome para se discutir alternativas que eventualmente aparecerem. Conceitualmente acho que adapta-se perfeitamente a tudo que faltou ao Fórum da Cidadania.
Por que mudar de nome? — Simplesmente porque Fórum da Cidadania se desgastou terrivelmente. Utilizar a expressão antiga significa incorrer no que o professor Luiz Roberto Alves chama de maneirismos. Preferi o rótulo de quebra de paradigmas. Trata-se, resumidamente, de assumir todos os ônus históricos do Fórum da Cidadania e também os bônus. Resta avaliar se vale a pena. Se valesse, não estaríamos discutindo a reformulação da instituição. Não faltam exemplos de aposentadoria de logomarcas na literatura de marketing. O uso da expressão Fórum da Cidadania nos remeteria a conceitos que não se combinam com a nova entidade proposta. O rompimento com o modelo que teve sua época mas que de uns tempos para cá, como todos sabem, está a nocaute, é uma operação que não deve provocar qualquer trauma se for bem conduzida. Pelo contrário: deverá ser uma ponta-de-lança para a ressurreição da mobilização social da região que, convenhamos, o Fórum da Cidadania jamais conseguiu alcançar. Nem mesmos nos áureos tempos. Exatamente porque encontrou terríveis obstáculos de infra-estrutura, de estratégia, de tática e de foco, entre outros pontos menos relevantes.
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