Regionalidade

Lula e Celso Daniel são extremos
da primeira década deste século

DANIEL LIMA - 10/12/2010

Não tenho a mais tênue ideia do resultado final da votação do Conselho Editorial da revista LivreMercado. Os números serão revelados na próxima edição, agora sob o controle deste jornalista. Mas, fiz minhas escolhas entre os cinco enunciados finalistas dos fatos mais positivos e mais negativos do Grande ABC na primeira década deste século.


Só estou revelando agora porque não queria correr o risco de ser chamado de invasor, de eventualmente influenciar votos. Agora que a votação foi encerrada parto à explicitação pública: a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e o assassinato do prefeito Celso Daniel compõem os mais impactantes fatos deste século. Sei lá se os conselheiros convergiram nesse sentido, mas qualquer que seja o resultado final tudo estará bem encaminhado.


De fato não é nada fácil ficar com o enunciado da eleição de Lula da Silva quando se apresentavam também na disputa por votos a queda drástica dos índices de criminalidade, a chegada do trecho sul do Rodoanel, a implementação do Hospital Mário Covas e a chegada da Universidade Federal do Grande ABC.


Também não é tarefa das mais cômodas hierarquizar os fatos negativos que disputaram a finalíssima de votos dos conselheiros editoriais quando, além do assassinato de Celso Daniel, tivemos o comprometimento da logística interna do Grande ABC por falta de investimentos municipais e regionais; o descompasso da Agência de Desenvolvimento Econômico, Clube dos Prefeitos e Câmara Regional em relação às prioridades regionais; a baixa produtividade regional dos deputados estaduais e federais do Grande ABC; e, completando a lista, a falta de ações relevantemente práticas e de perspectivas de ocupação econômica e social ambientalmente sustentável da Represa Billings e de outras áreas de mananciais.


Minhas escolhas são minhas circunstâncias como jornalista. Jamais deverão criar qualquer tipo de constrangimento aos conselheiros que preferiram combinação parcial ou integralmente divergente. Quero dizer com isso que é possível que a soma de votos pró-eleição de Lula da Silva pode estar sincronizada com o que escolhi, sem que se dê o mesmo encaminhamento quanto à morte de Celso Daniel. Ou vice-versa. Ou nenhum dos dois enunciados.


O mais importante mesmo é que tivemos quase que a totalidade dos 114 conselheiros engajados em reflexões que desaguaram na avaliação dos dois quadros apresentados. Ou seja: mais de uma centena de formadores de opinião do Grande ABC, representantes em larga escala da classe média, dedicaram tempo para estabelecer bases de comparação entre os enunciados resultantes de uma primeira etapa com 17 alternativas positivas e 17 alternativas negativas.


Resumidamente, até porque é possível escrever um tratado sobre o assunto, fico com o fator mais positivo ligado à eleição de Lula da Silva não só pela simbologia à região, algo importantíssimo para a auto-estima de um conglomerado humano praticante insuperável do Complexo de Gata Borralheira, mas também pelos efeitos econômicos e sociais.


Não é preciso ir mais longe do que o necessário: a ressurreição da indústria automotiva no Grande ABC se deve à política econômica do governo federal. Dinheiro farto para financiamento do consumo popular repercutiu entre outras áreas na multiplicação dos pães do setor automotivo. Uma pena que Lula da Silva tenha mantido até praticamente o final de mandato discriminação alfandegária às autopeças. FHC iniciou o processo de destruição de um setor então majoritariamente de empresas familiares e Lula da Silva pouco fez para alterar o curso do rio de lágrimas.


Uma pena, também, que o efeito presidencial positivo de Lula da Silva não fosse muito mais expressivo no Grande ABC, por conta da regionalidade em frangalhos.


Exatamente por isso que busco no assassinato de Celso Daniel o fato mais dolorosamente negativo. Com Celso Daniel de ministro de Lula da Silva, a regionalidade do Grande ABC seria construída muito além dos muros corporativo-eleitorais.


Não tivemos a sorte de contar com um substituto minimamente à altura de Celso Daniel na governança regional, principalmente por que cores partidárias, de vermelhos e azulados, se manifestaram à flor da pele.


O Grande ABC de Lula da Silva mas sem Celso Daniel não usufruiu da potencialidade de recuperação dos fortes abalos por que passou nos anos 1990. Talvez tenha perdido uma grande oportunidade, a maior de todas, para sedimentar de forma sustentada uma retomada desenvolvimentista sobre a qual tenho muitas dúvidas. Apesar dos cordões que ligam tucanos e petistas aos governos estadual e federal.


Seria muito melhor, convenhamos, se tanto petistas quanto tucanos contassem com o reforço da representatividade de uma massa crítica institucional de organizações da sociedade civil — a maioria das quais vitima de uma enfermidade que parece incurável: o raquitismo de comprometimento social. Não há fígado de bacalhau de inconformismo que possa acabar com a apatia dos acomodados.


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