Regionalidade

Clube dos Prefeitos: fatos que
não podem ganhar nova versão

DANIEL LIMA - 23/12/2010

Acompanho atentamente a série que o jornal (impresso e eletrônico) ABCD Maior publica sobre os 20 anos do Clube dos Prefeitos, conhecido oficialmente por Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Depois de duas entrevistas para resgatar fatos que marcam essa ponta de lança de regionalidade, e antes que nova entrevista seja publicada, resolvi meter meu bedelho.


Já escrevi zilhões de caracteres sobre o Clube dos Prefeitos, por isso me sinto na obrigação de interceder para corrigir algumas rotas. Os entrevistados Jeroen Klink, hoje na Universidade Federal do Grande ABC, depois de passar pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André, e o também acadêmico Luiz Roberto Alves, igualmente com experiência no setor público, foram nomes bem escolhidos pela direção editorial do ABCD Maior. Mas nem por isso deixaram de cometer escorregadelas.


Debito esses tropeços à tentativa dos entrevistados de contribuir com novos tempos, temperando os desajustes da instituição no passado. Gostaria de ser assim também, mas minha memória é alucinadamente fiel aos fatos. Minhas digitais obedecem cegamente ao dispositivo de repasse de informações acumuladas numa caixola que ainda não bateu pinos.


Nessa correria de fim de ano não tive paciência para passar a mão nas duas cópias das matérias publicadas para contrapor-me detalhadamente a pontos vulneráveis, quando não inconsistentes. Mesmo assim, com a confiança de que não correrei o risco de injustiça interpretativa, faço algumas ponderações.


Primeira – Diferente do que disseram, muito antes de ser assassinado Celso Daniel já havia jogado a toalha da regionalidade. Pelo menos da regionalidade com que se entregou a partir de meados dos anos 1990 quando, juntamente com o Fórum da Cidadania, Agência de Desenvolvimento Econômico e Câmara Regional, o Clube dos Prefeitos formava quarteto decidido a reescrever a história de apatia integrativa. Quando percebeu que se metera numa fantasia de arlequim apaixonado por uma colombina que não lhe dava a menor atenção, Celso Daniel recuou e tratou de dedicar-se mais à Prefeitura de Santo André. Quando foi assassinado, em janeiro de 2002, o Clube dos Prefeitos já estava praticamente morto e enterrado, caso o diagnóstico leve em conta o que pretendia e o que se tornara.


Segunda – Também é erro de avaliação o endeusamento do governador Mário Covas, importante na consecução da Câmara Regional ao mobilizar secretários de Estado para se juntarem às forças institucionais do Grande ABC por maior comprometimento com os sete municípios. Muito antes de morrer em 2001, e bem à frente de Celso Daniel, Mário Covas também já havia entregue a rapadura do desprendimento a um regionalismo sem objetividade e recheado de idiossincrasias. Alguns secretários estaduais inicialmente engajados logo sumiram dos limites territoriais do Grande ABC. A Câmara Regional desapareceu do organograma de regionalidade há mais de uma década, mas nem todos se dão conta disso.


Terceira – O Clube dos Prefeitos estrebuchava à espera de sepultamento em meados dos anos 1990 quando o Fórum da Cidadania, mobilização social tão inédita quanto frustrante de lideranças de diversas áreas do Grande ABC, botou a cara para contrapor-se à letargia político-institucional. Foi sob a liderança de Celso Daniel, que tomou posse em 1997, que as demais instâncias regionais, além do Clube dos Prefeitos, saíram das catacumbas da desintegração e do isolacionismo para, entre outras iniciativas, baixar a bola do Fórum da Cidadania, apadrinhado pelo Diário do Grande ABC. Quem estender um tapete de desempenho uniforme do Clube dos Prefeitos correrá o risco de espatifar-se contra a parede dos fatos, narrados e interpretados ao longo desse período por este jornalista tanto por meios digitais como à frente da revista LivreMercado.


Quarta – A trajetória errática do Clube dos Prefeitos se rivaliza com deliberações muito aquém das demandas regionais que a própria instituição cansou de listar e de lhe arrumar roupagem de planejamento estratégico. A valorização marquetológica de 20 anos de atividades da instituição é um furo nágua porque não corresponde às obras. Vinte anos são o tempo que dirigi a revista LivreMercado e sei de cabo a rabo o que se passou com a publicação, bem como os avanços possíveis na linha editorial por conta do acúmulo de experiência vivida com profissionais com os quais compartilhei responsabilidades. No caso do Clube dos Prefeitos, o entra e sai de casa de Irene de cada mandato vencido e a ausência de um corpo técnico permanente destroem qualquer tentativa de esquadrinhar o conceito de longevidade. O Clube dos Prefeitos não passa fato de vários Clubes de Prefeitos. A vida útil de cada grupo de titulares dos postos nos Executivos é efêmera, de quatro ou oito anos. Há permanente interrupção de projetos, propostas, ações e execuções.


Quinta – Atribuiu-se ao Clube dos Prefeitos série de conquistas regionais que não passam de forçada de barra. Os piscinões cantados em prosa e verso como rescaldo do Clube dos Prefeitos são uma política do governo do Estado que contempla principalmente toda a região metropolitana de São Paulo. Mesmo com avocações de obras e decisões exageradas, o Clube dos Prefeitos é um notável fracasso quando se confrontam problemas que o Grande ABC enfrentou ao longo desse período e deliberações que resultaram dos encontros na instituição.


Poderia desfilar enorme rosário de lamúrias que atingiriam no peito a história do Clube dos Perfeitos, mas deixo outras questões de lado porque acredito que alguns pontos vitais foram explicados.


Longe de pretender ser dono da verdade, tenho horror a interpretações adocicadas que, por fugirem da realidade, não resistem aos parágrafos seguintes. Observam-se facilmente contradições que confirmam uma realidade insofismável: ainda não encontramos um jeito de dar conta de nossa regionalidade. E continuaremos a errar porque, por mais que grupos temáticos tenham sido operosos e dedicados na produção do novo Planejamento Estratégico do Grande ABC, a montanha de mais de duas dezenas de divisões é um convite à dispersão e ao esvaziamento.


Por que o Clube dos Prefeitos não segue a orientação dos especialistas em regionalidade que não cansam de alertar que a melhor maneira de superar a maioria dos problemas de regiões semelhantes ao Grande ABC é escolher um grupo com no máximo cinco questões mais agudas e dedicar completa atenção às tarefas que se desenharem, resolvendo-as de fato e abrindo espaços a novas demandas?


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