Tem gente querendo forçar barra jornalística insustentável. Trata-se da suposta possibilidade de Miriam Belchior disputar a Prefeitura de Santo André em 2012. Esqueçam: a agora ministra do Planejamento do governo Dilma Rousseff é página virada no jogo eleitoral em Santo André. Como escrevi antes, Miriam Belchior jamais trocaria um ministério tão importante por uma disputa acirradíssima, de grande risco. Diferente de Luiz Marinho em 2008. São Bernardo é o maior símbolo petista do País. Era questão de honra do então presidente Lula da Silva receber a chave de São Bernardo pós-encerramento do mandato tendo o afilhado Marinho no comando do Paço Municipal.
Talvez Miriam Belchior não tenha nem tempo para fazer o que melhor sabe em período eleitoral: desvendar os caminhos e os atalhos de votos, especialista que é em decifrar classes sociais, econômicas e culturais de Santo André, base sobre a qual definem-se medidas de sensibilização do eleitorado.
Miriam Belchior seria concorrente de peso porque unificaria numa boa ou por ordem de Lula da Silva a casa da Mãe Joana do PT em Santo André. Mas agora que virou ministra, esqueçam. O prefeito Aidan Ravin, favoritíssimo à reeleição, agradece. Terá menos obstáculos. Mais que menos obstáculos, alguns obstáculos artificiais, de laboratório de ingênuos alquimistas.
Na entrevista que concedeu no final do ano, impressa ou postada por veículos de comunicação do Grande ABC, o que tivemos de Miriam Belchior foi uma sucessão de declarações óbvias tanto no campo da regionalidade como em âmbito nacional.
A ex-supersecretária de Celso Daniel joga numa retranca à italiana quando posicionou-se publicamente. As intervenções não têm qualquer semelhança com o estilo arrasador nos corredores do poder. Miriam Belchior é um trator que não perdoa os indolentes, chega junto nos reticentes e cobra incansavelmente dos competentes.
Para azar dos jornalistas que a entrevistaram (tudo indica que foi uma ação coletiva, não individual, embora os veículos não mencionassem as circunstâncias do trabalho) Miriam Belchior tornou-se prato insosso demais. Li avidamente cada parágrafo tanto do Diário do Grande ABC quanto do Repórter Diário, como o fiz uns 10 dias antes no ABCD Maior. Li, reli e nada, nadinha de interessante.
No caso do Diário do Grande ABC e do Repórter Diário, a entrevista é a mesma. Mudou-se apenas a abertura, personalizando-a. O Diário achou chifre na cabeça de cavalo de candidatura de Miriam Belchior à Prefeitura de Santo André, em latente conflito com resposta da ministra que quer seguir ministra. Nesse ponto, o Repórter Diário foi mais comedido e correto. O ABCD Maior publicou entrevista exclusiva uma semana antes.
Uma pena que nada de substantivo se colocou aos leitores. Acreditava poder extrair daquela ação jornalística muito mais que formalidades, sobretudo nas questões políticas, econômicas e sociais do Grande ABC. Miriam Belchior não passou de vôo panorâmico, sem as emoções que somente incursões rasantes proporcionam. Nem uma sacolejadazinha foi possível captar. Prevaleceu o politicamente correto. Nada é mais enfadonho que uma entrevista politicamente correta.
Por isso, diferencio entrevistas de entrevistas. Entrevistar por entrevistar não vale a pena. Pode até servir de marketing (”olha, entrevistamos a ministra”), mas não passa disso. Marketing sem valor factual.
Possivelmente, Miriam Belchior ergueu uma barreira ministerial que inibiu a ação jornalística. Havia à disposição nas prateleiras do supermercado de regionalidade uma agenda múltipla. Entretanto, o que se viu foi um armazém de secos e molhados de alguns pontos temáticos acanhados, como a sucessão municipal em Santo André e, por decisão da entrevistada, apenas uma abertura muito discreta da janela de oportunidades que supostamente o pré-sal proporcionaria à economia do Grande ABC. Nada com substância, nutriente condutor da materialidade da sugestão.
Estaria Miriam Belchior despreparada para avançar o sinal ou os interlocutores não teriam feito a condução da entrevista da forma mais condizente com os anseios regionais?
Mesmo quando faz menção — isso mesmo, menção — aos investimentos do governo Lula da Silva no Grande ABC ao longo dos oito anos, por volta, segundo a entrevistada, de R$ 10 bilhões, não há detalhamentos que permitam análise crítica. Não sei de onde saiu tanto dinheiro.
Pelo que entendi, os quase R$ 2 bilhões aplicados no Rodoanel e os não sei quantos milhões ou bilhões da Universidade Federal do Grande ABC estão nesse balaio de dados.
Tanto o Rodoanel quanto a UFABC devem ser minimizados como rubrica regional. A estrada tem inserção econômica bastante modesta no Grande ABC, embora seja relevante à mobilidade veicular. A universidade é o corolário do quanto um grupo de acadêmicos chega ao nosso território e dá de ombros à regionalidade ao introduzir goela abaixo modelo arbitrário de organização educacional.
Gostaria muito de entrevistar Miriam Belchior, mas é possível, como em outra situação, de confirmação seguida de silêncio, que a iniciativa não prospere. Com todo o respeito que me merece — e a tenho em alta conta desde os tempos de Celso Daniel — provavelmente a ministra não se sentirá à vontade. E este jornalista não se arriscaria a apanhar um avião (tenho horror a avião) sem a garantia de que voltaria leve e solto com o gravador enriquecido de informações.
Uma das perguntas básicas seria exatamente a seguinte: como a ministra observa o contrassenso de que, embora com um presidente egresso da região e um sem-número de assessores em diversas áreas do governo federal igualmente oriundos destas plagas, o Grande ABC não conseguiu engrenar medidas para potencializar-se além do empurrão automotivo na primeira década dos anos 2000, depois da catástrofe de Fernando Henrique Cardoso?
Seria por que os petistas em questão trataram mesmo de cuidar da própria carreira pública, por que a institucionalidade do Grande ABC é uma lástima ou por que quando se está em Brasília nada é mais interessante, de fato, do que estar em Brasília?
Quem estiver afinado com o somatório dessas três alternativas não se distanciaria da realidade.
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