Regionalidade

Clube de Prefeitos e Clube de
Catados, isso não vai dar certo

DANIEL LIMA - 23/03/2011

Gostaria, sinceramente, de ser desmentido pelos fatos. Entretanto, como sou especialista em Grande ABC (nem poderia ser diferente, porque essa é uma obrigação de quem aqui está há tanto tempo praticando jornalismo) duvido que vai dar certo a mistura de Clube de Prefeitos e Clube de Catados, no caso de deputados estaduais e deputados federais com domicílio eleitoral na região. Como, aliás, não deu em tentativas que alimentaram o passivo institucional do Grande ABC.


A reunião de outro dia na sede do Clube dos Prefeitos poderia ser, finalmente, o tiro de partida de uma revolução, mas alguns sinais emitidos dão a nítida impressão, quase certeza, de que nada vai mudar para valer quando se tratar de regionalidade substantiva, aquela que faz a diferença, em vez de regionalidade discursiva, aquela que não passa de voluntarismo que se confunde com encenação.


Antes de algumas ponderações que tentarão sustentar o ceticismo deste jornalista, faço um adendo.


Clube de Catados não é expressão depreciativa por natureza ou safadeza semântica ao me referir ao grupo de deputados do Grande ABC. O fato é que o quadro organizacional assim o sugere, porque, como não estão reunidos grupalmente com frequência e vivem em mundos diferentes, partidarizados em ideologias e interesses corporativos típicos de democracia política, eles só se darão ao trabalho ou ao compromisso de se encontrarem não mais que sazonalmente num ambiente de regionalidade, caso da sede do Clube dos Prefeitos.


Nenhuma organização, por menor que seja, funciona sem requisitos básicos em forma de tratados escritos, debatidos, aprovados, ou seja, sem o corpo e a alma da própria essência do que pretende ser. Já com tudo isso o que não falta na praça são entidades tecnicamente fantasmas, operacionalmente personalizadas, eticamente irresponsáveis, o que dizer então de algo abstrato que, segundo alguns, pode se encontrar apenas a cada três meses com os prefeitos, como se competitividade institucional, núcleo de todas as competitividades, fosse apenas um adereço?


Nos tempos já distantes e de joelho em ordem de jogador de futebol que pensava mais com a cabeça do que com as pernas (uma bela desculpa para dizer que tinha limitações profundas sobre as chuteiras, mas fazia da natural liderança uma maneira de me sustentar na equipe), time de catados era formado por craques e pernas de pau que se reuniam erraticamente para jogos marcados em cima da hora. Eram times de ocasião, para traduzir a linguagem. Os jogos valiam mais pela farra do que pelos resultados, embora um e outro companheiros de equipe levassem a sério demais algumas divididas com adversários.


Feita essa explicação, como acreditar na longevidade das relações entre representantes de Executivos dos sete municípios do Grande ABC e legisladores vitoriosos nas últimas eleições proporcionais se uma das partes, no caso os parlamentares, não tem agenda em comum porque não se associou em torno de algo como um Clube de Deputados? Daí, o Clube de Catados.


É impossível dar espaço à credibilidade das ações envolvendo Clube dos Prefeitos e Clube de Catados quando se oferece à mesa da dispersão um pantagruélico e indigesto cardápio de nada menos que 30 propostas?


De todos os entrevistados, quem melhor definiu a situação foi o deputado Orlando Morando, que parece não integrar a confraria do tudo-bem sempre e que por isso mesmo provoca arrepios em terceiros doutrinados a dourar a pílula.


Disse Orlando Morando exatamente o que já cansamos de escrever ao longo dos últimos 20 anos, quando descobrimos para valer o sentido de regionalidade: é contraproducente dar racionalidade e produtividade às demandas mais prementes da região com pauta tão extensa, entre outras razões porque o essencial se dilui entre acessórios. Os termos explicativos são deste jornalista, mas Orlando Morando quis dizer exatamente isso quando ouvido por jornalistas.


Uma pena que a quase totalidade da mídia regional presente ao evento na sede do Clube dos Prefeitos não tenha deixado de lado o tom triunfalista e se postado de forma mais crítica à estratégia da movimentação em torno de resoluções que melhorem a qualidade de vida no Grande ABC. Mas devo confessar que pelo menos desta vez senti um pouco de tangencialidade analítica nos textos. Menos mal, porque de alguma maneira as respectivas ações jornalísticas podem levar agentes públicos a se tornarem também menos retóricos.


Mais que isso: uma persistente manutenção de pauta relativa ao guarda-chuva de regionalidade, tendo como base de apoio a institucionalidade do Grande ABC, contribuiria muito para manter acesa a possibilidade de, finalmente, os representantes da sociedade se mobilizarem mais frequentemente em torno de questões vitais para o nosso futuro.


Quem pesquisar no mecanismo de buscas desta revista eletrônica “Consórcio Intermunicipal” e “Clube dos Prefeitos” vai encontrar centenas de artigos sobre uma das maiores preocupações deste jornalista.


Não sei exatamente a origem de minha inquietação com o conjunto dos municípios do Grande ABC, processo que me parece, puxando pela memória, algo tão suave que não permite que se chegue à raiz. O que posso dizer mesmo é que, como criei e lancei a revista LivreMercado em março de 1990, alguns meses antes da chegada do Clube dos Prefeitos, a inspiração não decorreu da liderança entusiasmada de um Celso Daniel em primeiro mandato. Mas que o maior prefeito regional da história contribuiu muito para o amadurecimento e a consolidação de meus ideais de regionalismo, isso é indescartável. Talvez em proporção semelhante ao fato de não ter nascido em nenhum dos municípios locais e de ter residido em três.


Exatamente por conta do passado de frustrações com a regionalidade tenho evitado escrever sobre o assunto quando conectado às iniciativas que se dão tanto no Clube dos Prefeitos como na Agência de Desenvolvimento Econômico. Verdadeiramente me exaspero com pautas repetitivas do passado que deram com os burros nágua. A impressão que me bate na alma é que se trata de um jogo de cena preparado para ludibriar os homens de boa-fé e preencher os espaços da mídia.


Situação análoga à que se prenuncia com essa relação sem consistência estrutural de Clube de Prefeitos e Clube de Deputados.


Clube de Deputados uma ova, porque o agrupamento não passa mesmo de Clube de Catados. Com todo o respeito individual que tenho por nossos legisladores.


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