Regionalidade

Veja um resumo de 10 razões
para não apostar no Grande ABC

DANIEL LIMA - 07/06/2011

Vou relacionar 10 razões para não apostar no Grande ABC. Sei que vou provocar reações de empedernidos triunfalistas, de gente que não faz absolutamente nada ou quando faz visa a interesses nem sempre comprometidos com a sociedade. Diria que sou privilegiado, por poder dizer e escrever o que sinto, o que supostamente conheço, porque a maioria de meus companheiros de profissão, jovens ou já experientes, dança conforme a música. E a música que a maioria dança é uma música dolorosamente ritmada pela incompetência generalizada dos donos de jornais que não têm intimidade alguma com o metiê.

Ocorreu-me há alguns dias a ideia de discorrer sobre as 10 razões para não apostar no Grande ABC, quando li um artigo num dos jornalões paulistanos, sobre as 10 razões para apostar na China. O contraponto, o antagonismo, seja lá o que for me veio à mente imediatamente após a leitura daquele título. Não consigo ler nada que se refere a territórios extra-Grande ABC sem levar em conta a possibilidade de transplante, de adequação, de confronto, de similaridade, essas coisas de quem não enxerga apenas os sete municípios locais.

Muito diferente, portanto, de gente que propositalmente ou não opta pela seletividade de informações e instala o Grande ABC numa redoma de informações, como se o restante do planeta fosse apenas ficção.

Quantos até recentemente desdenhavam dos chineses, principalmente dos chineses, e os riscos de invasão comercial com produtos cada vez mais bem acabados tecnologicamente? Não vou destrinchar as 10 razões para não apostar no Grande ABC. Quem sabe o faça numa outra oportunidade, individualizando em artigos cada um dos temários em questão. Neste texto, farei apenas uma exposição rápida, para justificar o título. Vamos lá, então:

Divisionismo – A emancipação político-administrativo da outrora São Bernardo do Campo, território único do Grande ABC, antecedido pela Santo André da Borda do Campo, pode ter tido as melhores intenções e pode também ter representado série de benefícios municipalistas, mas em termos de amarração regional é uma desgraça. O todo é sempre menor que as partes. É uma matemática burra que se explica pela inapetência à construção de modelo de integração que abandone o divisionismo rastaquera.

Perda de cérebros – Acentua-se cada vez mais a avalanche de perda de cérebros para endereços mais nobres, da Capital tão próxima ou do Interior mais desenvolvido. O terciário de baixo valor agregado, deformidade cantada por Celso Daniel pouco antes de morrer, e a retração industrial, se juntam a um provinciano sociologicamente tão entranhado que não há como negar a vocação a empregos de baixa qualidade. A icônica Universidade Federal do Grande ABC não passa de barriga de aluguel, como bem definiu um educador sem papas na língua. A UFABC não tem DNA regional.

Baixa Cidadania – A névoa espessa de constar da periferia de uma Capital centralizadora dos holofotes da consagração se soma à debandada de trabalhadores a outros endereços da Grande São Paulo e cria um hiato entre as premências sociais e institucionais e a capacidade de oxigenação crítica da sociedade. O Grande ABC consolida-se como conjunto de mais de 2,6 milhões de habitantes que, em raríssimas situações, e mesmo assim específicas, grupais, temáticas, se dedica à prática da cidadania.

Institucionalidade frágil – O que esperar de uma região que, além do divisionismo municipal recheado de idiossincrasias, não consegue juntar meia dúzia de entidades sociais e econômicas para colocar o trem da regionalidade nos trilhos da modernidade? Ao contar com inúmeras entidades que não passam de reserva de mercado a meia dúzia de dirigentes, sem imbricamento classista e social, o Grande ABC reproduz modelo que domina o País, com a diferença de que viveu na última década do século passado situações especialmente comprometedoras, as quais poderiam ser a chave de ignição de novos tempos.

Gataborralheirismo – É incontrolável o sentimento regional de miniaturização diante da Capital. São incontáveis os casos de charlatães paulistanos que ancoraram no Grande ABC, em corporações privadas e públicas, em entidades de classe, e se locupletam ante basbaques que, internamente, agem como ditadores. São inúmeras as situações nas quais se expressam desvios culturais de quem olha para a grande vizinha com subserviência incontida. Algo que, contraditoriamente, requer compensação, emulada na forma de mandonismos internos. São ditadores locais convertidos em serviçais paulistanos. É um vale-tudo para subjugar interlocutores domésticos ao preço de rastejamento diante de supostos poderosos paulistanos.

Mídia acrítica – Não faltam opções a informações no Grande ABC nestes tempos de jornalismo impresso e eletrônico economicamente mais industrializáveis do que no passado. Entretanto, o manancial crítico obedece a severa dieta de liberdade de expressão, constitucionalmente prevista mas economicamente inviável. A mídia do Grande ABC, em larga escala, depende demais dos poderes públicos. O pequeno negócio, solapado pela invasão dos bárbaros do comércio e de serviços, não tem fôlego para sustentar tantos veículos de comunicação. O salve-se-quem-puder é a regra geral. Quem paga o pato são os leitores, porque a pauta se repete. São os mesmos de sempre a ocupar as páginas impressas e a formular rosário de interesses específicos que colidem com demandas da maioria da população.

Doença holandesa – A excessiva dependência econômica e social do setor automotivo esquarteja e joga no terreno baldio da inquietude a possibilidade de o Grande ABC tornar-se menos desigual. A disparidade de vencimentos salariais entre trabalhadores de primeira classe do setor automotivo e os demais fortalece a divisão social da região, entre os bens aquinhoados da classe A e da Classe B, os classes média de assalariados automotivos e os demais, de comércio e serviços. Os chineses são uma ameaça permanente e cada vez mais visível ao enxugamento industrial e ao equilíbrio social da região, como se não bastasse a guerra fiscal e a política de descentralização automotiva.

Celebridades inúteis – À falta de lideranças empresariais e sociais comprometidas com o futuro do Grande ABC, sobram figurinhas carimbadas. São celebridades inúteis. É fácil identificá-las. A maioria não sai de colunas sociais e jornais e revistas, sempre sorridentes em flagrantes fotográficos. Desfilam modelitos de mau gosto, cuidam de uma agenda de superficialidade social que se rivaliza com uma nova empreitada estudadamente voltada a enganar os trouxas: mobilizam-se na arrecadação de fundos financeiros para socorrer uma ou outra entidade social. Fundos financeiros é força de expressão. São recursos rasos que caracterizam benemerência de migalhas. As exceções confirmam a regra mas não conseguem se multiplicar.

Logística insana – O enxadrismo logístico do Grande ABC é algo tão sofisticado na engenharia de entornar o caldo da produtividade e da qualidade de vida que não se entende a razão de não prevalecer na agenda regional uma ação vigorosa para desobstruir os caminhos. Até Santo André, de passado de muito dinheiro orçamentário e notável vocação a modernizar o sistema viário, vive o encalacramento dos imprevidentes. Gigantismo populacional não combina com amarras viárias. Não há sistema econômico que suporte tamanha desconsideração histórica. Não há trecho sul do Rodoanel que dê jeito, ainda mais que se trata de obra sem volumosa abrangência interna.

Mananciais desprezados – Com mais da metade do território ocupado por mananciais, o Grande ABC vive da ilusão e de promessas de que poderá humanizar essas áreas, tornando-as fontes de qualidade de vida. Enquanto prevalecem legislações que não ganham a forma concreta de obras, de decisões, de reparos, o Grande ABC sofre com o outro lado da moeda de contar com esse território ambientalmente especial, apesar de todos os pesares: os investimentos produtivos são redirecionados a outros territórios. Fica-se com o ônus de tentativas de preservação ambiental sempre tormentosa e perde-se a potencialidade de exploração sustentável do espaço.



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