Não tenho nem pretendo ter poderes mediúnicos, porque dá trabalheira danada, mas que Celso Daniel não aprovaria a Região Metropolitana de São Paulo concebida para a Grande São Paulo pelo governo de Geraldo Alckmin e recentemente festejada, não tenham dúvidas os leitores. Os petistas são tão distraídos que nem se deram conta de que o dirigente que ostentava a estrela vermelha no peito e que mais entendia de metropolização era terminantemente contrário ao que se aprovou. Por isso só agora alguns começam a reagir. Tardiamente. O risco de o Clube dos Prefeitos do Grande ABC esvaziar-se ainda mais é enorme. Longe de qualquer resquício partidário, que os idiotas de plantão sempre veem para tentar desclassificar análises objetivas, confesso que estou com Celso Daniel e não abro.
Infelizmente, a governança da Região Metropolitana de São Paulo tem tudo para ser pouco eficiente com o Grande ABC. E olhem que estou sendo demasiadamente generoso porque, no fundo, no fundo, acho mesmo que caímos numa armadilha. Algumas conquistas se darão por conta de obrigatoriedades orçamentárias e políticas, mas nada que não se configuraria sem o modelo adotado. O que o governo do Estado fez, espertamente, foi concentrar em torno de si as láureas das iniciativas ao deslocar o eixo resolutivo e propagandístico a seus tentáculos.
Misturaram o Grande ABC com o restante da periferia da Capital, com todos os percalços que isso significa. O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico já deu várias declarações que nos colocam longe de prioridades. Tudo porque temos um padrão de qualidade de vida bem melhor que Carapicuíba, Taboão da Serra e assemelhados. Essas localidades são também mais suscetíveis à doutrinação de votos majoritariamente petistas nas bordas metropolitanas.
Somos rigorosamente apenas sete votos num universo de 39 municípios. Se dobrarmos o colégio eleitoral, já que o governo do Estado, segundo consta do novo formato gerencial da metrópole, contará com igual soma de votos dos municípios, seremos grãos de areia nas deliberações do organismo que representará esse agrupamento de 20 milhões de habitantes. Fomos pulverizados, mas há quem comemore porque observa o horizonte mais próximo com olhos particulares, individualistas, eleitorais.
É verdade que o Clube dos Prefeitos do Grande ABC jamais se deu conta do quanto representava de potencialidade à resolução e à redução dos problemas econômicos e sociais dos sete municípios. Mas justamente quando uma formalidade sempre destacada como essencial à decolagem da instituição, no caso a aprovação como espécie de autarquia pública, eis que o governo do Estado dá um golpe político-partidário de mestre.
Os critérios para distribuição de recursos financeiros serão exclusivamente técnicos ou permeados por injunções políticas? Somente os ingênuos acreditariam na primeira opção, porque não há organismo político-partidário que não veja a próxima eleição com avidez. Não seria diferente se o PT governasse o Estado de São Paulo. Talvez, em função do histórico de engajamento de acadêmicos versados em metropolização, envolvesse maior conteúdo técnico.
Com que autoridade uso o nome de Celso Daniel para dizer e reafirmar que o que está aí em termos de região metropolitana não era o sonho dele?
Simples, muito simples: recorro a uma entrevista que fiz pessoalmente com o então recém-eleito prefeito de Santo André, Celso Daniel, em outubro de 1996, e que virou Reportagem de Capa da revista LivreMercado (aquela que não existe mais) de novembro do mesmo ano. Aliás, Reportagem de Capa sem metáfora, porque aquela foi a primeira edição de LivreMercado em formato físico de revista, uma decisão que, como diretor editorial, tomei para completar uma obra que se iniciara em março de 1990, quando criei publicação com conceito de revista, embora produzida fisicamente sem acabamento de revista.
Mas vamos ao que interessa. Para tanto, transponho alguns trechos do texto que preparei àquela ocasião.
Celso Daniel só antecipa que não lhe faltará empenho para dar ao organismo formado pelos sete prefeitos caráter de unidade que faltou na atual gestão. Elogiou Valdírio Prisco, atual presidente do Consórcio, pelas iniciativas tomadas, mas não deixou de lamentar a ausência coletiva dos demais. Embora não tenha dito formalmente, deu a entender que o desempenho do Consórcio Intermunicipal interrompeu processo de integração regional alcançado durante a gestão dos prefeitos que antecederam os atuais.
A unidade do Consórcio é prioritária para Celso Daniel, mas deve ser acompanhada, numa segunda etapa, da profissionalização de sua estrutura. A nova formatação incluiria também a participação deliberativa da sociedade civil, democratizando-se a responsabilidade de conduzir a necessária reviravolta socioeconômica, atuando como instância suprema de planejamento estratégico do Grande ABC.
O pretendido novo Consórcio Intermunicipal provavelmente, se depender de Celso Daniel, mudaria até de identidade. Teria outra denominação e se transformaria numa autarquia metropolitana do Grande ABC, com recursos financeiros próprios para desenvolver atividades de estudos, planejamento e obras individuais ou em conjunto entre os próprios municípios ou também com a participação do Estado e da União. Enfim, comportaria um novo arranjo institucional.
Esse fortalecimento infra-regional permitiria relação menos dependente do governo estadual. Celso Daniel não diz com todas as letras, mas a concepção de integração do Grande ABC não cede espaços para uma participação igualitária ou prevalecedora do Estado. Ele não hostiliza o governo estadual, ouve com atenção interlocutores do Fórum da Cidadania que falam sobre os avanços dos últimos anos, entre os quais promessas de secretários estaduais de investimentos na infra-estrutura regional, mas a autonomia institucional do Grande ABC transpira em suas frases.
Tanto que critica o figurino adotado pela Baixada Santista, que já virou região metropolitana, segundo projeto do governador Mário Covas aprovado pela Assembléia Legislativa. A Baixada está criando autarquia pública que gerenciará a metropolização em parceria paritária com o governo estadual. Celso Daniel afirma que falta comunidade para avalizar a nova configuração jurídico-institucional de Baixada Santista: “Nesse ponto, estamos mais avançados, porque tem o Fórum da Cidadania como aglutinador da sociedade” — disse durante encontro na Associação Comercial e Industrial de Santo André, referindo-se ao fato de que o avanço na Baixada Santista deu-se apenas entre a cúpula político-administrativa dos nove municípios.
A Região Metropolitana anunciada pelo governo de Geraldo Alckmin está muito distante do projeto de Celso Daniel. Não tem espaço para um conselho deliberativo formado por representantes da sociedade e coloca os executivos do Estado como manda-chuvas das decisões, porque os prefeitos aliados tenderão a decidir de acordo com as vontades do Palácio dos Bandeirantes.
A única reação possível que o Grande ABC poderia empreender para honrar o legado de Celso Daniel seria o fortalecimento do Clube dos Prefeitos. O que não passa de romantismo, porque o organismo se divide historicamente entre os vermelhinhos do PT e os azulados de tucanos e aliados. As disputas são disfarçadas mas imobilizam a entidade.
Para completar o vazio que Celso Daniel claramente deixou, recorro a um fragmento do texto que preparou para o livro “Nosso Século XXI”, primeira versão, lançado em dezembro de 2001 num Clube Atlético Aramaçan que recebeu mais de dois mil convidados. A obra, coordenada por este jornalista e também pela jornalista Malu Marcoccia, está inteiramente disponível nesta revista digital. Vejam o que Celso Daniel pretendia de um Grande ABC que, infelizmente, está institucionalmente a nocaute há muitos anos:
Embora a crise estrutural do Grande ABC já tenha completado mais de duas décadas, o futuro da região não está nem de longe selado. Na verdade, a ação regional de caráter endógeno se iniciou há muito menos tempo, tendo ganhado vigor sobretudo a partir de 1997 com a criação da Câmara Regional. É natural, por isso, que um processo de transição para outro modelo de desenvolvimento local, com seus ritmos próprios, venha a se prolongar ainda por vários anos. O futuro do Grande ABC não está pré-determinado, pois ao lado da herança do passado e dos condicionamentos externos, depende, também, de modo crucial, das tomadas de posição e das decisões dos protagonistas econômicos, sociais e políticos da região.
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