Demorou 10 anos para, finalmente, o maior chefe de Executivo regional da Província do Grande ABC constar da agenda do Clube dos Prefeitos. No aniversário de 21 anos do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, entre duas mesas do seminário que tratará de consórcios públicos e governança regional, Celso Daniel será lembrado nesta segunda-feira com a inauguração do Centro de Documentação e Memória. O espaço recepcionará o acervo pessoal daquele que concebeu estruturas ao processo de regionalidade, interrompido antes mesmo daquele fatídico 18 de janeiro de 2002.
Não tenho a menor ideia do que encontrarei no memorial, mas desconfio que os seminários vão se dedicar a sessões lambe-lambe de uma cria que ainda não desmamou de vícios municipalistas, longe de entender o significado de regionalidade.
Sugiro que as emoções de verdade estejam reservadas às homenagens a Celso Daniel. Eventuais deslizes dos debatedores devem ser comedidamente avaliados pela platéia. Se um ou outro expositor desfraldar triunfalismo com suposta consolidação de regionalidade, o mínimo que o bom senso indica é que tudo não passaria mesmo de trapaça verbal.
Não acredito que os debatedores têm por pressuposto o vício em penduricalhos argumentativos, mas qualquer exagero os colocaria de saia justa para efeitos históricos.
Há tão pouco a comemorar que possivelmente eles se fixarão em alguns pontos emblemáticos para justificar a própria existência do Clube dos Prefeitos. Quem teria, por exemplo, a coragem de atribuir o Rodoanel Sul à essa instância regional? Já atribuíram ao Clube dos Prefeitos a construção dos abandonados piscinões, quando, de fato, trata-se de gestão do governo do Estado que alcança muitos outros municípios fora da esfera da Província do Grande ABC.
Apesar dos pesares, deve-se reconhecer que é melhor ter o Clube dos Prefeitos que está aí, admitindo-se seus fracassos, do que não ter Clube de Prefeitos algum.
Esmiuçamento crítico
A melhor maneira de contribuir com o Clube dos Prefeitos e com tudo que a instituição possa gerar de ganhos sistêmicos é esmiuçá-lo criticamente, confrontando as conquistas em relação às demandas propostas e às avalanches de novos imperativos sociais e econômicos.
Tenho sérias dúvidas sobre o tom que permeará os dois seminários programados. A tendência comportamental em festa de aniversário é que o homenageado seja preservado dos pontos negativos. Tal qual a mensagem subliminar nos velórios, embora tanto numa quanto noutra situação não faltem idiossincrasias.
Se é verdade que a etiqueta recomenda tanto numa situação quanto noutra diplomacia para não ferir suscetibilidades, estender-se em amenidades quando a configuração do ambiente é outra, de evento supostamente de responsabilidade social, discursos efusivos remeterão seus autores à autofagia avaliativa.
Para os iniciados em regionalidade, para os já relativamente experientes na temática e também para os que jamais ouviram falar do assunto, a situação histórica da institucionalidade extraterritório municipal na Província do Grande ABC é a seguinte:
a) O Clube dos Prefeitos completará 21 anos de atividades mas insiste em estar na mesma situação daquele comentarista esportivo que, ante um time próximo de rebaixamento à Segunda Divisão, defende a tese de favoritismo num determinado e decisivo jogo tendo como suporte de argumentação o passado de glórias. Algo como dizer que o Saged (ex-Santo André) é um dos favoritos ao título da Segunda Divisão Paulista porque tem o lastro da conquista da Copa do Brasil em 2004. O que quero dizer com isso em relação ao Clube dos Prefeitos? Que a rotatividade de comando presidencial anual combinada com a troca de prefeitos a cada nova disputa eleitoral encaminha as pautas sempre para o acostamento, inclusive porque o Clube dos Prefeitos só interessa para valer ao chefe de Executivo que ocupa a presidência. Em resumo, falta histórico de enraizamento produtivo ao Clube dos Prefeitos, o que torna o 21° aniversário quase uma abstração. Como não conta com corpo técnico versado em regionalidade e igualmente sempre sujeito a trocas permanentes, o primeiro e o segundo escalões são sempre um enxugar de gelo. Dizer como se diz com razão que o Clube de Prefeitos tem o patrimônio inalienável do ineditismo em matéria de consórcio público é uma constatação que não pode ganhar a forma de adjetivação deslumbrada, de ganhar a força de um título remoto para escorar análises presentes. O time brasileiro mais antigo está sediado no Rio Grande do Sul, mas abdicou do futebol profissional há muito tempo.
b) O Fórum da Cidadania, criado em 1994 para remexer com as estruturas públicas da região, mal conseguiu sobreviver até o ano 2000 e de lá para cá vive como zumbi, sem representatividade alguma. O gigantismo, entre outras anomalias estruturais, levou o Fórum da Cidadania ao fracasso. O anonimato da década de 2000 o levou ao sono profundo de paciente em estado grave.
c) A Agência de Desenvolvimento Econômico longe está dos sonhos de Celso Daniel, porque não tem estrutura física, profissional e mesmo institucional para abastecer o Clube dos Prefeitos de projetos que facilitem a vida dos administradores públicos e ofereçam retorno à sociedade. Retirada da costela do Clube dos Prefeitos, a Agência sempre foi considerada um corpo estranho e indesejável, concorrendo pelo estrelato num palco de
segunda classe.
d) A Câmara Regional do Grande ABC, subproduto do Clube dos Prefeitos e que contava com Celso Daniel e Mário Covas como grandes líderes, morreu de morte natural antes mesmo de seus dois maiores formuladores.
Resumo do resumo
Estou produzindo um resumo do resumo do resumo do que vivemos nas duas últimas décadas na Província do Grande ABC. Tudo isso foi esmiuçado por mim e pela equipe de jornalistas que comandei na revista LivreMercado e também, em seguida, nesta revista digital. Se fosse incluir como link as matérias que constam deste site para chamar os leitores mais ávidos por informações e análises, a lista seria quilométrica.
É por tudo isso que é impossível encarar o aniversário do Clube dos Prefeitos sem emitir sinais de preocupação com possíveis escorregões analíticos que subestimem verdades históricas que ajudam a explicar um presente de baixa regionalidade. Diria, sem medo de errar, que a institucionalidade da Província do Grande ABC neste final de 2011 está muito aquém do que se registrava naquele final de 1990, quando o Clube dos Prefeitos foi gestado para tratar apenas de algumas questões regionais. Vivemos em estado vegetativo com alguns ensaios de regionalidade que, mais que encantar, preocupam quem entende que a exceção poderia ser a regra se nos déssemos conta de que há muito perdemos competitividade como território econômico e social.
É claro que nenhum dos oradores previstos nos dois seminários desta segunda-feira na sede do Clube dos Prefeitos vai apresentar essa leitura de regionalidade. Ainda não perdemos a arrogância que a industrialização automotiva esculpiu com slogans tão verdadeiros quanto desgastados.
Para não dizer que não falei das flores, mais uma vez enfatizo que a Província do Grande ABC não consegue ser a soma de suas sete partes municipais e muito menos o resultado das individualidades que emergem de várias instâncias.
Leiam também:
Veja um resumo de 10 razões para não apostar no Grande ABC
Clube dos Prefeitos vai perder espaço com nova metropolização
Total de 476 matérias | Página 1
26/11/2024 Clube dos Prefeitos perde para Câmara Regional