Estou começando a gostar -- mesmo com ressalvas -- dos pronunciamentos do prefeito eleito de Santo André, Carlos Grana. O petista, que tem história no Fórum da Cidadania, movimento que ameaçou revolucionar a Província em meados da última década do século passado, pronuncia com entusiasmo um verbete praticamente marginalizado pelos administradores públicos locais: regionalismo, ou regionalidade.
Numa entrevista disponível na versão digital do jornal ABCD Maior, Carlos Grana disse à jornalista Gislayne Jacinto que os novos prefeitos não terão visão provinciana. Gostei da utilização do termo “provinciana”, praticamente proscrito nestas terras, exceto nesta revista digital, na qual foi incorporado como sinônimo de Grande ABC. Não é qualquer homem público e tampouco publicação que assumem a condição provincial destas plagas. Sei bem o quanto paguei e ainda pago pela ousadia, embora a maioria do Conselho Editorial tenha-se manifestado favoravelmente à medida.
Transponho integralmente as afirmações de Carlos Grana ao jornal ABCD Maior quando perguntado sobre o que esperar dos prefeitos no Consórcio Intermunicipal, denominação oficial daquela instância formal de poder:
Há um cenário muito promissor com a reeleição do prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), da liderança de Paulo Pinheiro (PMDB), de São Caetano, de Saulo Benevides (PMDB), de Ribeirão Pires, da continuidade do governo (Adler) Kiko, com a eleição de Gabriel Maranhão (PSDB) em Rio Grande, minha eleição, que é novidade, além de Donisete Braga (PT), em Mauá, e Lauro Michels (PV) em Diadema. Dos sete eleitos, o que não conheço é o Michels, mas eu tenho uma visão favorável do cenário. Dá para a gente potencializar o papel do Consórcio no próximo período, até porque acreditamos na regionalidade. Há vontade política de realizar alguns projetos em âmbito regional, que talvez não fosse o mesmo cenário da formação atual dos prefeitos. Acho que foi muito provinciana, cada um ficou cuidando da sua cidade e a visão dessa nova geração tem concepção muito maior sobre a importância do regionalismo.
Posições diferentes
Colocados todos os parágrafos que sustentaram o título da manchete do ABCD Maior, faço algumas considerações que vão numa linha oposta ao entusiasmo de Carlos Grana. Nada mais natural, porque ele é prefeito, é homem público, pretende costurar relações intermunicipais, enquanto sou jornalista, estou cansado de guerra de perspectivas que jamais se confirmam e meu compromisso é com a sensibilização de leitores não no sentido contrário a tudo que seja positivismo, mas a tudo que pareça por demais cor de rosa.
Primeiro, nenhum dos prefeitos eleitos, exceto o próprio Carlos Grana, reúne histórico que coloque a regionalidade entre as 10 primeiras questões mais importantes da gestão pública. Pode ser que venham a fazê-lo por força das circunstâncias e dos apelos que deveriam ser insistentes, principalmente da mídia. Nem Luiz Marinho, sobre quem depositamos confiança e expectativa irrestritas como eventual sucessor de Celso Daniel, embora com perfil de atuação diferente, se dignou a arregaçar as mangas do regionalismo durante os quatro primeiros anos de gestão. Os demais, marinheiros de primeira viagem como chefes de Executivo, não têm passado a credenciá-los como louvadores da regionalidade.
Segundo, não será a aproximação dessa leva de novos prefeitos que retirará necessariamente estas terras das condicionalidades que a colocam como província. Regionalismo e provincianismo não são excludentes. No caso da Província do Grande ABC, podem ser inclusive irmãos siameses. Basta que adotem planejamento e ações a solapar a abrangência sistêmica de um mundo globalizado em todos os setores, da economia ao urbanismo, da tecnologia aos serviços. A gênese de provincianismo não tem compulsória intimidade com fragmentação territorial. Está fundamentada na ação ou na inação de agentes sociais.
Após mais de duas décadas da criação do Clube dos Prefeitos o que tivemos como saldo de resoluções é doloridamente pífio –e portanto, repassador da convicção de provincianismo amplo, geral e irrestrito. A sobreposição de provincianismos municipais num encavalamento suicida, ao mesmo tempo em que fortaleceu os muros locais, de autonomia autocrítica de cada municipalidade, turvou os olhares, a imaginação e a capacidade resolutiva em âmbito regional.
Carlos Grana é um moço de ideias, de projetos, de iniciativas, mas precisa ser alertado sobre o que os demais prefeitos eleitos e o último remanescente da safra anterior, o também petista Luiz Marinho, pretendem quando se engatar uma primeira marcha na condução do Clube dos Prefeitos. Sair do estágio atual de paralisia já seria um grande passo.
Entre quatro paredes
Vou começar a acreditar na potencialização do Clube dos Prefeitos como agente gradualmente destruidor da cultura provincial destas terras no dia em que os prefeitos que se sentarem à mesa de reuniões levarem adiante uma decisão que se protela há muitos anos, desde que a apresentamos publicamente e também nas páginas de publicações que comandamos: que as reuniões sejam abertas ao público, especialmente à Imprensa, e que se troquem informações amplas não com um grupinho fechado de supostos representantes da sociedade, mas com quem quer de fato contribuir para dar novos rumos principalmente às demandas nem sempre capturadas pelos agentes públicos.
Se até o Supremo Tribunal Federal tem reuniões transmitidas ao vivo pela TV, como se viu no julgamento do mensalão petista, quem ousaria defender a barricada protecionista do Clube dos Prefeitos?
Apenas a título de curiosidade: constam dos arquivos desta revista digital nada menos que 319 matérias que dão protagonismo ou fazem menção ao verbete “regionalidade”. A sugestão de leitura logo abaixo é uma dessas matérias. E olhem que ainda estamos longe de transportar para os arquivos de CapitalSocial todo o acervo de quase 20 anos da revista LivreMercado. Façam uma pesquisa quantitativa e qualitativa em qualquer veículo de comunicação desta Província para uma constatação insofismável: somos especialistas no assunto. O que lamentamos, sinceramente, porque queríamos que outras publicações estabelecessem uma disputa acirradíssima em torno das questões que cabem no imenso guarda-chuva que envolve os sete municípios.
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