Participei domingo de manhã de um encontro enigmático até que me sentasse na cadeira em forma de roda e compartilhasse troca de ideias com outros 25 convidados. Foi a primeira rodada envolvendo uma turma que pode inaugurar algo regenerador para o tecido social, econômico e politico da Província do Grande ABC. Tecido é força de expressão, porque temos farrapos institucionais encardidos. Salvo as exceções de praxe.
O que se pretende é dar respaldo a novas políticas públicas, a reboque da oxigenação que flui da ex-senadora Marina Silva, liderança que luta para formar nova agremiação partidária juntando gente do bem que já se mandou ou se encontrara incomodada nos demais agrupamentos políticos que se utilizam da boa-fé alheia para dizerem que estão preocupados com o futuro do País. Um quadro sintomático da eleição de Renan Calheiros.
O movimento em questão será acompanhado por este jornalista, como fiz questão de dizer durante aquele encontro por demais rico de informações. Só não me alinharei à nova agremiação de Marina Silva porque jamais me filiei a partido algum. A função jornalística me inibe. Mas isso é de menos. O que interessa é saber que já temos pelo menos duas dezenas de vidas declaradamente opositoras do que acompanhamos na Província do Grande ABC. Gente que já não suporta bandalheiras, favoritismos, roubalheiras, compadrios, protecionismos e tantas outras deformações movidas principalmente por interesses econômicos.
Estamos escandalosamente a nocaute desde que o Fórum da Cidadania deixou a hipocrisia de apartidarismo e virou uma casa da sogra de fisiologismos até extinguir-se como fonte inspiradora de renovação de costumes. A orfandade da Província do Grande ABC é latente, para satisfação dos delinquentes da cena política, social e econômica. Jamais em toda a história da região houve tão poucos usufruindo de tanto e tantos tão calados, aquiescendo aos abusos.
Uma luta árdua
Ponho fé nesse movimento de gente que não costuma aparecer na mídia e que certamente encontrará muitas dificuldades para comunicar pretensões ao distinto público, porque os objetivos batem de frente com a ordem instalada, essa suruba de traquinices que, por mais que a mídia tente esconder, sempre acaba aparecendo nas manchetes. Tudo por força das contradições de interesses cruzados a se chocarem em determinado ponto do horizonte.
Não há como esticar indefinidamente o elástico da transgressão ramo da comunicação porque em algum ponto o rompimento mesmo que sutil, mesmo que involuntário, mesmo que autocondenatório, acabará aparecendo.
A dinâmica social no sentido mais amplo da expressão não é uma ciência exata cujos fraudadores de expectativas, sonhos e iniciativas tenham o poder supremo de manipular indefinidamente. Haverá sempre o dia de acerto de contas. Se o movimento que está surgindo conseguir encurtar o tempo entre as malandragens e as denúncias, se conseguir transformar denúncias em punições, já terá valido a pena.
Não me peçam para adiantar muita coisa sobre o encontro no anfiteatro da Câmara Municipal de Santo André porque ainda estou a digerir aquelas falas todas de gente de diversas atividades, de gente inconformada, de gente que aposta na ruptura do modus operandi de fazer política no País.
Brasília amanhã
O que sei e que não pretendo esconder é que, independentemente do quadro nacional, vivemos dramas locais que precisam ser interrompidos num processo de legitimidade institucional que encontrará muitas barreiras. Principalmente daqueles que querem manter tudo do jeito que está porque navegam em águas plácidas e são fortemente beneficiados pelo estado de penumbra punitiva de uma região periférica obscurecida pela mais pujante capital sul-americana.
Aqui a fertilidade de tramoias é um caso especial para estudos sociológicos. Dá-se algo como um processo semelhante e menos nobre do que costumamos replicar em termos de moda, de cinema e de cultura, na importação de comportamentos do Primeiro Mundo. A Província do Grande ABC das trevas midiáticas é o Fim do Mundo que antecipa com anos de antecedência o que Brasília finge que apura para deleite ingênuo da grande mídia. Fossem os profissionais de comunicação menos centrados nas metrópoles, ou menos descomprometidos com os prevaricadores, Brasília não seria o campo minado de ética, de moralidade e de eficiência administrativa que é. Brasília é hoje a Província do Grande ABC de ontem e não será diferente no futuro. A diferença é que Brasília, por mais permissiva que seja, ainda pode se orgulhar da apuração do mensalão. Aqui o escândalo do Semasa, do Residencial Ventura, da Cidade Pirelli, do Marco Zero, do Barão de Mauá e de tantos outros, têm o formato e a utilidade das serpentinas carnavalescas.
Meus familiares andam tão assustados com a penca de malandros que mandam recados me cobrando silêncio que, logo após receber o telefonema na manhã de sábado para participar do encontro de 24 horas depois, me bombardearam de indagações sobre detalhes daquela conversa que não durou mais que três minutos. Exatamente por entender que não estou a salvo de algum atentado – recentemente fiz uma denúncia publica sobre isso – sou provavelmente o principal interessado na formulação e na composição desse movimento suprapartidário. Talvez não exista melhor maneira de compartilhar o ônus de ser alvo dos intolerantes. Garante a Lei de Probabilidades que um alvo de vários meliantes é algo mais fácil de ser atingido do que pelo menos 20 alvos dos mesmos meliantes.
Portanto, caros amigos e amigas de nova viagem institucional, não demorem para, cheio o tanque individual de responsabilidade social, executarem manobras senão radicais pelo menos dignas de quem pretende fazer do circuito de recuperação regional uma experiência inesquecível.
A propósito desse tema, que encaminho à editoria de “regionalidade”, como poderia também encaminhar à editoria de “sociedade”, sugiro aos leitores mais interessados que pesquisem justamente nessas duas pastas o quanto já inserimos de material jornalístico sobre a inquietação com o que antigamente se chamava Grande ABC. Abaixo, preparei o encaminhamento a um texto que sintetizaria a sociedade regional, na qual esse movimento que se inicia está inserido com desafios constantes de resistência à asfixia, cooptação e extinção.
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