Regionalidade

Cadê a Câmara Regional prometida
por Luiz Marinho? É melhor sentar

DANIEL LIMA - 22/04/2013

Sim, é melhor sentar, porque manter-se de pé significaria cansaço e tanto. Há quatro anos o prefeito Luiz Marinho comandou o seminário “ABC do Diálogo e do Desenvolvimento”. Uma marca pomposa impressa em revista para propagar as propostas debatidas e aprovadas. Numa espécie de editorial, a publicação exaltava aqueles dois dias de encontro considerado histórico. Afinal, naqueles 11 e 12 de março de 2009, diante de mais de mil convidados, o seminário colocou lado a lado 31 representantes de trabalhadores, de empresários e dos governos municipais, estadual e federal. Sabem o resultado após 48 meses? Uma grande decepção. Quase nada que dependia da Província do Grande ABC virou realidade.


 


É por essas e outras que quando desembarca em minha mesa alguma correspondência eletrônica de leitores que me consideram pessimista (a maioria acha que sou otimista demais) a primeira reação é de dedilhar uma resposta não muito educada, mas como aprendi a exercitar a paciência em muitas situações, prefiro dar tempo ao tempo e estabelecer interlocução menos estressante. Até porque, não é todo leitor que conhece suficientemente a Província do Grande ABC para separar um texto sério de um texto sob encomenda.


 


Não imaginam muitos leitores a frustração deste jornalista quando se defronta com exemplos fluviais de inutilidades, improdutividades, enganações, procrastinações e tantos outros vícios institucionais da Província do Grande ABC. O exercício diário de uma profissão que abracei há décadas me tornou ácido porque essa é minha defesa automática ante notícias de que a regionalidade prometida por Luiz Marinho, chefe de governo da Província do Grande ABC, não passou até agora de balela.


 


Luiz Marinho está para Celso Daniel assim como este jornalista está para a habilidade futebolística de Messi. Sem exagero algum. Luiz Marinho é sim chefe de governo da Província do Grande ABC, assim como Celso Daniel o foi durante os seis anos de segundo e terceiro mandatos à frente da Prefeitura de Santo André – em condições muito menos favoráveis. 


 


Luiz Marinho, agora presidente do Clube dos Prefeitos, não entende após tanto tempo de mandato que não se deve brincar de regionalidade. Aquele seminário tão festivamente divulgado é um atentado à paciência regional. É tratar a todos como basbaques, como idiotas.


 


Ler, como li no final de semana, aquela revista comemorativa, é sadomasoquismo regional puro. Praticamente nada do que ali está impresso tem as marcas da realização, mesmo um fiapo de realização. Querem exemplos?  No capítulo “Mercados e potencialidades da região”, foram aprovadas as seguintes ações institucionais:


 


1. Retomada do replanejamento regional estratégico do ABC por meio da Câmara Regional.


 


De zero a 10, nota zero, porque a Câmara Regional, que funcionou mal e porcamente em meados dos anos 1990, segue morta e enterrada.


 


2. Transformar o Consórcio Intermunicipal em Consórcio Público.


 


A iniciativa, antiguíssima como a inoperância dessa instância que chamo de Clube dos Prefeitos, é apenas a formalização de uma operação debilitada entre outros motivos porque regionalidade é uma balela. O problema do Clube dos Prefeitos, e o tempo está provando, não é de ordem burocrática, legal, mas de organização, planejamento e pragmatismo.


 


3. Avançar na relação entre Consórcio e Câmara Regional, envolvendo esferas executivas e legislativas municipais, estadual e federal.


 


Ora, se a Câmara Regional segue na lista de obituários institucionais e o Clube de Prefeitos raramente deixou a condição de candidato em potencial à sepultura, o que se pode esperar?


 


4. O Consórcio Intermunicipal deverá assumir a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) para o ABC.


 


Também sem efeito prático. Segue o Dieese, instância sindical, a cuidar do assunto. Até porque, não tem sentido o Clube de Prefeitos se meter nessa seara de técnicos especializados, exceto em forma de terceirização dos trabalhos com demandas específicas no bojo de ações estratégicas amplas.


 


O capítulo “Meio Ambiente e Espaço Urbano” também é uma soma de descaso e desconsideração. Vejam:


 


1. Aprovar lei específica sobre meio ambiente de utilização dos mananciais para permitir utilização de parte dessas áreas.


 


O texto está assim mesmo, sem acabamento. Dá para entender alguma coisa? Talvez esteja aí, escondida, a louca pretensão de Luiz Marinho de levar o anunciado aeroporto internacional para São Bernardo, uma aberração que virou possível pista de pouso, mesmo assim impraticável.


 


2. Aprovação de Lei Específica da Billings.


 


Caímos, nesse ponto, no mesmo vício da formalização sem a correspondente ação prática. A Billings segue degradada, maltratada e invadida.


 


3. Repensar a centralidade do ABC e fazer projetos urbanos considerando as potencialidades do setor terciário avançado.


 


Há mais de uma década e meia Celso Daniel formulou essa proposta com todo o cuidado, porque somos apenas o que restou do terciário da Capital, sem agregado de valor. Não se tem notícia de alguém que colocou a mão nessa cumbuca de reordenação econômica da região. Até porque, como tudo passaria pela Câmara Regional, e a Câmara Regional segue como ficção, nada se fez, evidentemente.


 


4. Constituição de condomínios empresariais em áreas não utilizadas.


 


Nada foi feito que tenha algum significado que aponte a nova direção da economia regional. Trata-se do requentamento de um prato antigo, quando Celso Daniel vivo estava.


 


5. Reutilizar áreas de antigos galpões industriais desativados, por exemplo, como galpões de logística.


 


Sabe-se por leitura que o único condomínio empresarial de que se tem notícia como instalado na região pertence a Milton Bigucci, em Diadema. Nada, absolutamente nada, se encontra em qualquer registro sobre alguma ação institucional das autoridades da região.


 


Com um pouco mais de paciência dos leitores, listo os tópicos do capítulo “Acesso aos mercados regional, nacional e internacional”.  Acompanhem:


 


1. Preservar o potencial industrial do ABC.


 


Mais genérico e subjetivo que isso, impossível.


 


2. Desenvolver o mercado interno regional e nacional.


 


A resposta é a mesma do item anterior.


 


3. Articular a relação entre empresas instaladas dentro do ABC como, por exemplo, as de embalagens plásticas com a de cosméticos.


 


Uma redundância sem tamanho que, mesmo assim, não foi levada a cabo. Se os próprios empresários não se virarem para encontrar o mais próximo possível eventuais fornecedores, não serão as administrações públicas e seus planos maravilhosos que o farão.


 


4. Desenvolver política regional específica para empresas exportadoras e importadoras com apoio para acesso ao mercado internacional. 


 


Pura fantasia.


 


5. Apoio descentralizado às empresas nos municípios da região por meio da Agência de Desenvolvimento e do Consórcio Intermunicipal.


 


Com muita boa vontade pode-se dizer que a Agência promoveu algumas ações sem que os resultados possam ser interpretados como massa de resolutividade abrangente e profunda.


 


6. Criar base de dados compartilhada sobre mercado regional, municipal e potencialidade.


 


As prefeituras mal dão conta dos próprios números internos, quando mais externos.


 


7. Potencializar o mercado para transformados plásticos a partir da especialização regional em componentes técnicos.


 


Tudo não passou de nova camada de ilusionismo.


 


8. Criar lei de incentivo municipal para empresas que investem em esportes.


 


Ganha um doce de batata doce quem tenha alguma informação concreta a respeito e, principalmente, que se tenha dado transparência pública a eventuais ações pontuais.


 


9. Incentivar o comércio popular.


 


Será que alguém consegue decifrar o significado disso?


 


10. Garantir índice de nacionalização de peças e componentes.


 


Uma ação sindical que acabou implantada num projeto à instalação de novas montadoras.


 


Para completar (prometo que não vou mais torturar os leitores) listo as ações anunciadas há quatro anos no capítulo “Universidades, inovação e Polo Tecnológico”:


 


1. Consolidar e institucionalizar o polo tecnológico já existente na região com o envolvimento de universidades, empresas, ensino técnico e trabalhadores qualificados.


 


Delírio puro, porque não temos polo tecnológico algum e muito menos houve até agora qualquer coalizão de forças educacionais, empresariais e de trabalhadores.


 


2. Criar o Parque Tecnológico do ABC.


 


Nada feito.


 


3. Integrar as universidades e suas extensões universitárias (incubadoras de cooperativas populares, corredor cultural interuniversitário etc.) ao processo de desenvolvimento da região.


 


O distanciamento segue no mesmo ritmo de sempre, o que agrava o quadro porque quem cultiva a paralisia está condenado a ficar para trás.


 


4. Aproveitar a possibilidade da Lei 11.488 (de cooperativas e micro e pequenas empresas) e do Proninc (Programa Nacional de Incubagem de Cooperativas), articulado com as universidades.


 


Apenas teoria dos formuladores do projeto.


 


5. Criar interação entre empresas e setor do conhecimento (universidades, centros de pesquisa e inovação etc.) como o Cestec inspirado no Meccano da Itália, envolvendo FEI, Mauá, Senais, UFABC etc. Aproveitar a lei de inovação (pesquisador com bolsa atuando dentro das empresas).


 


Algumas raras ações confirmam a regra de distanciamento entre universidades e empresas.


 


6. Criar o observatório de tecnologias.


 


Tudo indica que foi para o espaço.


 


7. Atrair empresas de alta tecnologia a partir das universidades instaladas no ABC. 


 


Delírio total, porque as universidades não estão nada preocupadas com a Província do Grande ABC, exceto na extração de parte do potencial de consumo para pagamento de mensalidades, e a Província do Grande ABC não está nada preocupada com as universidades locais, exceto em tê-las como endereço mais cômodo para a obtenção de diplomas de seus herdeiros.


 


A integralidade do “ABC do Diálogo e do Desenvolvimento” não passou de um encontro que lustrou o ego de convidados de todos os matizes políticos, empresariais, sindicais e sociais.  A “Carta do ABC” que consta da revista comemorativa daquele evento foi premonitória em alguns parágrafos que reproduzo em seguida:


 


 Todos os consensos resultados das discussões realizadas nos grupos de trabalho ou mesmo outros tópicos que merecem um período mais prolongado de debate comporão material de trabalho para a reinstalação imediata da Câmara Regional do Grande ABC, que será o fórum de articulação para a consolidação e implementação das propostas anexas a essa carta. Uma vez restabelecida a Câmara Regional do Grande ABC, cabe aos atores da região cumprir seu papel histórico de romper os atuais paradigmas que tem posto à margem do desenvolvimento alguns setores econômicos, trabalhadores e empresas da região.


 


Ou seja, a Câmara Regional estava para a efetivação daquele amontado de propostas, na maioria dos casos formuladas há quase uma década em meia, assim como a bola à disputa de um grande jogo de futebol. No caso, Luiz Marinho, o chefe político da Província do Grande ABC, esqueceu de providenciar a bola do jogo da regionalidade.


 


Não passei por lobotomia para aquiescer aos pedidos, aos reclamos e quando não às coerções para me tornar otimista sobre o futuro da Província do Grande ABC.


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