Com quase imperceptíveis alterações contextuais e absolutamente nenhuma no conteúdo conceitual, o Teste de Cidadania Regional, como poderia ser identificado o que se apresenta neste trabalho jornalístico, foi apresentado originalmente por este jornalista na edição de fevereiro de 2004 da revista LivreMercado.
Encontrei essa pepita de provocação à regionalidade numa dessas tardes em que dedico pelo menos meia hora para vasculhar os arquivos impressos que ocupam mais da metade da área útil de meu escritório de trabalho. Não resisti à tentação de republicar o trabalho, quem sabe com ampla reformulação do conteúdo porque o dinamismo de viver em sociedade sustentaria novas configurações. Bastou ler parágrafo por parágrafo para uma constatação mais que desagradável, uma constatação consternadora: o texto de quase uma década continua atual, atualíssimo, como se a Província do Grande ABC houvesse sido congelada. Isso se o olhar não for mais exigente, porque, no fundo, no fundo, andamos para trás, em marcha à ré.
Tanto que, como antecipei, as mudanças agora introduzidas são tecnicamente quase cosméticas, embora chocantes em termos de regionalidade: saímos do estágio de um triunfalista Grande ABC como marca popular desse território para um período revelador de Província do Grande ABC. Nada mais verdadeiro e sacramentador de fatos históricos.
Quando produzi o Teste de Cidadania Regional vivíamos ainda um ambiente de certa esperança de que deixaríamos de ser uma divisão estúpida de sete municípios. Celso Daniel ainda vivia – morreria menos de um ano depois. De lá para cá, caímos na vala comum da mediocridade nacional. Mais que isso: em todos os aspectos, perdemos a corrida da modernidade interativa para outras áreas conurbadas.
Somos uma periferia da maior cidade sul-americana e nos conformamos em viver à sombra dessa grandiosidade. É o tal de Complexo de Gata Borralheira sobre qual tanto já escrevi.
Minha sugestão aos leitores é que, após lerem atentamente essa agenda em favor da regionalidade, façam uma avaliação pessoal profunda e apliquem para valer o teste sugerido. Vou seguir minhas próprias provocações para reavaliar como anda meu direcionamento àquele que deveria ser o principal mantra de quem vive entre quase 2,8 milhões de habitantes desta geografia, ou seja, sair do casulo de individualidade e projetar-se não só rumo a um coletivismo multiplicador de soluções como também a um extrapolar de fronteiras locais, abandonando-se o autarquismo municipalista que eterniza nossas desvantagens competitivas.
Vamos então ao Teste?
Qual é o grau de sua cidadania regional? Para medir até que ponto você está efetivamente engajado na luta pela valorização da Província do Grande ABC como território em busca de integração e de identidade própria, resolvemos preparar um teste. Cada resposta positiva vale 10 pontos.
Quem alcançar 170 pontos, o máximo possível já que são 17 enunciados, pode ser reverenciado como suprassumo de cidadão regional. Por isso requer atribuição especial: que seja um dos monitores da importância de se debater a Província do Grande ABC unificada institucionalmente.
Quem flutuar entre 140 e 160 pontos também merece aplausos, porque chegou à beira da perfeição. Sua responsabilidade será semelhante à dos vencedores da seletiva tropa de irretocáveis: formar novas cabeças regionais.
Entre 100 e 130 pontos, parabéns. Você está pavimentando uma estrada de compromisso regional que não pode ser desprezada. Sua missão é dupla: chegar a 170 pontos e formar novos quadros de cidadãos regionais.
Quem somar entre 50 e 90 pontos não deve ser execrado e reduzido à insignificância regional, mas também precisa compreender que está precisando de umas aulas de Província do Grande ABC para contribuir de forma mais efetiva com as transformações que se fazem necessárias.
Aqueles que alcançarem menos de 50 pontos requerem cuidados especiais porque a Província do Grande ABC provavelmente não lhes passe de uma nulidade territorial, no sentido múltiplo da expressão.
Sugerimos que responda aos enunciados sem se deixar enganar. Não existe meio termo como não existe meia gravidez: ou você responde sim à proposição marcando um xis sobre cada número que identifica o enunciado ou o demarca com um círculo ou um quadradinho, ou outra opção qualquer, como prova de que não atendeu ao requisito.
01 -- Participa efetivamente como dirigente, voluntário ou contribuinte de pelo menos uma entidade assistencial.
Numa sociedade em que desenvolvimento econômico e exclusão social ganharam trajetórias conflitivas, o grau de marginalização será proporcionalmente menos humilhante na medida em que parcelas cada vez mais significativas se juntarem no preenchimento dos vácuos assistenciais deixados pela imprevidência do Estado em suas várias dimensões.
Acreditar que o Estado brasileiro dará conta do recado das desigualdades sociais, embora arrecade 37% de tudo que é produzido, é posição cômoda que lembra Pilatos. À parte todos os mecanismos constitucionais que devem ser mobilizados para tornar os governos federal, estaduais e municipais mais competentes na administração do caudal de pobreza e miséria do País, somente a ação solidária da comunidade poderá fazer a diferença nesse jogo em que os perdedores são sempre os mesmos.
02 -- Participa sistematicamente como consumidor de informações de espaços reservados a leitores e colaboradores de publicações locais.
O modelo de jornalismo do País reflete entre outros aspectos a docilidade com que largas camadas da comunidade se entregam à posição de observadoras silentes e consumidoras conformadas de informação. A pressão que a democracia da informação pode exercer na transformação dos acontecimentos está plugada ao fluxo de participação de leitores, ouvintes e telespectadores.
O grau de interação entre leitores, ouvintes e telespectadores é pecaminosamente pífio. A população da Província do Grande ABC não é diferente da Nação brasileira. Há insuportável tendência à omissão quando os assuntos são mais compromissados com mudanças. E há irritante inclinação à farra participativa na medida em que o assunto é acessório.
03 -- Veste a camisa de um dos times profissionais da região e comparece a pelo menos 50% dos jogos em casa.
Não vale para efeito de prova de paixão regional desfilar durante a semana com a camisa de qualquer um dos grandes clubes brasileiros e, apenas para descargo de consciência, retirar do fundo da gaveta a camisa do time regional. Tampouco vale dizer que Santo André, São Bernardo e São Caetano, os dois principais clubes da região, são o segundo time do coração. Isso é desculpa esfarrapada.
Somente quem frequenta para valer os estádios locais onde os times da Província do Grande ABC mandam seus jogos é capaz de entender o significado do gesto desdobrador da irmandade esportiva. Os encontros domingueiros nos estádios, geralmente semana sim, semana não, só são ocasionais para quem não tem compromisso com o Município em que reside. Para aqueles que torcem juntos ou próximos, a solidariedade da paixão pelas mesmas cores ultrapassa barreiras sociais, culturais e mesmo étnicas, sedimentando novos relacionamentos fora do ambiente esportivo.
O entendimento de que o futebol simboliza espécie de emoção vazia é equívoco de análise sociológica, perpetrado por quem provavelmente tem dificuldade de entender o próprio formato arredondado da bola. Futebol é importante amálgama social que extrapola limites de um estádio lotado ou não.
04 -- Frequenta estabelecimentos comerciais, de entretenimento e de serviços instalados na região sempre que há igualdade na relação custo-benefício comparada com a Capital.
Já se foi o tempo em que a Província do Grande ABC era província comercial e de serviços. Está certo que há atividades imbatíveis da vizinha Capital, como o circuito de museus e teatros, mas, grosso modo, não se pode mais desprezar o roteiro gastronômico, as alternativas de lazer e entretenimento e mesmo os points comerciais de uma região que nos últimos 20 anos foi simplesmente invadida pelas principais logomarcas e grifes.
Exceto os endinheiradíssimos que têm na Capital a fartura do encadeamento do máximo do máximo para saciar desejos consumistas, a Província do Grande ABC não pode mais ser vista como patinho feio por consumidores que sabem que dinheiro é algo tão precariamente esgotável a cada 30 dias que o melhor é saber fazer as contas e escolher bem o cardápio de opções.
Quem subestima vantagens comparativas e competitivas disponíveis aos consumidores é ruim da cabeça ou tem os bolsos forradíssimos.
05 -- Interessa-se para valer pelas questões macrorregionais, inclusive como interlocutor de ações.
Com a mídia de massa -- não disponível na região -- jorrando informações diariamente, não é tarefa confortável manter-se ligado à Província do Grande ABC. A reportagem especial que a TV mostra tendo como palco a fome na África provoca mais comoção que a miséria que mora na favela ao lado em forma de exclusão social. Incrustado na Região Metropolitana de São Paulo, a Província do Grande ABC é um conglomerado de sete municípios e 2,3 milhões de habitantes que extratifica sem retoques o universo de contrastes de um País onde apenas 10% da população detêm 49% das riquezas.
Catequisar a Província do Grande ABC para sua própria realidade de aumento expressivo de marginalização social é um dos maiores desafios dos poucos soldados que protagonizam o jogo macrorregional. Embora sobre matéria-prima de desencanto e preocupação, cujo recrudescimento se observa nos índices de criminalidade ascendentemente inquietantes, a impressão que se tem é que cada agrupamento familiar da região se observa isoladamente. Isso, apesar de integrarem imenso laboratório de transformações a que o conjunto da sociedade regional foi submetido pelos rescaldos da globalização econômica e financeira que atingiu em cheio o setor mais competitivo do mundo -- a indústria automobilística.
06 -- Vota preferencialmente nos candidatos da região depois de rigoroso estudo de propostas e também de desempenho histórico dos concorrentes, separando fatos de idiossincrasias que, como se sabe, são férteis na atividade política.
Embora se corra o risco de construir o pântano do xenofobismo eleitoral onde a proposta não é outra senão a planície da valorização da arena regional, a opção preferencial pelos candidatos da Província do Grande ABC é uma das condições que desafiam o grau de maturidade de quem se dispõe a ir às urnas eletrônicas.
A distritalização do voto é uma realidade extraconstitucional destilada pelos interesses específicos de impedir que forasteiros se lambuzem nas urnas e deem bananas aos eleitores locais. Entretanto, da mesma forma que o voto regionalizado não tem impedido, também, que candidatos extraterritoriais somem aqui e acolá sufrágios que asseguram uma espécie de voto distrital misto, o despreparo do eleitorado continua a lubrificar biografias de políticos sem lastro.
Exatamente por isso, o conceito de voto regionalizado precisa estar acompanhado do quesito qualidade, que passa pela aferição permanente dos eleitores antes, durante e depois de cada eleição.
07-- Mobiliza parceiros contra representantes de organizações sociais, econômicas, políticas ou culturais que não desempenham funções a contento.
Um dos graves erros da sociedade regional -- e de resto da sociedade brasileira -- é o endeusamento de dirigentes corporativos. Rescaldo do período colonial, a mania nacional de babar diante de autoridades ou supostas autoridades públicas e classistas entorpece o senso crítico. Raramente se observam reações contrárias ao status quo das entidades institucionais.
Pior que isso: a inoperância de grande parcela dessas instituições geralmente é sacralizada pela mídia, num processo de perpetuidade cuja explicação está no comodismo de ouvir dirigentes que nada têm a dizer, mas fingem que dizem ou dizem o trivial. É um festival de faz-de-contas que atende aos interesses de ocasião, ou de sempre.
Uma completa reavaliação dessas organizações se faz premente se forem considerados novos paradigmas. Nesse ponto, a mídia tem responsabilidade relevante. Romper as relações compulsoriamente condescendentes com magnatas corporativos, cobrando-lhes medidas inovadoras, estimularia os associados a observar os movimentos de forma igualmente inconformada e, portanto, sempre objetivo de reparos construtivistas.
08 -- Exerce posição flexivelmente crítica em relação ao poder público, atribuindo ao governante valor de desempenho fundamentado no conceito de contribuinte, sem contaminação partidária.
A ideia de que Poder Público é intrinsecamente alvo de pancadaria e que, portanto, qualquer tentativa em contrário merece desaprovação imediata é tão maniqueísta quanto as tentativas de divinizar os administradores públicos.
Num País que só recentemente resolveu colocar freios nos ímpetos nem sempre altruístas dos administradores públicos, como é o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal, convém prestar o máximo de atenção ao desempenho dos executivos e legisladores públicos. Nem tudo que reluz bom-mocismo é ouro de compromisso social, da mesma forma que nem tudo que é associado à desfaçatez e abuso de fato tem essência negativa.
Um exemplo prático: não se pode julgar uma administração pública pelo estardalhaço que se faz com hipotético aumento de até 300% no valor do IPTU. Basta ir a fundo ao exemplo para verificar que o reajuste foi aplicado sobre uma base ínfima e ao longo do tempo privilegiada pelo descuido fiscalizador do Poder Público. Reajustes muito menos ostensivos, mas sobre bases anteriormente já atualizadas, são muito mais distorcivos.
09 -- Identifica sem maiores complicações agentes que efetivamente vestem a camisa da regionalidade e aqueles que usam dissimuladamente os pressupostos de integração regional para voos exclusivamente pessoais.
Essa é uma emboscada que poucos, de fato, conseguem superar. Há espalhada pela Província do Grande ABC uma imensa manada de lobos municipalistas vestidos de cordeiros regionalistas. Depois da morte do prefeito Celso Daniel, de fato o principal articulador de políticas públicas regionais, não faltaram candidatos a seu espólio. Entretanto, na maioria dos casos, o que se deu foram ações de canastrões que, exatamente por serem canastrões, não conseguiram sustentar a máscara de um municipalismo tão atávico quanto enrustido.
A identificação de agentes econômicos, políticos, sociais e culturais realmente comprometidos com as causas regionais é algo tão semelhantemente enigmático como os primeiros exercícios de montagem de um brinquedinho que fez muito sucesso internacional -- o tubo mágico.
A garantia de que não se está identificando personagens fraudadores de expectativas só é possível ao se conhecer os protagonistas de perto. Lupa neles. E muito cuidado e atenção porque os fraudadores também têm sua porção camaleã. São tão estonteantes quanto os dribles de Mané Garrincha. Ou, para os mais jovens, do atrevido Robinho.
10 -- Interessa-se efetivamente por programas públicos desenvolvidos em municípios e regiões distintas da Província do Grande ABC como referência estratégica para aplicação local.
Essa é uma prova essencialmente de humildade, o que não é exatamente o forte do morador da Província do Grande ABC quando se trata de olhar para o Interior paulista. Em termos de integração regional, a Província do Grande ABC saiu à frente de todos, como um piloto que, garantida a pole-position, tratou de manter os competidores lá atrás, comendo poeira.
O problema da Província do Grande ABC é que o tanque da gasolina do entusiasmo coletivo começou a vazar, o acelerador de cooperação técnica emperrou e o capacete de segurança do avanço sobre as questões estratégias perdeu o viço com a tempestade de interesses localizados. Sem falar que os pneus da velocidade de mudanças foram sacudidos pelas curvas da vulnerabilidade macroeconômica.
Resultado dessa corrida maluca? Enquanto se debate na tentativa de reagrupar-se, sem conseguir esconder os hematomas provocados pelo choque contra o guard-rail da divisão político-administrativa, os preceitos teóricos de integração da Província do Grande ABC servem de inspiração a municípios e regiões paulistas menos próximos e menos conurbados, mas muito mais estratégicos na sabedoria popular segundo a qual, para todos ganharem, é decisivo que todos remem no mesmo sentido.
11 -- Acompanha atentamente o desempenho do vereador, do deputado estadual, do deputado federal, do senador e do presidente da República que receberam seu voto de forma suficiente para, nas eleições seguintes, repetir ou não a escolha.
O eleitor brasileiro -- e o eleitor da Província do Grande ABC não é diferente -- sofre de amnésia eleitoral. Não se lembra no dia seguinte em quem apostou as fichas nas urnas eletrônicas. Quanto menos importante o cargo na escala eleitoral, mais a probabilidade de o esquecimento manifestar-se de forma definitiva. Sem direito à recuperação.
Ora, se é esse o padrão de comportamento de quem vota, o que esperar do monitoramento dos candidatos escolhidos? Quando a atividade política for entendida pelos eleitores como compromisso que não começa nem se esgota ao dirigir-se ao endereço das urnas no primeiro domingo de outubro, é possível que os Legislativos e os Executivos sejam diferentes.
Fogem desse espectro de falta de responsabilidade político-eleitoral e se situam num patamar ainda mais devastador os eleitores que trocam seus votos por favores cobrados preferencialmente no período pré-eleições. São pequenas benesses pronunciadamente latentes na esfera municipal e, por isso mesmo, imantadoras de uma fidelidade e de uma memória eleitorais de cabresto. A isso também se dá o nome de democracia no dicionário desatualizado de relações entre o poder e a comunidade.
12 -- Procura atividade comunitária interclasses, deixando de lado o isolamento de quem simplesmente não exerce qualquer função corporativa ou, em exercendo, torna-a exclusivista.
É baixíssimo o grau de associativismo comunitário. Há resmungos generalizados, mas invariavelmente do mesmo perfil: é melhor ficar em casa, acompanhar os capítulos das telenovelas, ou jogar uma partidinha de bilhar no boteco mais próximo, do que meter-se a exercer a cidadania.
Mesmo quem vence o obstáculo do isolamento e consegue compreender um lance acima o jogo da representatividade acaba enclausurado nos guetos corporativos de entidades sociais, econômicas, culturais e políticas que se limitam, regra geral, a suas próprias fronteiras estatutárias. Sim, o contraponto do isolamento como cidadão é o cidadão corporativo, no pior sentido do termo, no sentido de que só consegue observar o mundo pela ótica do buraco da fechadura dos próprios interesses de seus iguais.
Bem antes de tornar-se presidente da República, Lula da Silva fez mea-culpa sobre os tempos de sindicalista em São Bernardo, desativando o corporativismo dos metalúrgicos como modelo de gestão. Com isso, antecipou o perfil do exercício do cargo máximo do País.
13 -- Orienta os jovens sobre a importância dos valores locais num mundo que dissolve culturas ao sabor da globalização.
A regionalização da Província do Grande ABC, se um dia de fato for alcançada, é obra para as próximas gerações, já que as atuais, mais que as anteriores, é verdade, perderam a batalha. Por isso, os jovens são elementos cruciais. Onde quer que estejam -- nos lares, nas lanchonetes, nos cybers-café, nos shoppings -- eles precisam ser estimulados a compreender a importância de viverem num território abalroado culturalmente tanto pela vizinha e pujante Capital como pelos meios de comunicação -- Internet incluída -- que rompem os atávicos conceitos de nações.
Se cada adulto mais entronizado nos preceitos de uma Província do Grande ABC em busca de uniformidade estratégica se der ao trabalho de sensibilizar as novas gerações, é possível que se retirem os sete municípios da submissão atual de quase penumbra paulistana. .
Talvez sirva como simbologia da tarefa de fortalecimento da identidade regional que compete a cada morador adulto da Província do Grande ABC a parábola do incêndio na floresta: ao ser indagado porque insistia em voar em direção ao rio e sobrevoar o fogaréu despejando a gota dágua que carregava no bico, o pássaro simplesmente respondeu que estava fazendo a sua parte. .
Como se vê, um gesto mais nobre, construtivo e instigante do que o conformismo bigbrotherano do "faz parte" de um candidato vencedor. Que exemplo prefere o morador adulto da Província do Grande ABC?
14 -- Nem resvala para o triunfalismo propagandístico de quem acha que é possível melhorar o cenário através de prestidigitação verbal nem descamba para uma ofensiva derrotista incapaz de oferecer o contraponto de propostas viáveis.
Nem o oito do tudo-bem só porque seus interesses particulares estão em jogo ou porque sua vida vai de vento em popa nem o 80 de considerar a derrota inexorável. O ponto de equilíbrio entre o fundamentalismo cor-de-rosa e o canibalismo catastrofista é o desafio que se impõe a quem pretenda o papel de interlocutor da realidade da Província do Grande ABC.
O que mais se verificou nos últimos anos na região foi uma maratona camicase para ver quem mais mentia sobre o quadro socioeconômico. Agentes públicos e privados, principalmente, se deram ao desvelo de surrupiar informações, manipular dados e omitirem-se desavergonhadamente em nome de uma esquisitice interpretativa: é destilando suposto positivismo que se obtém soluções para os problemas.
É claro que esse conceito é arrematada bobagem. A perna manca foi exposta com a constatação de que se deu exatamente no período mais feericamente comemorado de suposta integração regional -- entre 1995 e 2002 -- o tombo mais dramático da economia regional. Nada menos que 33% do poder de geração de riqueza industrial foram destruídos nos oito anos em que a Província do Grande ABC se manteve de pileque institucional forjadamente manipulador.
Se tivesse seguido um dos mandamentos sagrados de Michael Porter, maior especialista internacional em regionalidade, a história da Província do Grande ABC provavelmente teria sido outra no período do governo Fernando Henrique Cardoso. E o que diz Michael Porter? Que uma sociedade só consegue reagir e assumir seu papel de cidadania, de capital social, quando é levada à tensão.
O relaxamento quase anestésico a que foi submetido a Província do Grande ABC é uma das raízes do quadro atual de dificuldades.
15 -- Coloca interesses próprios subordinados ao conjunto de ações efetivas para dar nova dimensão à integração regional.
Essa é uma das maiores provas de regionalidade a qualquer custo, mas poucos estão decididamente interessados em atender suas exigências. A Província do Grande ABC foi dividida em sete partes desiguais e historicamente antagônicas, com rescaldos de rivalidade própria dos estádios de futebol.
Como mudar essa situação se a movimentação de peças do tabuleiro de integração provoca perdas e ganhos de difícil mensuração? A visão dos articuladores da regionalidade da Província do Grande ABC está diretamente vinculada ao contexto em que atuam. O presidente do Consórcio de Prefeitos entrega-se para valer à função e sabe que seus pares não se empenharão tanto. Obedece-se a rodízio de comando para dar roupagem democrática ao organismo, mas o refluxo operacional dos demais dirigentes e assessores recrutados para dar suporte é automático e sincronizado com a chegada de novo grupo de atuação.
Se o exemplo de empenho e de retração vem do alto das autoridades públicas e se as organizações privadas, culturais e sociais ocupantes de outras instâncias pretensamente regionais como a Agência de Desenvolvimento Econômico, a Câmara Regional e o Fórum da Cidadania se fazem representar minguadamente, o que esperar do cidadão comum?
16 -- Procura identificar, acompanhar e analisar o desempenho dos principais agentes públicos e privados da região, independentemente de qualquer interesse eleitoral.
Para que essa missão seja executada a contento é preciso dispor de tempo e de uma rede de informações. A mídia é boa fonte, mas, com os vícios de cobertura que geralmente apresenta, não deve ser a única fonte. Por mais que se pesquise e por mais que se vasculhe, é sempre interessante manter um pé atrás, porque a ossatura sociológica conservadoramente corporativista que envolve a sociedade pode levar a interpretações contaminadas.
Entretanto, por mais complicações que possam existir, para um bom farejador da sociedade é sempre possível encontrar indícios e provas que consagrem heróis e vilões que nem sempre são os mesmos encontrados nos ambientes das entidades de classe, nos corredores do poder, nas páginas de jornal.
Separar fuxicos de fatos é uma das recomendações para quem não quer ser colhido no contrapé da ingenuidade. Os formadores de opinião e os tomadores de decisões, casta que talvez não ultrapasse a duas mil almas na região, são uma fauna excepcionalmente mutante. Geralmente, caminha na direção dos ventos. Idoneidades são sumariamente varridas do mapa ao menor sinal de tempestade. Tropeços nos negócios nestes tempos de dificuldades geram um misto de consternação -- que se confunde com solidariedade de quem também está na corda bamba -- e satisfação, dos eternos injuriadores.
17 -- Volta-se persistentemente ao temário regional de desenvolvimento econômico sustentável, matriz de enraizamento das medidas de geração de riqueza e redução da exclusão social.
A prioridade que os agentes públicos têm dado ao uso de esparadrapos sociais em vez de cirurgias econômicas é um viés que se sustenta em pressupostos socialistas, origem da maioria dos dirigentes públicos que recentemente dirigiram ou estão no comando das prefeituras locais. Longe de ser uma condenação tácita aos prefeitos e secretários municipais, a crítica contra o prevalecimento do social sobre o econômico é de cunho pragmático: os orçamentos municipais estão cada vez mais fragilizados pelas perdas da potencialidade industrial, enquanto medidas de cunho assistencial nas áreas de saúde, educação, transporte, moradia, habitação e saneamento básico, entre outras, avolumam-se ao sabor da demografia adensada pelo transbordamento da Capital.
É histórica a contradição da Província do Grande ABC, forjado pela iniciativa privada das montadoras e autopeças, principalmente, enquanto administradores públicos limitaram-se a gestões de atendimento às demandas sociais. O esfacelamento de parte da riqueza industrial da região nos anos 90, com desemprego em massa, fortaleceu a veia do empreendedorismo, com abertura de milhares de pequenos negócios. Esses mesmos negócios, entretanto, foram lançados às feras mais graduadas do mercado por falta de planejamento público para reestruturação produtiva.
Por isso, não tem objetividade estratégica o predomínio do social sobre o econômico quando se sabe que são faces de uma só moeda -- a moeda do desenvolvimento econômico sustentável.
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