É impossível amenizar as angústias provocadas pela deficiente mobilidade urbana, de trânsito, sem atingir um direto no queixo das manipulações combinadas entre administradores públicos e grandes empreendedores imobiliários. O Diário do Grande ABC vem escondendo essa verdade numa série pouco consistente de matérias sobre os congestionamentos insanos, mas como o Diário do Grande ABC não consegue cercar todos os novilhos em campo aberto, a verdade sempre aparece. E apareceu ontem numa reunião técnica no Clube dos Prefeitos da Província do Grande ABC.
O presidente da ANTP (Associação Nacional dos Transportes Públicos), Aílton Brasiliense, desempenhou papel de autêntico trapalhão no encontro de ontem do Clube dos Prefeitos, durante o Fórum Paulista de Secretários e Dirigentes de Transportes e Trânsito.
A matéria publicada na edição de hoje do Diário do Grande ABC não dá conta da presença de qualquer um dos prefeitos dos sete municípios da Província do Grande ABC. Há informações que os colocam fora daquele encontro, eminentemente técnico. É uma pena, porque eles têm muito a aprender em matéria de mobilidade urbana. Ao contrário do que imaginam, ou que sugerem imaginar, não existe saída para a perda de tempo recorrente no trânsito se não houver um choque no uso e ocupação do solo, como tenho escrito aqui faz tempo. Os veículos são apenas uma das partes – importante, claro – do problema.
Aílton Brasiliense, o especialista no assunto, fez o papel de trapalhão porque disse que é preciso haver planejamento do uso e ocupação do solo para que se coloque ordem no galinheiro de interesses muitas vezes escusos que estão na origem dos recorrentes congestionamentos. “Se o Poder Público deixar esse crescimento solto, pode adensar uma região que não devia, que não tinha infraestrutura para suportar isso” – disse o presidente da ANTP. Se conhecesse a realidade ocupacional da região ele poderia mencionar vários exemplos. Os principais corredores viários, filé mignon dos negócios, são explorados à exaustão, entupindo as ruas e avenidas.
Planos viciadíssimos
Com todo o respeito à coordenadora do Grupo de Trabalho de Mobilidade do Clube dos Prefeitos, Andrea Brisida, o que ela disse e que está retratado no final da matéria do Diário do Grande ABC (“Segundo Andrea, a concepção do plano regional levou em consideração a elaboração e a vigência dos planos diretores das cidades”) é uma sequência de palavras que transmitem a ideia de que os pleitos do especialista convidado a colocar ordem na casa da mobilidade viária teriam sido seguido à risca nos municípios desta Província. Bobagem pura.
Todos os planos diretores foram gestados com fortíssima inclinação à defesa dos lobbies do mercado imobiliário. Foram ações coordenadas para agredir a paciência da população que se utiliza de veículos de transporte particulares ou coletivos, sem qualquer preocupação com os prejuízos à qualidade de vida que as medidas causariam. O Plano Diretor de Santo André, por exemplo, foi aprovado na Administração Aidan Ravin numa calada de noite de final de ano. Uma despudorada rasteira na cidadania, com participação efetiva dos lobos do mercado imobiliário -- todos representados direta e indiretamente nas medidas aprovadas.
Fosse a reportagem do Diário do Grande ABC mais intensa em informações sobre o histórico do conferencista Aílton Brasiliense, poderia ter até reproduzido algumas declarações enfáticas do especialista sobre a barafunda da vizinha e contaminadora cidade de São Paulo. Em setembro do ano passado, uma matéria publicada no site Carta Maior sobre a gravidade do sistema viário na Capital do Estado, o dirigente foi enfático: “Tudo está acontecendo conforme foi planejado. Planejado para ter acidente e congestionamento. Esta simpática cidade tinha, em 1900, 200 mil habitantes. Em 1950, 2,5 milhões. O que aconteceu nos últimos 50 anos? Inchou. Não teve Plano Diretor nem nada”.
A sequência daquela matéria de Carta Maior é emblemática:
Segundo ele, pressionada pelo mercado imobiliário, a cidade se expandiu sem levar em conta os problemas de deslocamento que esse crescimento causaria. “O objetivo do BNH (Banco Nacional de Habitação), por exemplo, era erguer o máximo possível de edificações, pouco importando o local onde seriam feitas. O BNH não estava preocupado com a questão urbana”.
Para quem acha que persigo o mercado imobiliário, porque há sempre bobalhões a ver fantasmas, por mais que fundamente minhas intervenções, sigo com a matéria da Carta Maior. Acompanhem:
O engenheiro Lucio Gregori, secretário municipal de Transportes na gestão de Luiza Erundina (1989-1992), acrescenta que a capital paulista foi preparada para ter sua mobilidade baseada no transporte individual motorizado. Ele cita o Plano de Avenidas proposto nos anos 1930 pelo urbanista Prestes Maia, que anos mais tarde seria prefeito. “Além disso, após 1960 as políticas centradas nos interesses da indústria automobilística se intensificaram no Brasil, priorizando viadutos e avenidas e eliminando meios de transportes elétricos sobre trilhos, como os bondes. Essa longa história, associada à ocupação imobiliária ilógica e irracional, gerou um volume de tráfego insustentável. Como o automóvel é insaciável em matéria de espaço urbano, quando congestiona, oferta-se mais via, há uma melhora aparente, mais gente passa a utilizar o carro, e congestiona de novo”, explica. “Não é um problema técnico. De certo modo estamos assistindo ao resultado de uma política prolongada, O privilegiado é o usuário de carro. Quem é o desfavorecido? O usuário de transporte coletivo, que é deficiente, caro, desconfortável. Essa pessoa mora longe, não tem opções noturnas de lazer. Isso tudo é política, não é técnica”, completa.
A reportagem publicada na edição de hoje do Diário do Grande ABC também aborda declarações de Aílton Brasiliense sobre soluções para a crise de mobilidade urbana. Ele já falara sobre o assunto naquela reportagem da Carta Maior, da qual extraio alguns parágrafos mais completos que os enunciados do Diário do Grande ABC:
Para Brasiliense, as soluções para São Paulo sair da crise de mobilidade em que vivemos passam por uma reestruturação da cidade do ponto de vista urbano e econômico. “São Paulo tem 70 quilômetros de trilhos de metrôs e 130 quilômetros de trilhos de trem. Ao longo dos trilhos, é preciso colocar moradia, serviços e comércios. Puxar para o corredor de trilho gente e negócios, para fazer que as viagens sejam mais curtas”, propõe. Além disso, ele alertar que as políticas devem ser pensadas no contexto metropolitano, já que o deslocamento de pessoas entre as cidades da Grande São Paulo é bastante intenso.
O Plano de Mobilidade Urbana preparado pelo Clube dos Prefeitos presidido pelo petista Luiz Marinho é apenas o somatório pouco produtivo de projetos municipais que, a toque de caixa, fundiram-se numa espécie de maçaroca para apressar o trâmite à obtenção de recursos financeiros do governo federal. Melhor que a pasmaceira histórica, é verdade, mas longe de apresentar-se como a salvação da lavoura, até porque não há salvação da lavoura para o caos metropolitano, no qual a Província do Grande ABC estará doloridamente inserida. É mais que improvável, é certamente improvável que os administradores públicos cortariam a linha de transmissão de financiamentos eleitorais legais e espúrios da indústria de construção civil. Ou seja: a mobilidade urbana seguirá subordinada a interesses particulares, com disfarces de bom-mocismo dos generosos prefeitos de plantão.
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