Temo anúncios de grandes projetos e grandes obras no Grande ABC. Sempre que ouço alguém propagar um grande projeto para qualquer um dos municípios da região, recuo dois passos, tomo fôlego, suspiro e procuro não perder a calma. Tenho urticária nessas ocasiões porque já assisti a muitos filmes semelhantes, de divulgação de projetos que jamais se confirmaram e de anúncios de inauguração de investimentos que nem de longe serviram para resolver os problemas da região -- quando não os agravaram.
É claro que nem sempre os propagadores de projetos e os desatadores de fitas de inauguração têm responsabilidade pelo fato de induzirem à acomodação aquilo que nem de longe pode ser considerado capital social na região.
O fato é que quando se divulga acriticamente uma Cidade Pirelli, uma Cidade Tognato, um Polo Tecnológico da Cerâmica, um Centro de Convenções, essas coisas maravilhosas a que fomos acostumados a acreditar, o que se pratica, de fato, é o jogo da dissimulação dos problemas regionais.
Quem não se lembra da chegada dos shoppings no Grande ABC, alguns dos quais já falidos ou vegetando? Era um festival de triunfalismo barato. E do desembarque de supermercados e hipermercados? Foram empreendimentos autofágicos para uma economia cujos figurantes que perderam o emprego industrial procuravam se ajeitar no comércio e nos serviços. O que esses infelizes encontraram? A concorrência de gente graúda, capacitada ao jogo da sedução do consumidor. Pronta, inclusive, para acumular prejuízos por algum tempo até conquistar o distinto público em definitivo.
Os ufanistas têm a mania de querer engrandecer tudo sem se darem conta de que há regra na economia que é tão simples quanto verdadeira: se o PIB (a produção de riquezas) não cresce, o bolo de consumo fatalmente será dividido por mais empreendedores que se lançarem no mercado. No caso específico do Grande ABC, o que tivemos foi a perda bruta de 34% do PIB industrial em sete anos -- entre a posse e o penúltimo ano do governo FHC -- e foi exatamente nesse período que mais ofertas de empreendimentos comerciais e de serviços de grande e médio porte ganharam raízes na região. Não é preciso relatório minucioso para explicar o que aconteceu, certo?
Por isso, insisto em chamar a atenção dos formadores de opinião e dos tomadores de decisão: quando ouvirem quem quer que seja desfilar grandiloquência ao retratar um grande empreendimento que poderia aportar na região, ou mesmo um megaprojeto de infra-estrutura, fiquem atentos. Não é possível produzir milagre na economia. Ou crescemos, mesmo independentes do Brasil, ou dançamos mais ainda.
Como crescer à parte do que ocorrerá no Brasil? Da mesma forma que afundamos enquanto o Brasil, bem ou mal, apresentou 2,6% de crescimento médio do PIB nos anos FHC. Uma porcaria de crescimento, como se sabe, mas muito melhor que o mergulho que demos.
Resolvi escrever sobre esse assunto neste domingo à noite, no escritório domiciliar que mantenho, para dar vazão à associação da fome de alinhavar ideias com a vontade de comer de esticar minha jornada de trabalho às exigências da empresa a que sirvo.
Escrevo pensando nas breves exposições que marcaram o encontro de sexta-feira na Câmara Municipal de Santo André, quando se debateu o Comtur (Conselho Municipal de Turismo de Santo André).
Entreguei pessoalmente documento de 23 mil caracteres com série de sugestões, cuja cópia será enviada hoje aos emeiados deste Capital Social Online. Estou feliz por ter cumprido minha obrigação. Da mesma forma que, a partir de agora, não tenho o que fazer senão acompanhar os fatos derivados dos trabalhos e, eventualmente, participar de debates como jornalista.
A proposta que apresentei não menciona uma única vez alguns importantes tótens turísticos do Grande ABC, casos da Represa Billings, de Paranapiacaba e de tantos outros. Foi proposital. O que proponho é tratamento de choque de qualidade de marketing nos setores de comércio e de serviços para que, primeiro, Santo André e Grande ABC extraiam todo o potencial de cultura de negócios de turismo que detêm e sem o qual será muito difícil seduzir visitantes em escala industrial.
Como disse naquele encontro, não somos uma Atenas, uma Paris, uma Nova York. Somos periferia de uma Capital asfixiante no turismo de negócios, contra a qual temos de descobrir e aprofundar negócios de turismo.
Confesso que temo que uma grande obra escureça ainda mais a vista já turva dos triunfalistas. Medo semelhante, em intensidade, às dores de cabeça que sinto por ter sido alergizado durante três horas no Legislativo. Utilizaram produtos químicos de limpeza em excesso. Só faltou, para completar a desgraça, terem pintado o plenário.
Do jeito que vou indo talvez tenha de viver numa bolha. Com um computador ligadíssimo na Internet, é claro.
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