Regionalidade

Falta muito para Província deixar
Demoníaca Trindade no passado

DANIEL LIMA - 05/07/2013

Quem se meter a tentar desvendar mistérios que cercam a Província do Grande ABC não pode deixar de colocar como alvo principal o que chamaria de Demoníaca Trindade. Corporativismo, autarquismo e academicismo são elementos-chave à perpetuação da penumbra institucional quando, por força do passado de glórias das atividades econômicas, e por um presente que ainda guarda muito daquelas conquistas, a região poderia oferecer um cenário diferente. E cenário diferente seria de protagonismo nas relações com o governo do Estado e o governo federal sem a sazonalidade de contar com lideranças políticas e assessores diretos que passaram por aqui.


 


Este breve artigo é apenas uma forma que escolhi para reavivar a memória dos que conhecem a Província do Grande ABC o suficiente para não se esquecerem que qualquer tentativa de embromação dos ocupantes de cargos públicos e de agentes econômicos e sociais não pode passar de tentativas frustradas. E também é escrito aos não iniciados em Província do Grande ABC, que mal sabem detectar o tamanho das patas do elefante de ilusionismo que vira e mexe aparece na fita.


 


Corporativismo atávico


 


O corporativismo da Demoníaca Trindade não se resume ao sindicalismo historicamente admirador do próprio umbigo. A qualificação cabe todos os ramos da sociedade. De clubes de serviços a entidades de classe empresarial e social. O jogo jogado por essas instituições é um jogo diferente, porque a bola que poderia ser compartilhada por todos dentro de um ideário democrático evolucionista é uma bola multiplicada a ponto de cada organização dispor de posse individual. E quando se tem posse individual, sem qualquer característica de interação, de competitividade progressiva, a tendência à acomodação e ao compadrio é compulsória. A Província do Grande ABC divide-se em imensos campos de futebol institucionais que não se cruzam e que mantêm encenação permanente de autobajulação introspectiva e espetacularização pública. Um desenho que se distancia do verdadeiro significado de sociedade, a qual pressupõe choques e entrechoques de civilidade até encontrar um eixo sobre o qual girariam pontos de convergência que se traduzem em desafios a superar.


 


Academicismo fechado


 


O academicismo da Demoníaca Trindade é o distanciamento insensível e deletério daqueles que poderiam merecer alguma adjetivação que os colocassem como agentes de transformações conceituais a estimular práticas objetivas. As escolas de Ensino Superior da Província do Grande ABC sempre se apresentaram arredias ou pouco interessadas em participar do jogo coletivo da sociedade. Há acusações veladas de que os acadêmicos se sentem superiores, que o lustro intelectual os remeteria a um patamar de soberba e, portanto, resistente aos demais agentes da comunidade. Não haveria química que os relacionasse a uma ação em sociedade. Os poucos acadêmicos da Província do Grande ABC que rompem o muro separatista e decidem participar de alguma forma da formulação de propostas e ideias acabam abduzidos pelos poderes econômicos e políticos que os doutrinam a produzir informações e estudos conciliatórios com o contexto politicamente correto. A emenda contributiva, portanto, torna-se pior que o soneto isolacionista, porque induz a erros de diagnósticos, quando não tentam desqualificar trabalhos de terceiros.


 


Autarquismo desperdiçador


 


O autarquismo da Demoníaca Trindade é resultado da maior bobagem histórica da Província do Grande ABC, ainda hoje reverenciada como conquistas espetaculares. Trata-se dos desmembramentos dos mais de 840 quilômetros quadrados em sete municípios, a partir dos anos 1940. Quem parte e reparte e não fica com a maior parte, é bobo ou não entende da arte. No caso da Província do Grande ABC, não se deveria nem partir, quanto mais repartir. As demandas separatistas, quando avaliadas nestes tempos em que os ganhos sistêmicos fazem a diferença, apresentam-se como tropeço institucional monumental. Festejam-se os autonomistas como heróis. Provavelmente um e outro tinham o espírito revolucionário e inconformista de buscar o melhor para as respectivas comunidades afastadas do centro do poder político, mas a multiplicação administrativa da Província do Grande ABC é um convite à dispersão de recursos, à sobreposição funcional, ao encarecimento da gestão pública e, principalmente, ao congelamento institucional. Tanto que regionalidade é produto escasso na praça. Em todas as esferas públicas, privadas e sociais exercita-se o individualismo corporativo sobreposto pelo municipalismo empedernido. Fosse a Província do Grande ABC mantida unificada, a massa crítica de demandas e de resoluções seria extraordinariamente maior.


 


Ramificações frondosas


 


Há ramificações frondosas que ajudam a explicar por que a Província do Grande ABC não escapa das armadilhas em que se meteu ao longo das décadas, mas a base está na Demoníaca Trindade. Goste-se ou não da constatação, são vetores que precisam ser minimizados para que se encontre o encaixe a novos tempos. O desenvolvimento econômico, a cidadania e a valorização político-institucional da Província do Grande ABC dependem do equilíbrio reativo frente à destrutividade da Demoníaca Trindade.


 


Entretanto, o bom senso indica que não se deve alimentar ilusões. Os acadêmicos vão continuar enclausurados e, pior, distantes dos problemas da região, porque à maioria esse território tem baixo valor. O corporativismo que não é exclusividade regional, solidifica-se num processo de afastamento do mundo real da sociedade porque na maioria dos casos está atrelado aos interesses do grupo de poder político dos respectivos municípios, com o agravante de que a parcela sindicalista que emergiu com o Partido dos Trabalhadores acrescentou novos condimentos à ocupação de espaços públicos e lubrificou ainda mais as engrenagens de exclusivismos. Já o autarquismo municipalista veio para ficar eternamente como sete tatuagens que delimitam o território regional com suas respectivas personalidades culturais, sociais e econômicas.


 


A Demoníaca Trindade da Província do Grande ABC é um assunto-tabu para as forças políticas, econômicas e sociais que prevalecem no cotidiano porque a situação posta contempla vantagens a uma minoria que disputa o espaço público em variáveis múltiplas tendo a certeza de que a derrota de hoje pode embalar a vitória de amanhã. Afinal, são grupelhos que concorrem ao mesmo filão e as leis de probabilidades garantem que quanto menos a competir por determinado cetro, mais são as possibilidades de alcançar o objetivo em algum momento da história. A Província do Grande ABC troca de mandachuvas políticos apenas aparentemente, porque são poucos que se distanciam das benesses públicas após as derrotas.


 


O jogo democrático da Província do Grande ABC é de cartas marcadas. Com sete alternativas territoriais à disposição, há sempre uma escapatória de realocação compensatória de peças sem que se altere para valer a dinâmica do jogo. Nem o PT que insinuou caminho diferenciado foge à regra de acertos, já que para viabilizar-se nas urnas, mesmo nas urnas de São Bernardo, recorre ao princípio do toma-lá-dá-cá sem cerimônia, refletido na coalização de partidos.


 


Algumas leituras complementares:


 


Como sacudir sociedade do breque de mão puxado?


 


Já imaginaram a região com uma única entidade empresarial?


 


Regionalidade sem ônus de municipalismo


 


Grande ABC escaleno


 


Como escapar dos sete pecados capitais?


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