O São Caetano desta temporada promete redescobrir o passado para reerguer-se na hierarquia do futebol paulista e brasileiro. O Santo André desta temporada busca aos trancos e barrancos confirmar o histórico de surpreender quando tudo parece perdido. E o São Bernardo desta temporada luta ferozmente contra um passado de renitente vocação a estremecimento diante de holofotes mais luminosos.
Eis o que chamaria de resumo da ópera das perspectivas do futebol da região neste 2014. Sem oferecer a contrapartida de que estaria convicto desses enunciados, porque futebol, como se sabe, principalmente futebol de dinheiro curto, ou de dinheiro contado, quando a concorrência é maior, não é uma ciência minimamente exata.
Rebaixado duplamente na temporada passada, vindo que veio de uma quase classificação em dezembro de 2012 à Série A do Campeonato Brasileiro, o São Caetano parte para uma renovação do elenco sem cometer loucuras. O processo de reestruturação do grupo está a pleno vapor com racionalidade que o profissionalismo recomenda. Tanto os títulos quanto os tropeços não têm o condão de exprimir linearidade de competências e incompetências. O Fluminense, entre outros, é exemplo disso: de campeão a potencial rebaixado não se passaram mais de 12 meses. A diferença é apenas de volume de transformações: os times perdedores geralmente estão mais sujeitos a mudanças, mas não a todo tipo de mudanças.
Num futebol em que as equipes médias são cada vez mais semelhantes entre si, assim como as grandes, dois ou três jogadores costumam fazer a diferença. Quem troca time inteiro recomeça um trabalho coletivo nem sempre profícuo.
A contratação de meia dúzia de jovens reforços praticamente desconhecidos remete o Azulão aos primórdios da organização que culminou, na primeira década dos anos 2000, no encadeamento dos maiores feitos que uma agremiação de porte médio poderia desejar. Uma enxurrada de bons resultados e de participação em finais de competição nacional e até internacional, caso do vice da Taça Libertadores, tornou o São Caetano referência de eficiência.
Piloto automático
Disputar como vai disputar este ano a Série B do Campeonato Paulista e a Série C do Campeonato Brasileiro significa ao São Caetano um quase recomeço depois de mais de uma década entre as principais equipes do futebol brasileiro. Entenda-se quase recomeço no sentido objetivo da expressão, ou seja, uma grande oportunidade para readquirir o controle da própria estrutura vitoriosa no passado e que se esvaiu aos poucos por conta de certo enfado, do piloto automático de que bastaria um acertozinho aqui, outra ajeitada ali, para que tudo se resolvesse. A queda dupla mostrou que é preciso monitorar constantemente a engrenagem interna para que a concorrência sempre atenta não promova ultrapassagens.
A fadiga do material do São Caetano nas últimas temporadas, que pareceu superada quando chegou próximo à classificação entre os quatro melhores na Série B do Brasileiro de 2012, foi uma caçapa cantada e também natural, portanto. O desvio de rota de trocar jogadores cuidadosamente selecionados em equipes mais modestas, que norteou a robustez do começo dos anos 2000, preferindo-se gente mais rodada, mais disputada pelos empresários de futebol, e, em muitos casos, sem a ambição dos mais jovens, culminou no enfraquecimento da equipe de forma contínua. Agora a reviravolta parece estar se armando.
Calendário restritivo
Se o São Caetano parece estabilizar-se após duas quedas e sugere a retomada de uma caminhada gloriosa, o Santo André se apresenta como vítima de sistemático desencadear de insucessos. A virtual Sexta Divisão no futebol brasileiro, desalojado que foi da grade nacional das quatro primeiras séries e de cair para a Série B do Campeonato Paulista, mergulhou o Ramalhão no pior dos mundos. A equipe simplesmente perdeu o que é mais precioso num futebol brasileiro de calendário elitista, contra o qual o Bom Senso Futebol Clube promete mudanças: não disporá nesta temporada, nem na próxima, na melhor das hipóteses, de dois semestres relativamente apropriados a manter-se como chamariz de marketing e também de depositário de experiências em campo.
Os transtornos provocados pelos cinco anos de privatização do Saged foram muito maiores do que os mais pessimistas imaginavam. Nem a Prefeitura colaborou, porque o prefeito Aidan Ravin mandou demolir o setor de numeradas que simbolizava a própria tradição da equipe. Espera-se que, com o apoio do prefeito Carlos Grana, que providencia a construção de uma arquibancada onde restaram escombros, o Santo André reimprima a marca de, nos piores momentos, montar equipes que, como num passe de mágica, saem ganhando a torto e a direito. Foram tantas vezes assim. Inclusive na maior conquista de sua história, a Copa Brasil de 2004.
Escolha de Sofia?
Já no São Bernardo Futebol Clube, único representante da região na Séria A do Campeonato Paulista, a expectativa dos dirigentes é que saia do encalacramento da desequilibradíssima divisão em grupos das equipes, que o torna figurante entre Santos, Portuguesa, Paulista e Portuguesa, e corra em direção a uma das vagas à Série D do Campeonato Brasileiro.
Sem chegar ao circuito nacional o São Bernardo seguirá a ratear como expressão de potencial encantamento porque lhe faltará calendário anual a mobilizar a torcida sempre surpreendente em numerosidade, embora menos empolgante em fanatismo, e a lubrificar as generosas engrenagens de um marketing que tem na Prefeitura petista a peça mais relevante.
Vive o São Bernardo na fronteira entre o céu motivador da Série D do Campeonato Brasileiro e o inferno da preocupação de não voltar à Série B do Campeonato Paulista. Nas duas únicas temporadas em que frequentou a Série A, acabou rebaixado na primeira e safou-se de nova queda na última rodada da segunda. A dificuldade em entrar numa disputa como a da Série A do Campeonato Paulista sem saber exatamente que bilhete escolher, se de passagem prioritária pelo corredor polonês à Série D do Brasileiro ou pelo labirinto que pode conduzir de volta à Série B do Paulista, é o desafio maior da equipe.
Fosse uma escolha de Sofia, tudo estaria resolvido, porque, certamente, se descartariam os cuidados com o rebaixamento. Mas quem disse que a Série A Paulista é algo para se contabilizar como carta fora do baralho de preocupações com os últimos lugares, principalmente nesta temporada em que apenas 15 rodadas definirão a grade dos oito classificados aos mata-matas e os quatro novos integrantes da Série B?
Como se observa, o futebol da região vive nesta temporada sobre um tripé de conjecturas formadas pelo aprendizado de um passado que pode se tornar novo futuro, pela mística de que tudo vai dar certo porque não faltam histórias para confirmar a premissa otimista e pela necessidade de exorcizar um dilema em que o risco gera efeitos inibidores ao potencial de sucesso.
Total de 985 matérias | Página 1
05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André