Já que o Diário do Grande ABC anunciou que vai promover evento seletivíssimo tendo como atração o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que falará sobre desenvolvimento econômico e social regional, faço uma sugestão debochada: com a experiência de quem acompanhou atentamente o desempenho do tucano durante oito anos à frente do governo federal, nada melhor que lhe entregar o Troféu Médico e Monstro.
A notícia publicada na edição de ontem do jornal possivelmente foi redigida por algum assessor do ex-presidente. Se acham que estou exagerando, acompanhem os principais parágrafos:
É possível projetar e discutir o futuro do desenvolvimento social, político e econômico dos sete municípios da região? A resposta será apresentada no dia 17 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que vem a Santo André para realizar palestra. Sociólogo, professor e pesquisador de temas como mudanças sociais, desenvolvimento e democracia, FHC detém larga experiência e conhecimento para desenhar cenários e perspectivas para o Grande ABC. Ele desdobrará os assuntos da palestra O futuro do desenvolvimento nos municípios e a importância do Grande ABC neste cenário, às 11h30 na Estação Jardim.
Nada contra o texto, desde que integrasse uma peça publicitária, porque peça publicitária aceita tudo. Provavelmente não fosse diferente o enunciado propagandístico se os mesmos interesses que cercam a vinda de Fernando Henrique Cardoso incorporassem o setor sindical. Provavelmente teríamos um almoço de confraternização (ou alguém acredita, sinceramente, que o tom deixará de ser festivo, gataborralheiresco?) se algum cutista que contribuiu profundamente para o esvaziamento econômico da região contasse com retaguarda de marketing semelhante a de Fernando Henrique Cardoso.
Fosse a palestra de Fernando Henrique Cardoso coisa séria, comprometidíssima de fato com o passado, o presente e o futuro desta Província que ele, com uma administração desastrada do ponto de vista de regionalidade, ajudou a destruir, me candidataria a preparar a peça promocional do evento.
“Venha ver de perto o que tem a dizer o Médico do Brasil e o Monstro da Província”. Seria mais ou menos nestes termos que anunciaria a ação de palestraste do ex-presidente que ousou acabar com a farra da inflação com o Plano Real de 1994 mas que, quando se trata de Província do Grande ABC, foi um dos principais agentes de liquidação das pequenas e médias indústrias com sua política de privilégio às grandes montadoras, e também ao incentivar como poucos a guerra fiscal.
Dados catastróficos
Não vou ficar a repetir os estragos produzidos nos dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso na Província do Grande ABC e que se equivalem aos estragos dos sindicalistas mais empedernidos em períodos anteriores, quando se juntaram a outros vetores como o encalacramento logístico da Região Metropolitana de São Paulo para promover o arrebentamento de produção de riqueza. Somente durante os anos FHC a Província perdeu um terço do PIB (Produto Interno Bruto) e mais de 80 mil empregos industriais com carteira assinada.
FHC reabilitou em parte o monopólio de destruição que se atribui incorretamente aos sindicalistas, estes com uma parcela significativa sim de peso nas desventuras econômicas da região mas não necessariamente os únicos protagonistas das lambanças que as estatísticas e a realidade das ruas eliminam qualquer ilação subjetiva. Tanto que ainda ontem publiquei novo texto sobre a temperatura anual do emprego industrial com carteira assinada na Província. A constatação, desde a implantação do Plano Real, é que Fernando Henrique Cardoso deixou um buraco médio anual de quebra de mais de 10 mil postos de trabalho, enquanto os petistas Lula da Silva e Dilma Rousseff apresentam em média crescimento de mais de cinco mil novos trabalhadores no setor.
Não tenho o menor interesse de acompanhar a palestra de Fernando Henrique Cardoso. Reconheço que seria, apesar de tudo que se desenha de contradição, de suspeição, um programa culturalmente interessante. Fernando Henrique Cardoso é um intelectual abundantemente inteligente, perspicaz, inebriante. Ainda outro dia acompanhei sua participação no programa Manhattan Connection. Ele deu um show de visão política, mesmo se reconhecendo que jamais deixa de puxar a brasa para sua sardinha ideológica, da qual me aproximo em inúmeros pontos de vista.
Almoço com Herodes
Ir a um evento gataborralheiresco e politicamente correto que tratará Fernando Henrique Cardoso como popstar, porque, caso contrário, ele não teria motivo algum para comparecer, é demais para meu senso de responsabilidade. Que estejam lá os curiosos de sempre, os adoradores de sempre, os acomodados de sempre, os céticos calados de sempre, os inconformados silentes de sempre.
Essa fauna representa qualquer sociedade. Mas não tenho razão alguma para me calar ante sandices que certamente serão pronunciadas por um homem preparadíssimo do ponto de vista acadêmico e político mas que não tem um legado de regionalidade, pelo menos de regionalidade que contemple a Província do Grande ABC, a merecer qualquer credibilidade.
Uma palestra de Fernando Henrique Cardoso que alinhave conselhos à regionalidade da Província do Grande ABC tem, para mim, a mesma credibilidade de Herodes sobre a importância do desvelo humano ao desenvolvimento cognitivo de crianças.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!