Esportes

São Bernardo não pode esquecer
que é uma equipe de operários

DANIEL LIMA - 27/01/2014

A vitória sobre o Corinthians sábado à noite no Pacaembu por 1 a 0 e a manutenção de 100% de aproveitamento na Série A do Campeonato Paulista devem mesmo ser comemoradas pelo São Bernardo, mas não custa tomar certos cuidados. A crônica esportiva paulistana subdividida em clubismos mascarados costuma tratar os pequenos times circunstancialmente vitoriosos com exageros que valem mais pelo que carrega de ranço contra o time grande a espicaçar do que necessariamente por virtudes superlativas do visitante.


 


Isto quer dizer o seguinte: o São Bernardo está longe de ser um time grande, mesmo sendo um clube pequeno, e por isso deve observar atentamente a tabela do campeonato. Ganhar de um time grande é estatisticamente uma aberração, principalmente nestes tempos em que o dinheiro pesa cada vez mais na formação das equipes. O São Bernardo ganhou porque aperfeiçoou as virtudes dos dois primeiros jogos e as deficiências foram minimizadas. Fora isso, quem achar que estamos diante um novo fenômeno no futebol paulista, cairá do cavalo. Por mais que o nível da Série A rasteje neste começo de temporada.


 


Depois do São Caetano que tanto sucesso fez na primeira metade dos anos 2000 tanto no futebol paulista como no futebol brasileiro, foi o Santo André de 2010, vice-campeão paulista ante um Santos dos emergentes Neymar e Ganso, a última pequena equipe a deslumbrar a torcida no futebol estadual. Hoje a agremiação amarga a Série B do Campeonato Paulista e foi excluída do circulo do calendário nacional.


 


Santo André da arte


 


O Santo André de 2010 era uma equipe tecnicamente forte, coletivamente arrumadíssima e detentora da vocação de procurar as redes adversárias desde o primeiro apito. O São Bernardo é diametralmente oposto: é um time fortíssimo na marcação, solidário, humilde, valente, mas pratica futebol plasticamente aquém de qualquer expectativa que não seja politicamente correta. Mais que um ponto final sobre as possibilidades do São Bernardo na competição, o que se tem são reticências. Tudo pode acontecer inclusive nada acontecer.


 


A vitória sobre o Corinthians está recheadíssima de méritos, mas até prova em contrário o São Bernardo não empolgará a torcida que quer futebol de qualidade na competição. A força física prevalecerá e se não prevalecer o time não tem futuro. E o futuro não deve ser outro senão buscar uma vaga à Série D do Campeonato Brasileiro que lhe daria, mesmo que provisoriamente, um calendário nacional. Para isso, o chamado Tigre precisa terminar a fase classificatória em primeiro ou segundo lugar no grupo.


 


O São Bernardo da estreia ante o Botafogo no Estádio Primeiro de Maio e que, em seguida, venceu o XV em Piracicaba até chegar ao Pacaembu e surpreender um Corinthians em evidente fase de reformulação tática, com os riscos que isso implica, é uma equipe em evolução principalmente defensiva. Embora uma ou outra escapada em contragolpe fosse tratada como rotineira pela crônica paulistana que se excede em adjetivos, o São Bernardo viveu ofensivamente de precariedades. Nada mais natural pela limitação técnica dos jogadores e principalmente pelo começo de temporada de arrumações.


 


Ajustes ao equilíbrio


 


Faltam muitos ajustes para que não exista no São Bernardo tanta diferença entre defender e atacar. O gol logo aos dois minutos numa das raras combinações ofensivas em que velocidade, colocação, precisão de passe e arremate apareceram em sequência, deu o tom ao jogo. O Corinthians, principalmente no segundo tempo, esforçou-se para dominar os espaços, mas sofreu com a força de marcação adversária e com as próprias limitações coletivas.


 


Quem se der o trabalho de observar o desenho tático do São Bernardo nos dois primeiros jogos (no acervo desta revista digital) sabe que o perfil está se delineando na competição. E está avançando: a marcação é rigorosamente equilibrada, com fechamento de espaços laterais e centrais com o empenho de todos os jogadores. Dificilmente abrem-se espaços entre o meio de campo e os zagueiros. A marcação é sempre dobrada. Os rebotes defensivos são quase sempre da equipe. Há ainda erros demais nos passes, nas saídas de bola, no excesso de inquietação na posse de bola. Quando melhorar nesses quesitos, a tendência é o conjunto ganhar mais força ainda.


 


Resta saber se a equipe terá qualidades técnicas para tanto. É improvável que tenha porque o volante Daniel Pereira não sai de frente da zaga, os volantes-meias Edson e Mariano apenas de vez em quando aparecem no ataque, embora o primeiro tenha evoluído nos dois últimos jogos. Bady é um meia de armação com talento individual, finaliza bem, mas se dobra à marcação porque não tem dinamismo típico dos meias. É mais armador, portanto. E o ataque vive de bolas espirradas e de alguma inspiração de infiltrações dos meias e dos volantes. Erick Flores, autor do gol contra o Corinthians, tem mais velocidade e talento que Careca, titular dos dois primeiros jogos. E Márcio Diogo está visivelmente fora de ritmo de jogo e de tempo de bola. Os laterais Rafael Cruz e Eduardo se completariam como apoiador (o primeiro) e marcador (o segundo), mas até agora não satisfizeram quem os imaginava mais produtivos no ataque. A dupla de zaga (Leandro Castan e Lombardi) é o ponto forte da equipe, porque joga há muito tempo junta. O goleiro Wilson Júnior é sempre um risco nas bolas alçadas na área, mas é o líder do grupo fora de campo.


 


Transpiração, o segredo


 


O segredo do São Bernardo para seguir avançando com resultados que surpreendem é jamais deixar de ter a certeza de que tudo vai depender da transpiração que cada jogador deixar em cada metro quadrado dos gramados. 


 


Depois do Santo André de 2010 e do São Caetano de 2012 que quase chegou à Série A do Campeonato Brasileiro, a região conta com a possibilidade de ter um novo time para sair da penumbra. Mas nada que seja o explodir de uma nova dinâmica de jogar futebol. O São Bernardo é um time de operários.


 


(A propósito da campanha do Santo André na Série A Paulista de 2010 e também a propósito do São Bernardo do ano passado, pinço duas matérias que produzi naqueles fevereiros. Já cantava a bola do que seria o Ramalhão e, ano passado, alertei sobre os riscos de o São Bernardo acreditar que poderia massacrar os adversários. O Santo André decidiu o título com o Santos enquanto o São Bernardo trocou de técnico e meteu-se na defesa para se salvar. Não há quem não erre prognósticos no futebol, mas quando se trata de definir estruturas táticas e alternativas a disponibilizar, o melhor mesmo é fugir do aqui e agora e projetar os próximos tempos. O São Bernardo, nesse aspecto, não sugere risco algum: por mais sucesso que faça na Série A Paulista desta temporada, mais vai precisar transpirar. A alternativa é algo que remete a parar de pedalar).


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