Esportes

Espaço e temperatura explicam
derrota do embalado São Bernardo

DANIEL LIMA - 29/01/2014

O São Bernardo perdeu na noite desta terça-feira por 1 a 0 para o Audax pela Série A do Campeonato Paulista por razões que estão longe de algo que se assemelharia a eventuais enigmas. O time sensação das primeiras rodadas da competição estadual mais importante do País não foi necessariamente surpreendido pelo antídoto do adversário, conhecido de outras batalhas. Faltaram espaço e temperatura para o São Bernardo brilhar novamente. Sem esses elementos-chave, a linha de produção do time de operários entrou em colapso.


 


O Audax jogou areia na engrenagem do Tigre, para decepção de milhares de pessoas que foram ao Estádio Primeiro de Maio. Um público que se resumiu, entretanto, a um número muito pequeno de torcedores de verdade. O quase silêncio do estádio transmitiu a sensação de que o grosso do público não está nem aí com o que acontece no gramado. Transformar público em torcedor é uma tarefa árdua às equipes situadas nas bordas de regiões metropolitanas dominadas pelos grandes clubes de massa.


 


O Audax ganhou do São Bernardo porque negou ao adversário espaço aos contragolpes, a especialidade do time de Edson Boaro, e também porque congelou a temperatura do jogo em que o mandante reunia exponencial força motivadora. Entenda-se temperatura como o ambiente que torna o time da casa mandachuva emocional do ritmo de jogo. O Audax, réplica caricatural de alguns pontos consagrados pelo Barcelona dos bons tempos, fez a bola girar de pé em pé na maioria do tempo e, com isso, manteve o São Bernardo como coadjuvante.


 


Sem a bola nos pés e sem espaços para imprimir jogadas longas, de muita força e velocidade, o São Bernardo sentiu-se castrado. Perder com um gol aos 37 minutos do segundo tempo, num chute comprido de Thiago Silvy, foi um castigo merecido. O São Bernardo do segundo tempo desapareceu sob o domínio agora menos moroso do Audax.


 


Estabelecendo limites


 


Antigo adversário do São Bernardo em competições da Série B e da Copa Paulista, o Audax sinalizou claramente os limites do time que arrancou nove pontos nos primeiros três jogos do campeonato. O São Bernardo é coletivamente forte apenas no sistema defensivo, porque tem um entrosamento e uma determinação pouco comuns entre os times pequenos. Mas quando se trata de transferir essas virtudes ao campo ofensivo, a frustração é evidente. As bolas paradas com Bady são a melhor opção, mas não representam arsenal capaz de assegurar triunfos em série.  Até porque, muito badalado, Bady não é um meia-armador incendiador do grupo. Contra o Audax ele pouco fez.


 


O viés de jogadas largas e avanços espasmódicos dos laterais e dos meio-campistas foi contraposto pelo Audax com jogadas de aproximação, muita mobilidade e consistência coletiva acima da média. Audax e São Bernardo são antípodas táticos. São maneiras diferentes de jogar futebol. Só o futuro do campeonato dirá quem terá mais sucesso. Ao Audax, pelo menos no jogo no Primeiro de Maio, faltaram intensidade e agressividade. Ao São Bernardo, nos quatro jogos disputados, faltou talento criativo. No conjunto, um time é de operários e o outro de artistas. Mesmo que artistas de segunda categoria, mas artistas.


 


A perda do segundo volante Edson, que saiu machucado aos 39 minutos, desestruturou o São Bernardo. Erick Flores passou a jogar mais recuado, partindo de trás, para a entrada do atacante Diogo Acosta. Flores é um meia-atacante inconstante, que aparece e desaparece do jogo como meteoro. Diferentemente de Edson, volante-meia intenso na marcação e mais atrevido que talentoso no ataque. Melhor jogador da equipe nos três primeiros jogos, juntamente com os dois zagueiros de área, Edson poderá complicar a situação da equipe se ficar muito tempo em tratamento.


 


Espera inútil


 


O grande erro do técnico Edson Boaro foi imaginar que levaria o Audax ao ataque descontrolado. Espaços não faltavam para o time visitante avançar, embora no primeiro tempo o São Bernardo tenha exercido várias vezes marcação bem adiantada, para tentar quebrar a sonolenta troca de passes do adversário. O São Bernardo não abria mão do monolítico sistema defensivo, pronto para dar o bote do contragolpe. Mas a determinação do técnico Fernando Diniz foi revelada numa entrevista de Francis no intervalo. O jogador, mistura de lateral, ala e zagueiro da multifuncionalidade da equipe, disse com outras palavras que o grupo estava preparado para não cair na armadilha.


 


O São Bernardo entrou em parafuso no segundo tempo ante um Audax que jamais abdicou de cuidados defensivos e que, devagar, devagar, passou a acreditar que poderia vencer o jogo, a ponto de incorporar substituições mais agressivas. Um ou outro cruzamento e uma ou outra bola parada quebravam o ritmo favorável ao adversário.


 


A vantagem da derrota do São Bernardo é que sobraram apenas alguns nichos de vaias do grande público, localizados nos núcleos perceptíveis de torcedores de fato, não simples espectadores.  Uma baita injustiça porque no mínimo deixou-se de reconhecer a superioridade de um adversário coletivamente exemplar e mais apropriado à cultura do futebol-arte brasileiro. Mesmo que, sempre guardadas as devidas proporções, pelo menos nesse jogo e diferentemente do que apresentou no empate com o Santos, quando dominou completamente o adversário, o Audax tenha sido apenas um rascunho do rascunho do esboço do Barcelona. 


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