Esportes

Como entender sucesso do Santo
André e decepção do São Caetano?

DANIEL LIMA - 25/03/2014

Talvez o melhor resumo da ópera da participação do futebol da região na Série B do Campeonato Paulista desta temporada, a quatro jogos do encerramento, é que o Santo André nem encanta nem desencanta enquanto o São Caetano só decepciona. Com um elenco mais apetrechado que o do rival, o São Caetano alcançou a proeza de estar ameaçado de rebaixamento porque passou a competição inteira numa zona cinzenta de dúvidas técnicas e táticas, enquanto o Santo André logo descobriu que precisava jogar arroz com feijão.


 


Vi mais jogos do São Caetano do que do Santo André, por isso escrevo com mais segurança sobre o primeiro do que sobre o segundo. Acredito que assisti o suficiente do Santo André para encaixar a definição de encanto e desencanto. Sobre o São Caetano não tenho dúvida alguma: a decepção é enorme porque a expectativa de retorno automático à Série A, após mais de uma década de participações, guardava uma lógica histórica.


 


O técnico Vilson Tadei chegou a um Santo André que não conseguia engrenar na competição sob a direção de Roberto Fonseca, sobretudo porque se acomodava em empates, e teve juízo suficiente para não mexer na estrutura herdada. Já no São Caetano o técnico Paulo Cezar Catanoce fez de um time moldado mas ainda reticente à valorização da posse de bola e à construção engenhosa de jogadas um grupo de guerreiros sustentados pela filosofia anacrônica de que Série B não tem lugar para um jogo menos brigado.


 


Nem Nedo Xavier nem seu sucessor alcançaram a essência da Série B. Competitividade não é a técnica em detrimento da transpiração,  como se deu no São Caetano dos primeiros jogos. Nem a transpiração em detrimento da técnica, como veio a seguir. Série B ou qualquer série confere aos vitoriosos o prêmio justo à conciliação de talento, empenho físico, sabedoria tática e enfoque permanente no espírito de competição.


 


Valem seis pontos


 


O  São Caetano que vai a campo na noite desta quarta-feira no Estádio Anacleto Campanella tem a oportunidade de praticamente definir o escape da zona de rebaixamento. Trata-se do chamado jogo de seis pontos. O Grêmio Osasco provavelmente terá a última oportunidade para respirar. Chegar a 18 pontos quando o máximo de 21 seria a tábua de salvação para permanecer na Série B é perspectiva palpável para o São Caetano, após o empate de zero a zero no final de semana com o São José, em Jacareí.


 


Já o Santo André que joga à tarde em Paulínia com um Guarani em crise mas ainda não eliminado precisa da vitória para não esperar por um milagre ainda maior do que o que se desenha para chegar à Série A do ano que vem. Mesmo um bom resultado ante o Guarani não deverá redundar no esperado ingresso no grupo dos quatro melhores da competição. Sexto colocado, o Santo André tem de torcer por derrota de dois dos quatro times que estão à frente na classificação, exceto o Capivariano, que, mesmo perdendo, não seria alcançado.


 


O São Caetano do empate de zero a zero com o São José na rodada do final de semana foi a condensação dos erros  cometidos durante a competição. O técnico Paulo Cezar Catanoce começou com um time ultradefensivo diante do lanterninha do campeonato (só Marcelo Soares de atacante), consertou parcialmente a burrada aos 30 minutos quando substituiu o volante Rodrigo Thyssen pelo centroavante Cássio (o que proporcionou o melhor período de rendimento da equipe) mas no segundo tempo desorganizou inteiramente o sistema defensivo ao trocar o zagueiro William (que formava trio com Cleiton e Gabriel) por Norton e, para coroar as bobagens, acabou com a dupla Marcelo-Cássio, substituindo o primeiro.


 


Instabilidade demais


 


O resultado é que o São Caetano jogou na lata do lixo do desperdício nada menos que cinco oportunidades de gols no primeiro tempo, passou um sufoco nos 25 minutos finais quando o técnico do São José percebeu os buracos defensivos do adversário e fez alterações que potencializaram o ataque. Somente nos minutos finais, em jogadas individuais, o São Caetano ameaçou o gol adversário, além do chute na trave em cobrança de falta de Danilo Bueno no começo da etapa final. Muito pouco contra um adversário que praticamente intimava o adversário a fazer gols.


 


Quem se dispuser a estudar o coletivo do São Caetano vai se meter numa grande enrascada. A formação aparentemente mais confiável é com três zagueiros, mas mesmo assim há reparos a fazer. Faltam um ala pela esquerda (Esley vem se revezando na função e também como segundo volante), um ponta de lança mais agudo para fazer companhia e um centroavante mais centralizado e, dependendo das circunstâncias, um segundo meia de ligação, mantendo-se apenas um volante de ofício.


 


Sem maiores aprofundamentos sobre o rendimento do São Caetano na competição, é certo que foram raros os jogos em que houve intensidade ofensiva. Nada mais natural, porque nenhum dos dois treinadores definiu o time titular adequado tanto em valores técnicos como táticos. O São Caetano não tem jogadas programadas que se definem automaticamente. Até mesmo a liberdade para Samuel Santos atacar  ostensivamente já sofre de debilidades, porque o lateral está cometendo falhas técnicas demais e poucas vezes ganha a companhia de um atacante ou de um meio-campista. Jogar com dois centroavantes pesados,  em contragolpes, é pouco resolutivo. Sem um jogador de velocidade a defesa adversária geralmente se recompõe. Danielzinho é um caso à parte: depois de voltar de longa contusão, oscilou o rendimento a ponto de ser substituído no intervalo do jogo com o São Bento, em Sorocaba, quando perdeu um gol digno do Inacreditável Futebol Clube.


 


Confiança e objetividade


 


O Santo André que vi poucas vezes jogar mas que, a título de segurança, me lançou a diagnóstico em atentas informações, é um time que sabe o que quer, mesmo o que queira e executa não seja deslumbrante. O ritmo é moroso até o ponto que interessa, sobretudo num meio de campo recheado de jogadores experientes e onde se destaca Ramalho e seus passes sempre corretos. O ataque ganhou letalidade desde que Nunes deixou de frequentar excessivamente as laterais do campo, ele com o peso da idade e de mobilidade já comprometido. Entre os zagueiros, onde faz pivô de extrema competência, tanto pode finalizar como pode preparar para quem vem de trás. É um tormento.


 


O achado do técnico Vilson Tadei, além de deslocar Renato Peixe à função que sabe executar, a lateral-esquerda, retirando-o do meio de campo, foi transformar os pequeninos e habilidoso Chico e Muller em falsos ponteiros. Os dois atacantes confundem a marcação adversária com penetrações sem bola constantes em diagonal, metendo-se entre zagueiros e  volantes, enquanto os laterais sobem para executar cruzamentos. No primeiro tempo do jogo de sábado com o Itapirense o Santo André estava atravancado demais porque os laterais demoravam a subir e quando subiam não recebiam a bola. Quando se corrigiu o posicionamento e a bola começou a chegar, o adversário entrou em pânico. O gol saiu de jogada destas características.


 


Possivelmente a melhor maneira de explicar o Santo André que chega com possibilidades de classificação à Série A é que os adversários parecem ficar hipnotizados com o ritmo malemolente da saída de bola e da movimentação coletiva. Até que são surpreendidos com estocadas rápidas, incisivas.


 


O Santo André é um time que engana o adversário e a plateia porque não tem intensidade, não marca rigidamente em todos os setores, não tem volume de jogo apreciável, mas, vejam só, também não deixa o adversário ditar o ritmo. Está longe das grandes equipes da história do clube de quase 50 anos, mas ao que parece não é preciso tanto para voltar à Série A.


 


Traduzindo: o Santo André é prova provada de que Série B também se ganha (ou pelo menos não se decepciona) tendo como base estrutural uma equipe que usa e abusa de jogadores experientes, os quais, motivados como estão agora, podem acrescentar algumas porções de ingredientes que sobram em outras equipes e, com isso, chegar ao acesso. Com um pouco mais de empenho físico, velocidade nos contragolpes e rigidez na marcação no campo de ataque, o Santo André tem tudo para chegar lá sobretudo porque tudo isso derivaria de uma base coletiva simples mas muito funcional. O oposto, portanto, do São Caetano.


 


Números explicam


 


Aliás, basta dar uma verificada rápida nos números das duas equipes após 15 rodadas para constatar a diferença. O Santo André é um time relativamente equilibrado, com seis vitórias, oito empates e apenas uma derrota, 18 gols a favor e catorze contra. O São Caetano empatou bem menos (três vezes), ganhou um pouco menos (quatro vezes) mas perdeu muito mais (oito vezes), marcando 14 gols (quatro a menos) e sofrendo 16 (dois a mais).


 


São números sem grandes discrepâncias, exceto nos registros de derrotas. Frutos de um São Caetano sempre em dúvida sobre a melhor maneira de atuar e de um Santo André que optou por um sistema simples (quatro-três-três), com dois pontas falsamente abertos. O São Caetano já experimentou todas as fórmulas possíveis e chegou ao ponto de jogar os primeiros 30 minutos de domingo em Jacareí contra o São José com uma montanha de jogadores no meio de campo e Marcelo Soares, único atacante de verdade. Não pode mesmo dar certo, quando se escolhe uma tática defensivista ante o último colocado, dono da pior defesa da competição.


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