Eis que temos um Azulhão na praça esportiva, preparando-se para disputar a Série C do Campeonato Brasileiro. Azulhão é o Azulão São Caetano com reforços do Ramalhão Santo André. A contratação do técnico Vilson Tadei e de vários jogadores que tanto sucesso fizeram na Série B do Campeonato Paulista coloca a rivalidade no banco de reservas e dá titularidade ao bom senso.
Por que bom senso poderia combinar com rivalidade se a regra geral é que a rivalidade enxote o bom senso? Porque o Santo André não tem o que fazer no segundo semestre da temporada, desde que o deixaram cair sequencialmente de divisão a divisão durante o período do Saged, e o São Caetano tem muito a fazer no mesmo período. Por exemplo: tentar voltar à Série B do Brasileiro.
Sem dinheiro suficiente para manter as peças-chaves que sustentaram a equipe até a última rodada na luta pela Série A do Paulista, o Santo André renovou contrato quase de forma simbólica com os principais valores e agora os está emprestando até o final desta temporada. O pacote entregue ao São Caetano não inclui Vilson Tadei, com liberdade para ir e vir como todo técnico. Mas os jogadores cedidos ao São Caetano e eventualmente a outras equipes têm data marcada para retornar. O Ramalhão quer chegar à Série A do Paulista na próxima temporada com controle sobre o desempenho dos jogadores que pretende escalar. O Azulão quer voltar à quase elite do Brasileiro. Daí o Azulhão ser ótima pedida.
Azulhão é um achado. Produzo os textos geralmente a partir do título escolhido, resultado de uma combinação de definição do tema e mergulho mental nos insumos. Não havia pensado em Azulhão um instante qualquer. Nem mesmo em minhas corridinhas ou pedaladas para manter o corpo vivo e a mente esperta. O título imaginado era outro e sintetizava a coalizão de interesses das duas agremiações.
Erro de digitação
Quando me sentei à frente do computador em meu escritório domiciliar nesta véspera de feriado o termo Azulhão jamais constava de minha linguagem mental, se assim posso dizer. Eis que, pronto para dedilhar as primeiras letras de um título que já nem sei qual era, surgiu “Azulhão”. Uma obra do acaso mas que, convenhamos, define bem o retrato do São Caetano para a Série C do Brasileiro. Surge-me a possibilidade de que Azulhão tenha nascido de um erro de digitação. Acho que foi isso mesmo. Fiz do limão, limonada.
Todos saem ganhando com a iniciativa de forjar o Azulhão nessa espécie de troca-troca com nova roupagem. O Ramalhão não recebe nenhuma compensação financeira do Azulão, mas o Azulhão é resultado de uma combinação de ganhos mútuos. Enquanto o Azulão se reforça e coloca num mercado mais atraente que a Copa Paulista jogadores que poderão ser potencialmente negociados no final da temporada, o Ramalhão terá no vizinho tão próximo um parceiro que deverá gerenciar os jogadores com especial carinho. A fórmula que deu certo numa equipe não pode fracassar em outra, sob pena de se imputar ao comando diretivo do dia a dia do Azulão mais que desconfiança, a certeza de que os problemas dos últimos tempos estão mais concentrados nos bastidores do que nos gramados.
O Santo André de Vilson Tadei que está sendo transplantado praticamente no que mais interessa em valores técnicos e coletivos ao São Caetano foi um time surpreendente na Série B do Paulista ao prorrogar até o último instante o que parecia impossível: assombrar o grupo de equipes que subiram de divisão.
Vilson Tadei comandou uma campanha extraordinária. Ganhou com o grupo 72,72% dos pontos disputados. Foram 11 jogos, com sete vitórias, três empates e apenas uma derrota. Conquistou relativamente mais pontos que o campeão Capivariano. Ou seja: Vilson Tadei teria levado fatalmente à equipe ao acesso se chegasse mais cedo.
Números de campeão
Com total respaldo diretivo, Vilson Tadei chegou a um Santo André que cambaleava na competição. Contabilizava apenas 45% pontos de produtividade, margem um pouco acima do nível de segurança contra o rebaixamento. Vilson Tadei fez alterações táticas fundamentais que contribuíram à consolidação do grupo. Uma das melhores maneiras de avaliar competências de um treinador é observar a capacidade de escalar individualidades em funções táticas compatíveis com as características técnicas. A maioria dos treinadores insiste em inventar.
Entre os muitos pontos em que o Ramalhão me encantou na competição está o equilíbrio emocional demonstrado no jogo decisivo com o São Caetano. O Santo André dependia de suas próprias forças e também de terceiros para subir. Jogava com um adversário tradicional e igualmente em busca de três pontos. Sofria a cada minuto com as informações do serviço de alto-falante a espicaçá-lo sobre os resultados de Mirassol, São Bento e Marília. Cada gol de uma dessas equipes era um golpe no gramado. Mas o Santo André não demonstrou fraqueza. Muito pelo contrário: foi um time organizado durante todo o tempo. E terminou o jogo com soberania.
Só desabou nos vestiários. Os dirigentes já calejados por anos de comando, casos do presidente Jairo Livolis e de Celso Luiz de Almeida, viram um elenco inteiro chorando pela decepção da combinação desastrada de resultados.
Pois é a estrutura de campo desse Ramalhão que está sendo transplantada para o Azulão. Daí o Azulhão potencializado como eventual forte concorrente ao acesso à Série B do Brasileiro. Com a possível ajuda de um antigo mas amistoso rival fora de campo, contrapondo-se a um antigo e incômodo rival dentro de campo.
O futebol da região só tem a lucrar com a aproximação diretiva das duas equipes, porque tenderia a ganhar forças comparativas e a promover grandes espetáculos dentro de campo. O Azulhão é mais que um neologismo. É uma combinação dualística de aproximação e rivalidade que poderá alimentar as fornalhas da recuperação do futebol da região. Há mais oportunidade que riscos nessa operação. Por isso, vale a pena.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André