Tenho muitas taras, duas das quais posso revelar. As outras nem pagando ingresso. Uma tara que tenho e exercito sempre é vasculhar a inteligência do mundo do futebol. Sou vidrado em esquemas táticos. Sou incapaz de assistir a um jogo sem procurar entender por que determinado time ganhou, empatou ou perdeu. Há sempre explicações consistentes, por mais que o imponderável futebol clube entre em campo. A outra tara é mergulhar nas pesquisas eleitorais. Devasso todas as fontes. Faço anotações, comparações e tudo o que o leitor imaginar.
Estamos vivendo uma temporada de Copa do Mundo e também de eleições presidenciais. Pratos cheios a infiltrações nos gramados e nas urnas eletrônicas. Mas não esperem que eu vá me deliciar com as festanças. Sempre tenho questões regionais mais importantes e prementes. Pesquisas eleitorais e jogos da Copa do Mundo não me tirarão do prumo da regionalidade. Há gente demais a escrever sobre os dois assuntos.
Sobre Copa do Mundo, então, a overdose será de rachar. Minha torcida pela Seleção Brasileira é infinitamente menor do que a torcida pelo meu time de coração. A Seleção Brasileira não me emociona por múltiplas razões, inclusive de cunho social e econômico. Talvez a última equipe nacional que me levou a vibrar foi a do tricampeonato, em 1970. Por isso, com meu time em descanso, vou tirar férias de futebol durante a Copa do Mundo. Vou assistir ao máximo de jogos que puder claro. Assistir, não torcer. Assistir e analisar, se querem saber.
Semânticas políticas
Agora, sobre a última pesquisa do Ibope para a presidência da República, me refestelei com o noticiário e com as análises dos jornais. Prefiro não entrar em detalhes, mas quando vi a primeira manchete do trabalho, no UOL, e corri os olhos sobre a matéria, detectei a bobagem que indicava leitura favorável a Dilma Rousseff, que cresceu de 37% para 40% nas intenções de voto. Os adversários diretos, Eduardo Campos e Aécio Neves, somaram 14 pontos percentuais de crescimento na espessa camada de indecisos e de insatisfeitos com o governo federal.
Os jornais do dia seguinte deram essa interpretação. É divertido ler como os candidatos avaliaram os resultados, cada um puxando a sardinha semântica para a respectiva brasa eleitoral. Somente os analistas, em espaços específicos, colocaram ordem na casa da mãe Joana de tergiversações.
Cores embaralhadas
Também li num dos jornais que consumo diariamente sobre as diferenças ditadas pelas cores do coração à definição popular do batismo preferencial do estádio do Corinthians na Zona Leste de São Paulo. Em cima do universo de pesquisados e da margem de erro estreita, a Folha de S. Paulo construiu cenários complementares. Fez um recorte por torcida para estabelecer diferenças entre representantes de Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos. Tomou o específico pelo todo sem se dar conta de que cometia barbeiragem que o tal instituto que o Diário do Grande ABC diz existir também cometeu e aqui registrei.
Uma pesquisa qualificada sobre a marca que cada grupo clubista gostaria de ver no estádio do Corinthians teria de levar em conta a proporcionalidade de preferência clubista na Capital. A Folha de S. Paulo não forneceu indicativos de que seguiu essa lógica.
Mais que isso. Sem citar o total de torcedores de cada grande equipe paulista entrevistados, restringindo-se ao conjunto, o Datafolha mensurou as inclinações de todas as torcidas sobre a denominação do estádio popularmente conhecido como Itaquerão. O Datafolha não se deu conta de que a margem de erro para o total de entrevistas é uma coisa, e que a margem de erro para um grupo mais restrito de entrevistados é outra.
Margem de erro é coração de um trabalho estatístico. Quando subvertida, adeus consistência dos resultados. Se 800 torcedores ouvidos significam dois pontos percentuais de margem de erro, supostos 150 são-paulinos formam universo inadequado para sustentar a mesma margem de erro. Teriam de ser ouvidos 800 torcedores são-paulinos.
De acordo com resultado
O mais frequente entre os comentaristas esportivos é o oportunismo descarado da análise sob a ótica pura e simples do resultado parcial e final. O que mais praticam é um caos informativo, com direito a incoerências e contradições homéricas. Comentaristas de resultado parcial ou de resultado final é comentarista fadado a quebrar a cara da credibilidade. Admiro quem trafega com embasamento contra o fluxo da mesmice e do politicamente correto.
O pessoal da TV Globo geralmente se equilibra em cima do muro em jogos de grandes clubes nacionais. Faz-se de tudo para não desagradar a audiência. Casagrande é um show de ziguezagues. Talvez seja efeito condicionado dos tempos de craque com a camisa nove, correndo à direita e à esquerda. Caio, que não passou de esforçado atacante, utiliza-se de um jogo de cintura que quase sempre o condena a uma tomada de posição mesmo que tardia. Caio tem um jeito muito especial de criticar como se estivesse elogiando.
São poucos os comentaristas de futebol da televisão brasileira que me encantam. A maioria é superficial e insossa. Os melhores mesmo são ex-profissionais do futebol, embora a regra contemple exceções. O técnico Tite atuou como convidado especial da ESPN na decisão entre Real Madri e Atlético de Madri. Deu um show de conhecimento. O craque Tostão está fora da mídia televisiva porque não faz jogo de bom moço como a maioria, mas é o melhor nos textos. Tanto na forma como no conteúdo.
Paulo Vinícius Coelho é um extraordinário estatístico e um bom analítico, mas o livro que escreveu e lançou ainda outro dia, Tática Mente, é um desastre. Imagine o leitor adquirir um livro que desperte a atenção para as alquimias táticas e ao correr os olhos sobre cada parágrafo, encontrar mais acessório do que o principal, ou seja, mais ambiente fora do que dentro de campo. É algo como comprar ingresso para a festa do sorvete e passar o tempo todo a chupar gelo.
Acho bom parar por aqui senão vou esticar demais a paixão pelo futebol e pelas pesquisas eleitorais. Pretendo passar a Copa do Mundo inteira sem escrever uma única linha nesta revista digital sobre tudo o que meus olhos observarem. Talvez não resista, não necessariamente pelos jogos que assistirei, mas pelas bobagens que terei de ouvir. Principalmente por conta de um patriotismo rastaquera que, quando na forma de clubismo disfarçado, está entre as razões da violência dentro e fora de campo. Galvão Bueno e sua obsessão contra a Argentina, repassada a companheiros da Globo, está aí para confirmar. Se o melhor narrador do País comete as barbaridades que todos conhecem, o que esperar dos demais quando a audiência dita o comportamento quase geral?
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André