Oito meses após escrever um artigo em que defendi a renovação gradual da direção de futebol e da administração do parque poliesportivo do Esporte Clube Santo André e a uma semana de esperado festejo dos 10 anos da conquista da Copa do Brasil diante do Flamengo no Maracanã, o que temos no Ramalhão é o mais absoluto congelamento de ambições. Mais que isso: está em jogo o derretimento contínuo do futuro.
O presidente Jairo Livolis sucede ao então titular Celso Luiz de Almeida, agora no comando do Conselho Deliberativo, mas nada de a direção do clube adotar algo igual, semelhante ou mesmo que lembre vagamente a proposta deste jornalista. Que proposta? Que pelo menos 50 jovens de no máximo 40 anos começassem a frequentar e a decidir compartilhadamente o futuro da agremiação, convidando-os a formar uma espécie de vestibular ao Conselho Deliberativo e cargos pré-diretivos.
É mais que provável que o presidente Jairo Livolis decida comemorar o feito extraordinário mas pontual alcançado no Maracanã. Convidados deverão se reunir no Poliesportivo ou em algum restaurante, como cultiva o dirigente. Seria oportunidade de ouro para festejar o passado e lançar um plano de metas para salvar o Santo André da morte morrida determinada pelo esgotamento biológico daqueles que o representam em instâncias diretivas e deliberativas. Ou alguém tem dúvidas sobre os efeitos deletérios que o anunciar de cada baixa do envelhecidíssimo Conselho Deliberativo representa para a agremiação? Nos últimos meses, para variar, vários deles tombaram.
Sem renovação estimulada, deixando-se o barco ao sabor dos ventos nada aventurosos, a tendência de desaparecimento do Santo André só será salva por eventual nova investida privatizadora, como foi o caso do Saged, empresa que afundou o Ramalhão, lançando-o à catacumba da Sexta Divisão do futebol brasileiro. Talvez seja melhor perecer de vez a ressuscitar um novo Saged que, além de estragos esportivos deixou um rastro de destruição da imagem do clube e contas a pagar que infernizam os atuais dirigentes.
Veneno como remédio
Aliás, a alternativa de potencializar o Santo André no formato empresarial decorreu da necessidade de buscar uma saída para o estado de compressão de recursos orçamentários detectado havia muito tempo. O plano de voo era bastante interessante, porque juntava coração e racionalidade, mas acabou soterrado porque o materialismo sufocou a paixão.
A Copa do Brasil conquistada pelo Ramalhão em junho de 2004 representou um susto ante a realidade do futebol: o clube não estava preparado para o sucesso dentro de campo, que exigia investimentos permanentes para sustentar-se em nível compatível com a expectativa gerada. O Santo André ganhou a Copa do Brasil com um time formado por jogadores senão rejeitados pelo mercado, ao menos fora dos projetos dos clubes mais competitivos. Sem contar os meninos criados no próprio clube, numa incubadora também destruída pelo Saged. O Santo André campeão da Copa do Brasil deu certo porque havia uma estrutura diretiva no setor de futebol que retirava leite de escassez de recursos da pedra de oportunidades mais que improváveis.
Não fora a primeira vez mas provavelmente foi a última que o Santo André saiu das profundezas de dificuldades financeiras para a glória nos gramados. Esse enredo está praticamente esgotado como filão de probabilidade porque cada vez mais futebol virou negócio que conta com grandes players. Não é mais uma atividade quase romântica. Já não o era há 10 anos, mas se tornou bastante diferente. Tanto que o Saged fez um estrago dos diabos em cinco anos de atividades. Ingenuamente, acreditou-se que a chegada da equipe à Série A do Campeonato Brasileiro em 2009, quanto torrou a grana que não tinha, seria o patamar no qual permaneceria indefinidamente.
Falta sustentabilidade
Sem sustentabilidade em qualquer um dos quesitos exigíveis à competição mais acirrada do calendário nacional, o Ramalhão rolou ladeira abaixo na hierarquia do futebol até desabar na Sexta Divisão, que vem a ser a Série B do Campeonato Paulista.
O que compõe a sustentabilidade de um negócio chamado futebol para que se obtenha linha histórica de desempenho estável entre pelo menos os 40 clubes mais importantes do País? Para ser sucinto: estrutura administrativa, estrutura esportiva, institucionalidade social e institucionalidade geral.
Estrutura administrativa é um conjunto de valores que envolvem capital intelectual preparado para organizar o clube como uma empresa com coração no gramado e cabeça fria nos balanços. Estrutura esportiva é o somatório de infraestrutura material e de recursos humanos que faz a diferença quando a equipe entra em campo. Institucionalidade social é a capacidade de agregar valor à marca com o suporte da sociedade. Institucionalidade geral é uma diversidade de competências que convirjam em direção a organizações que comandam as competições, bem como os meios de comunicação, iniciativa privada e poderes públicos. Nenhum clube de futebol competitivo é um gueto. O Ramalhão raramente deixou a condição de caramujo.
Ao Santo André, prestes a comemorar 10 anos da conquista da Copa do Brasil com o gosto amargo da realidade de sentir o agravamento das dificuldades que já o pressionavam no passado, não resta saída senão preservar a própria história. A vantagem está justamente em ter uma história rica, portentosa para os padrões dos recursos financeiros escassos que a agremiação sempre dispôs. Tudo isso, entretanto, é pouco para perseguir um futuro estável. É verdade que ajuda a resistir, mas não evitaria sobrevida sem brilho e sem esperança.
Entender a dimensão de um contexto histórico em que as dificuldades extracampo sempre elevaram as conquistas ao panteão do heroísmo é o primeiro e inadiável passo a uma vigorosa reconfiguração com vistas ao futuro. O chamamento de jovens ramalhinos, resistentes à avalanche da mídia doutrinadora dos grandes clubes, é muito mais que uma sugestão – é o próprio alimento ainda disponível para dar energia, força e vigor a um organismo que resiste mais e mais com dificuldades adicionais.
A direção do Esporte Clube Santo André tem um compromisso com os próximos 50 anos da agremiação. Os últimos 10 anos que se passaram desde que aquele grupo de jogadores e de torcedores preencheu o silêncio dos flamenguistas com um entusiasmo que fez a Província do Grande ABC ganhar o status de capital do País não podem sufocar o planejamento que já tarda. Que a festa dos 10 anos, portanto, não esteja presa ao passado.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André