Sociedade

Por quê?

DANIEL LIMA - 10/02/2001

Quer entender, sem mistificação, a realidade da região? Acompanhe as respostas de 55 personagens reais que selecionamos para este ensaio. Respondemos por eles para fugir de posições politicamente corretas.

Por que o Grande ABC está iniciando o Terceiro Milênio com tantos problemas? Fizemos esta pergunta a 55 diferentes personagens que viveram na região no século encerrado em dezembro último. São protagonistas e figurantes da sociedade regional. Muitos são identificados facilmente. Outros se confundem com a grande parte dos anônimos. O terceiro grupo é formado por personalidades que dispensam nome de batismo porque representam muito mais que individualidades. São matizes pessoais e profissionais diferentes.

Por que o Grande ABC está iniciando o Terceiro Milênio com tantos problemas? Fizemos esta pergunta a 55 diferentes personagens da região sem que soubessem. Isso mesmo: eles estão respondendo à indagação sem terem tido acesso à pergunta. Inovamos em matéria de jornalismo — ou seria uma grande invenção?

Fizemos entrevistas telepáticas. Quem acha que é um faz-de-conta está enganado. Já houve casos de jornalistas que, à falta de encontrar o entrevistado, forjaram respostas e as publicaram como verdadeiras. O caso deste ensaio é diferente. Não procuramos os entrevistados simplesmente porque conhecemos ou julgamos conhecer as entranhas de suas personalidades.

Pretensiosamente resolvemos invadir a consciência de cada um para expor o que realmente pensam. Em muitos casos, muitos dos nossos entrevistados não têm coragem de enfrentar os próprios fantasmas.

Por que o Grande ABC está iniciando o Terceiro Milênio com tantos problemas? A pergunta é repetida para que os leitores possam compreender as respostas que se seguem. Hão de dizer os triunfalistas convictos e circunstanciais que exageramos na dose das respostas dos 55 personagens.

Bobagem. Quem acompanha o histórico de LivreMercado sabe do que falamos. Quem viu o Grande ABC efervescentemente poderoso nos anos 50, 60 e 70 jamais poderia imaginar que chegasse ao final do século com um cipoal de dificuldades.

Por que o Grande ABC está iniciando o Terceiro Milênio com tantos problemas? Este ensaio é, também, uma forma de iniciar a nova etapa cronológica da história de LivreMercado mostrando aos leitores que continuamos afiados quanto à criatividade responsável, provocativa e instigante.

Por que o Grande ABC está iniciando o Terceiro Milênio com tantos problemas? 

 Cláudio Rubens Pereira, presidente da Anapemei (Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas Industriais), com sede em Santo André: “Fizeram da gente salsicha. Ficamos entre a banda das grandes empresas que apertam nossa rentabilidade e a banda do sindicalismo, que nos arrancou tudo que só grandes empresas podem pagar. Pior é que somos salsicha a granel. Não merecemos nem uma lata com embalagem”. 

 Roberto da Cruz, metalúrgico desempregado: “Me disseram que a gente era a melhor mão-de-obra do País, que a gente era supercompetente e que tecnologia nenhuma ia arrancar nosso ganha-pão. Tomava minhas biritinhas na hora do almoço para aquecer o corpo para o segundo tempo de trabalho porque ninguém me disse que era mais importante fazer curso de treinamento e reciclagem. Essa tal de globalização nunca chegou aos meus ouvidos até ser demitido. Só ouvia falar que patrão era tudo filho da mãe. Agora sei que não é bem assim, porque nem meu negócio de subsistência consegui manter. Dancei bonito”. 

 Vicentinho Paulo da Silva, sindicalista: “A apropriação do trabalho pelo capital é isso mesmo: tiraram o couro do trabalhador até quanto puderam e depois foram para outras praças em busca de mão-de-obra mais barata. Capital é isso mesmo. Temos de estatizar a produção”. 

 Eurípides de Oliveira, farmacêutico tradicional: “Nunca vi tanta gente com dor de barriga e dor de cabeça. Todo mundo está morrendo de medo de perder o emprego que sobrou. Acho que vou continuar ganhando muito dinheiro com remédio. Pelo menos até que os genéricos se generalizem e meu lucro vá embora de vez, porque já não é lá essas coisas; fica todo para os laboratórios farmacêuticos”. 

 Antonio dos Santos, vendedor de cachorro-quente: “Comprei a Towner e o equipamento para fazer lanche com o dinheiro do Fundo de Garantia. Me disseram que ia ganhar rios de dinheiro porque o negócio é super-lucrativo. Gasto R$ 0,40 para fazer um sanduíche e vendo por R$ 0,80. Meu lucro é de 100% em cada unidade. Só não me disseram que precisaria vender cinco mil cachorros-quentes por mês para tirar, já descontado o custo, os R$ 2 mil que ganhava como metalúrgico numa autopeças. Êpa, não sou McDonald’s. Quer comprar minha Towner?”. 

 Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: “Tem gente no sindicato que não entende por que sou comedido nas negociações, por que sento com os executivos das montadoras, por que aceito demissões e corte da jornada de trabalho, por que não acho interessante fazer greve pela greve. Esse pessoal é tão burro que ainda não descobriu o elementar: ou a gente muda a relação capital-trabalho, ou vamos todos ficar sem um ou outro, isto é, sem capital e sem trabalho. Mas que uma grevinha como a última, que fizemos em novembro, dá para mandar o recado que estamos vivos, ah! isso dá”. 

 Antonio Andrietta, professor e consultor empresarial: “Depois que me contrataram para prestar consultoria à administração pública, resolvi reformular meus estudos. Onde se lia que estava ruim, leia-se que está bom. Como o Fernando Henrique, vou mandar o pessoal esquecer o que escrevi. Os estudos só valem a partir do contrato de consultoria com a Prefeitura. Tenho de provar que crise regional é baboseira de jornalistas mal-informados. Tenho números para isso. Meu único trabalho vai ser descartar os nove-fora da realidade”. 

 Ernesto dos Santos, advogado trabalhista: “Antigamente ganhava muito dinheiro com sindicatos que me indicavam trabalhadores que perdiam o emprego. Arrumava mil maneiras de arrancar dinheiro na Justiça do Trabalho, certo de que trabalhador tem sempre razão. O problema é que agora trabalhador não tem emprego. E quando tem, é informal. Carteira de trabalho assinada virou atestado de inclusão social”. 

 Tibúrcio, robô da Ford: “Não rio, não choro, não converso, não como, não reclamo da sobremesa, não bebo, não durmo nem com calmante, não faço xixi, não tomo cerveja, não fumo, não peço aumento de salário, não faço greve, não exijo e não reivindico comissão de fábrica. O problema é que não sou popular entre a turma de trabalhadores. Acham que estou tomando o emprego de muita gente. Só sei que a empresa me adora. Sou fortíssimo candidato a operário-padrão”. 

 Nilson de Oliveira, corretor de imóveis: “Vá lá que os mais pobres coloquem barracos à venda, que a classe média-baixa também resolva vender imóveis. Mas essa febre dos abonados de passar casas e apartamentos para a frente só pode ser coisa de deserção, de quem está mudando para o Interior”. 

 Antonio do Prado, estatístico: “Não posso deixar de prestar 100% de socorro às administrações públicas que precisam dar um jeito de mostrar que não estamos em crise, que essa coisa de crise econômica é bobagem. Vou dar um jeito de transformar pepino em abobrinha. Quanto mais falar o economês, mais tenho possibilidades de persuadir a platéia, que certamente é 50% conformada e 50% desinformada. Vou investir forte nisso porque brasileiro aceita qualquer argumento. Tem preguiça de pensar e nenhuma competência para questionar. Além do mais, não dizem que os números não mentem jamais? Basta saber manipulá-los”. 

 Procópio da Cruz, loteador clandestino: “Divide aí esse terreno de qualquer jeito, no maior número possível de partes, e cobra uma prestação bem pequena. Tem um bando de otários que vai achar ótimo fazer uma casinha com vista para a represa e ainda pagar bem baratinho a perder de vista. Essa história de rede de esgoto, asfalto, rua, mananciais, é tudo papo de doutor. Depois a gente cai fora e passa a bola furada para a Prefeitura. Au revouir!”. 

 Carlos Putz, publicitário: “Estou começando a achar que meu negócio vai dar com os burros n’água. O pequeno comércio e a pequena indústria não conseguem entender o que é marketing, quanto vale divulgar o nome de uma empresa, sobretudo porque estão numa pindaíba que dá dó. Enquanto isso, os grandes negócios só olham para as grandes agências, principalmente de São Paulo”. 

 Durval Leme, pequeno industrial: “Estou rezando todas as noites, todos os dias, para que uma multinacional qualquer me descubra, saiba que tenho um negócio aparentemente bom e que compre minhas ações o quanto antes. Estou cansado de apanhar do mercado, de ser cada vez mais pequeno diante de grandes corporações. Sem política industrial estou frito. Ainda mais que as montadoras estão se concentrando. Se a Fiat não resiste à General Motors, que comprou 20% das ações italianas, quem sou eu para sobreviver?”. 

 Secretário municipal de Finanças: “Não consigo entender a choradeira de parte da Imprensa e de empresários. Será que estão ficando malucos ao enxergar esvaziamento econômico na região? Estamos nadando de braçadas. Nossas receitas tributárias crescem que é uma loucura. Nossa indústria de multas vai de vento em popa. E o ISS então? E o IPVA? E o IPTU? Vão chorar lá longe, seus derrotistas”. 

 Executivo de empresa privada: “Vou tratar de garantir meu emprego porque à minha volta muitas cadeiras já dançaram. Dizer que preciso participar da comunidade é muito interessante, mas não tenho tempo para isso. Se não mostrar que sou importante aqui na empresa, ganho cartão vermelho. E aí, quem vai garantir escola particular dos meus filhos, o seguro-saúde, as férias no Caribe e o carro do ano com blindagem? Dizer que nenhum homem é uma ilha só vale como filosofia. Na prática, cansei de ver companheiros virarem suco. Comigo não”. 

 Heiguiberto Guiba Navarro, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos: “Custo ABC é balela. Vamos espalhar para todo Brasil os benefícios conquistados pelos trabalhadores da região e mostrar que temos um caminho rumo ao Primeiro Mundo. Essa é a melhor maneira de acabar com a evasão industrial. Vamos começar pelo pólo automotivo de Curitiba. Triplicaremos os salários dos trabalhadores num golpe só. Não interessa se as fábricas foram construídas para ter menos trabalhadores por veículo produzido. Eles que esqueçam essas vantagens da tecnologia. E aproveitem também para parar com esse detalhe de retorno do capital investido. Que os investidores busquem a Nasdaq, que descubram a Internet. O que interessa é o bem-estar da classe trabalhadora. E estamos conversados”. 

 Consultor empresarial: “Perdi o emprego numa grande empresa, onde ganhava salários que nem gosto de lembrar porque me faz chorar. Agora, se continuar nesse ritmo, vou ficar também sem empresa para dar consultoria. O lamentável é que tenho tanta coisa para ensinar aos empresários de pequeno porte. Mas o que posso fazer se eles estão com a corda no pescoço? Começo a achar que também sou candidato a Tiradentes”. 

 Produtor teatral: “Não sei por que não pensei antes. É uma barbada. Sopa no mel. Meu próximo drama está aqui no Grande ABC. A matéria-prima é abundante. Pobreza e criminalidade! Que mais quero para construir uma teia de ações dramáticas que vão fazer Dostoiésvsk revirar-se no túmulo”. 

 Vereador populista: “Não sei por que essa turma da Imprensa e do empresariado fala tanto em novas leis para o desenvolvimento econômico. Legislação é como Constituição: quanto menos se mexe, melhor fica. Essas áreas congeladas a empreendimentos privados precisam continuar congeladas. Amanhã poderemos fazer uma demagogiazinha e criar novas favelas. Precisamos de gente, não de empresas. Gente dá votos. Empresa só dá trabalho”. 

 Fausto Cestari Filho, dirigente da Fiesp/Ciesp — “É lógico que não vou ficar falando publicamente por aí tudo o que sinto de frustração como empreendedor na região. Ajudei a fundar o Fórum da Cidadania, a Câmara Regional e a Agência de Desenvolvimento Econômico e nos últimos tempos tenho viajado muito pelo Interior de São Paulo. Lá fora o pessoal é mais solidário, mais atuante. Acho que o empresariado do Grande ABC envelheceu junto com as máquinas e equipamentos. Se minha especialidade médica fosse outra que não a pneumologia, recomendava um viagra para a turma toda”. 

 Agente turístico: “Não sei por que perdem tempo com planos de turismo para o Grande ABC se temos points prontos para servir de roteiro a visitantes do Brasil inteiro. Que tal um passeio pela Favela Naval tão conhecida? E uma visita aos Carecas do ABC, aqueles anjinhos que amam a todos, indistintamente da cor e da preferência sexual? Também podemos visitar os galpões industriais vazios, principalmente em Diadema, e provar por a-mais-bê que o presidente Fernando Henrique Cardoso foi magistral na política econômica da latinha. Lá tinha uma fábrica de artefatos, lá tinha uma fábrica de parafusos, lá tinha…”. 

 Ademir Medici, memorialista: “Estou preparando trabalho especial sobre os espaços industriais e comerciais de empreendimentos que deixaram a região ou simplesmente faliram. Desconfio que vou precisar de muito tempo e papel, porque a lista é imensa. Vou começar, é claro, pela Villares da Vergueiro, em São Bernardo, porque foi ali que o Lula perdeu um dedo. Aliás, não sei por que o Carrefour não bota a mão do Lula como símbolo do endereço que ocupou. Pensando bem, acho que ficaria meio chato. Poderia dar uma conotação diferente. Será que vão confundir os quatro dedos com a campanha da mão espalmada do FHC para a presidência?”. 

 Prefeito Celso Daniel: “Como essa Imprensa é derrotista! Como ousa falar que estamos na pior! Só porque perdemos dois terços da nossa riqueza nos últimos 26 anos? Só porque não tenho dinheiro para dar aumento ao funcionalismo ou porque tive de cortar quase mil funcionários públicos logo que assumi a Prefeitura? Cada vez mais estou convencido de que tem gente que só pensa em criticar. Ainda bem que meu partido pensa exatamente o contrário. Não é mesmo, presidente Fernando Henrique Cardoso?”. 

 Prefeito Maurício Soares: “Rezo todas as noites para não receber a notícia de que uma montadora resolveu deixar São Bernardo. Só não conto isso para ninguém senão o pacto que fiz com os demais prefeitos, de que o Grande ABC não vive crise alguma, vai para a cucuia. Esse negócio de depender de uma só matriz econômica para garantir a maior parte das receitas tributárias é um perigo, mas isso só posso dizer no confessionário. Vox populis, Volkswagen”. 

 Prefeita Maria Inês Soares: “Daqui a 15 anos a economia de Ribeirão Pires vai estar uma belezura. Vamos ter turismo para dar e vender. Vamos virar um santuário ecológico que o mundo inteiro vai reverenciar. O pulmão do Grande ABC está aqui. Só espero ter fôlego financeiro para terminar o segundo mandato”. 

 Prefeito Luiz Tortorello: “Parece piada de mau gosto dizer que o Grande ABC vive esvaziamento econômico. Em São Caetano não sei o que faço com o dinheiro da arrecadação. Minha dúvida está entre asfaltar de novo toda a Avenida Goiás ou renovar a mobília do Paço Municipal. Para acabar com a dúvida só vejo uma solução: vou fazer as duas obras. Está certo que nossos tributos municipais são os mais caros para a população, mas ninguém pode chorar. Para morar na capital da qualidade de vida do Grande ABC, a taxa de pedágio tem de ser mesmo alta. Os incomodados que se mudem para Santo André, São Bernardo…”. 

 Prefeito Oswaldo Dias: “Meu negócio é trazer empresas para o Pólo Industrial de Sertãozinho, mas já orientei a Assessoria de Imprensa e o secretário de Desenvolvimento Econômico para não ficar propagandeando que a maioria dos empreendedores é daqui mesmo da região. Não entenderam? É o seguinte: estamos recebendo de braços abertos todos os empresários que queiram vir para Sertãozinho, não interessa se estão sediados em outros municípios da região. Sou presidente do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e coordenador da Câmara Regional, mas não sou burro. Se não pensar e agir como prefeito de Mauá, como conseguirei pagar a maior dívida per capita do País?”. 

 Ecologista: “Nossos mananciais precisam ser preservados a todo custo. Não interessa se as fábricas já não poluem e que são rigidamente submetidas a órgãos estatais especializados no assunto. Não interessa que geram empregos. Temos de escorraçá-las daqui. Precisamos reservar nossos mananciais a quem de direito: aos sem-teto. Estou me lixando se vão contaminar a Billings com esgotos a céu aberto. Ecologia e solidariedade precisam andar juntos. A economia que se dane”. 

 Deputado estadual: “Esse cargo me dá status, mas o que quero mesmo é ser prefeito. Estou aqui de passagem. Frequentar a Assembléia Legislativa é um saco. A bancada regional é tão diminuta que às vezes me sinto um peixinho entre tubarões. Só não perceberam isso os pobre-coitados dos empresários do Grande ABC que me procuram em busca de socorro. Será que esses caras não perceberam que isso aqui é um entreposto eleitoral?”. 

 Deputado federal: “Que carguinho chato. Deveria ter escolhido a Assembléia Legislativa de São Paulo, que é a mesma coisa, mas fica mais perto, não preciso pegar avião e aguentar essa coisa horrorosa de Brasília, que só o Niemayer e os babacas do planejamento urbano tupiniquim ovacionam. Sou um peso praticamente morto na Câmara Federal, mas, quem sabe, isso vai embalar minha campanha para prefeito. Sabe como é, né: o eleitor aprecia gente importante e despreza currículo de realizações. Aqui mando menos que um sindicalista ou um executivo de montadora que fala direto com o presidente da República para resolver os problemas automotivos da região”. 

 Lula: “Companheiros, acho que a gente tem de admitir que forçamos demais a barra naquelas greves. Está certo que uns patrões mereciam as bordoadas que demos, mas desconfio que muitos pagaram o pato sem ter culpa no cartório. Na verdade, nem sei porque estou chamando vocês de companheiros. Somos uma raça em extinção e muitos de nós já não pega no batente de chão-de-fábrica há muito tempo, porque metalúrgico está virando miragem na região. De qualquer forma, estou aí com o Fidel Castro e não abro. Acabei de voltar de Cuba e achei aquilo tudo lindo. Que democracia! Quanto avanço tecnológico! Como eles preservaram Havana! Está intacta desde a revolução. Mais que intacta: está cada vez mais parecida com um museu a céu aberto”. 

 Mágico: “Me deram a tarefa de promover uma alquimia que leve todo mundo a acreditar que estamos vivendo no melhor dos mundos. Isso é moleza. Não preciso nem de cartola, quanto mais de bengala. Basta chamar ao palco, para deleite da platéia, gente que está ganhando horrores de dinheiro no Grande ABC. Quem? Ora, os donos de casas de massagem, de bingos e de igrejas. Essa turma está na pole-position, indiscutivelmente. Nem preciso requisitar o pessoal do segundo escalão. Massagem, bingo e igreja são a terapia perfeita para quem está com dores musculares da falta de dinheiro, com a sorte atravessada na garganta e com o estoque de proteção divina vencido”. 

 Equilibrista: “Depois que perdi o salário de trabalhador e engrossei a estatística dos sem-emprego, estou pronto para atuar em qualquer Circo Moscou que apareça no mercado. Nunca me imaginei na corda-bamba sem ter a rede de proteção social de que tanto falam lá no Primeiro Mundo”. 

 Grande supermercadista: “Essa terrinha é boa demais para ganhar dinheiro, pois tem gente que não acaba mais. Estou ocupando uma área nobre, com farto estacionamento, milhares de itens de venda, opções variadas de entretenimento, cinema um ao lado do outro. Com tudo isso, alguém acha que o consumidor vai para o comércio de rua sem segurança, sem estacionamento, sem mix de loja? Não posso deixar de agradecer às autoridades públicas por terem me proporcionado tantas benesses. Os pequenos que se danem”. 

 Ivan Cavassani, presidente da Associação Comercial e Industrial de São Caetano: “Por que tantas críticas à Rua 24 Horas que criamos em São Caetano? Só por que não funciona mais que 12 horas? Esse pessoal não entendeu que o projeto é uma operação puramente matemática de simplicidade acaciana: basta considerar cada hora duas horas. Qualquer relógio especialmente programado para isso resolve o problema. Doze vezes dois dá exatamente 24. Repararam?”. 

 Marketólogo: “Acho interessantíssima essa idéia de o comércio do Grande ABC se unir para promover uma rodada de vendas especiais durante pelo menos 30 dias. A Capital já faz isso com muito sucesso e temos de segui-la. Só recomendo que o slogan seja outro, bem diferente, senão o efeito vai ser devastador. Não venham tentar me convencer que Liquida ABC é um bom mote! É um ultimato à fuga!”. 

 Ex-prefeitos: “Metem o pau na gente dizendo que pouco fizemos pela economia do Grande ABC, que vimos as indústrias indo embora e não nos mexemos. Que injustiça. Será que não sabem interpretar o que é liberdade? Fomos ou não fomos sábios em permitir a ocupação da Billings pelas favelas, garantindo mão-de-obra de baixo custo para empresas em processo de sobrevivência? O que dizer então desse pessoal todo como agentes informais da economia? Fomos ideólogos do mercado informal e de estoque de votos populistas e nos chamam de imprevidentes. Vejam só!”. 

 Secretário municipal: “Tenho de colocar minha Pasta na mídia de qualquer maneira. Preciso criar fatos a qualquer custo. Não posso imaginar uma Secretaria de Desenvolvimento Econômico que não frequente as páginas da Imprensa da região. Preciso provar que aqui o esvaziamento não chegou. Meu negócio é o hoje. O amanhã a Deus e ao meu sucessor pertence”. 

 Wilson Ambrósio, presidente da Associação Comercial e Industrial de Santo André: “Estamos entre a cruz e a caldeirinha: precisamos do pequeno comércio, sabemos que a situação do setor está ruim, que os grandes negócios tomaram conta da praça, mas não dá mais para esconder que não conseguimos encontrar a fórmula capaz de despertar esse pessoal para a simplicidade lógica de que só sairão do buraco se se unirem. O problema todo é encontrar a hora para reuni-los. Durante o dia estão pagando ou prorrogando duplicatas. À noite? Malditas telenovelas”. 

 Ex-dono de cinema de rua: “Minha última tentativa para atrair público foi apresentar shows de strip-tease intercalados com filmes pornográficos. A platéia reclamava da beleza das garotas, que eram mesmo feiinhas, enquanto a qualquer hora do dia a televisão mostra a Feiticeira e outras beldades em lingeries sumaríssimas. Minha saída foi transformar o cinema em templo religioso. Dá muito mais dinheiro”. 

 Sérgio De Nadai: “Meus companheiros empresários ainda não descobriram que é sopa fazer sucesso na região. Não sei por que fazem tanto picadinho dos políticos, por que trituram tanto os secretários de Desenvolvimento Econômico, por que requentam crises antigas. Parem com isso. Usem a imaginação. Se a situação transborda por aqui, se o dinheiro começa a encruar, descubram novos filões fora. Mesmo que o cliente não tenha o apetite de eventualmente pagar as contas em dia. É melhor ser saudável com dinheiro a receber do que ter contas a pagar e não ter crédito”. 

 Mário Covas: “Tenho prestigiado o Grande ABC com algum investimento porque, afinal de contas, é meu caminho da roça rumo à Baixada Santista e não quero que ergam barricada na Anchieta. Mas não tenho esperança de retorno eleitoral minimamente compensador porque ali é terra de conservadores petebistas e de irrequietos petistas. Meu partido está mais para topo de muro. Só não posso cair na besteira de fazer tudo o que os prefeitos querem porque eles têm mania de chorar de barriga cheia. O Grande ABC é rico, eles mesmo falam que não há crise, os acadêmicos cansam de desfilar números de crescimento industrial, os salários são os mais altos do Brasil. Vou dar uma mãozinha, mas que eles usem os próprios braços”. 

 Mark Emkes, ex-presidente da Bridgestone Firestone — “Desculpem meu portunhol, mas não sei por que estão me chamando de Beleza Americana. Só porque ganhei todos os principais prêmios na região, principalmente o Oscar chamado Prêmio Desempenho? Acho que exageraram. Os investimentos na Bridgestone Firestone de mais de US$ 200 milhões, depois de decidir manter a fábrica em Santo André e garantir 3,3 mil empregos diretos, deveriam ser vistos como ações absolutamente normais numa região estrategicamente poderosa como o Grande ABC. Se todo mundo acha que fizemos muito, é porque a coisa está brava. Brava? Não é que já saquei o jeitinho brasileiro de falar? Jeitinho?”. 

 Klinger Luiz de Oliveira — “Meu sonho é ser prefeito depois que o Celso Daniel cumprir o terceiro mandato. Mas o melhor mesmo é ser presidente da República. Só assim será possível editar uma Medida Provisória estabelecendo limite de velocidade de 60 km por hora nas estradas e 40 nas cidades. As montadoras vão ser obrigadas a reduzir a potência dos motores, senão vamos transformá-las, também por decreto, em fábricas de carroças. Não as carroças do Collor, que as montadoras já foram um dia, mas carroças de carroceiros mesmo. Tudo pela segurança no trânsito”. 

 Moveleiro de São Bernardo — “Nossa categoria está frita. Depois que descobriram que não somos lá uma Brastemp econômica, porque não representamos nem 1% da riqueza gerada no Grande ABC, acho que nosso discurso tem de ser alterado. Viramos pó”. 

 Assistente social — “Por favor, senhores ufanistas: dêem uma passeadinha pela periferia da região. Verifiquem com os próprios olhos se não temos razões para nos preocupar. Temos crianças morrendo por causa de lombriga. Acreditaram? Venham ver, então”. 

 Ana Gedankian, defensora de Paranapiacaba — “Estou cansada dessa lengalenga de recuperação da Vila. Enquanto eles discutem como agir, os cupins tomam conta de tudo”. 

 Jairo Livolis — “Como presidente do Santo André, me sinto na mesma situação de uma pequena autopeça de capital nacional que não desperta interesse em investidor algum. Do jeito que os grandes clubes concentram forças e audiência da televisão, só nos faltará um epitáfio”. 

 Dirigente de clube social — “Depois que inventaram televisão e cinemas multiplex, a saída é fazer promoção para garantir a mensalidade do associado. Rezo para que nenhum parque temático desembarque por aqui”. 

 Operador de telecomunicações — “Esta é uma gravação. A Telefônica informa: o telefone desta empresa não existe mais. Favor consultar a lista de empresas que deixaram a região para economizar o dinheiro numa futura chamada. Esta é uma gravação”. 

 Vicente Martins, um dos fundadores da CTBC — “Quando inventamos de criar a empresa, o Grande ABC nem grande era. Fizemos e acontecemos, mas teve uma hora que não deu mais para segurar a barra porque veio o Estado e ficou com aquilo que construímos. Depois veio a Nova República e bagunçou o coreto, até que os espanhóis da Telefônica arrebataram a companhia. Fizemos história. Mas que adianta se hoje não sabemos o que acontece na empresa. Sequer temos representante da comunidade junto à diretoria”. 

 Traficante — “Mande fechar portas e janelas de todas as casas. Cerrem as portas do comércio e toquem os sinos. Nosso maninho morreu baleado pela polícia e precisa ser homenageado. O Rio de Janeiro é aqui. É cumprir a ordem ou morrer”. 

 Gilberto Wachtler — “Ter mercado na periferia da região, como eu e meus amigos, é espécie de roleta russa. Sabemos que mais dia menos dia, com a falta de uma política para a área comercial, vão explodir nossa cabeça porque grandes redes de supermercados estão chegando com tudo”. 

 Fábio Vital — “Estou achando que dirijo uma ficção. Afinal, por que Fórum da Cidadania se o Grande ABC não tem cidadania? Será que estou fazendo papel de otário?”.



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