Os intransigentes defensores da Universidade Pública Federal no Grande ABC, que até agora foram incapazes de apresentar um projeto minimamente consistente, precisam recorrer a uma leitura imperdível. Trata-se de “O espetáculo do crescimento”, obra assinada por William Easterly, experiente economista do Banco Mundial. Easterly resume na apresentação do capítulo “Panacéias que fracassaram” o extraordinário senso de racionalidade e conhecimento que expõe em mais de 400 páginas. Acompanhem:
Muitas vezes durante os últimos cinquenta anos, nós, os economistas, pensamos ter encontrado a resposta certa para o crescimento econômico. Começou com a ajuda externa para preencher a lacuna entre investimento “necessário” e poupança. Mesmo depois que alguns de nós abandonaram a rigidez da idéia do investimento “necessário”, ainda pensávamos que o investimento em máquinas era a chave do crescimento.
Complementando essa idéia vinha o conceito de que a educação seria uma fórmula de acumular “maquinaria humana” que traria crescimento. A seguir, preocupados com a forma como o “excesso” de população poderia avassalar a capacidade produtiva da economia, promovemos o controle populacional. Então, quando percebemos que as políticas dos governos impediam o crescimento, promovemos empréstimos oficiais para induzir os países a realizarem reformas administrativas. Finalmente, quando os países viram-se em dificuldade de restituir os empréstimos a que haviam recorrido para fazer as reformas administrativas, nós oferecemos o perdão da dívida.
Nenhum desses remédios mágicos funcionou conforme o prometido, já que nem todos os participantes da criação do crescimento econômico receberam os incentivos certos.
No capítulo relativo aos investimentos em Educação, o economista do Banco Mundial ilumina o debate. Acompanhar seu texto é obrigação de todos que, por qualquer que seja o motivo, coloca a criação da Universidade Pública do Grande ABC como prioridade absoluta num contexto econômico em que ultrapassamos persistentemente a marca de 20% de desempregados. Acompanhem outros trechos da obra:
Tem sido claramente decepcionante a resposta do crescimento à espetacular expansão educacional das quatro últimas décadas. O fracasso do crescimento educacional patrocinado pelo governo deve-se mais uma vez ao nosso lema: as pessoas respondem a incentivos. Se não se apresentarem os incentivos para investir no futuro, de pouco vale a expansão educacional. Fazer o governo obrigar os indivíduos a frequentar a escola não muda os incentivos deles para investir no futuro. Criar pessoas altamente capacitadas em países cuja única atividade rentável é fazer lobby junto ao governo pela obtenção de favores não é uma fórmula de sucesso. Criar capacidades onde não existe tecnologia para usá-las não promoverá o crescimento econômico — escreveu o economista do Banco Mundial.
Entre 1960 e 1990 — continua o economista –, refletindo o louvor à educação nos círculos decisórios governamentais, deu-se uma notável expansão da escolaridade. Alimentadas pela ênfase colocada na educação básica pelo Banco Mundial e outros doadores, em 1990 a matrícula no Ensino Fundamental havia alcançado os 100% na metade dos países do mundo. Em 1960, apenas 28% das nações do mundo haviam alcançado 100% de matrículas no Ensino Fundamental. A média de matrícula no Ensino Fundamental subiu de 80% em 1960 para 99% em 1990. Por trás desses números estão milagres educacionais como o Nepal, que saiu de 10% de matrículas no Ensino Fundamental em 1960 e chegou a 80% em 1990.
Em 1960, havia desastres do Ensino Médio, como o Níger, onde na faixa etária desse nível escolar só uma em cada 200 crianças estava cursando a escola. Desde 1960, praticamente quadruplicou a taxa média de matrículas do Ensino Médio no planeta, que subiu de 13% dos alunos dessa faixa etária em 1960 para 45% em 1990.
No ingresso à universidade verifica-se uma explosão semelhante. Em 1960, 29 países não tinham um só estudante de nível superior. Por volta de 1990, somente três países estavam nessa situação (as ilhas Cômores, Gâmbia e Guiné-Bissau). De 1960 a 1990, em matéria de ingresso à universidade, a taxa média dos países do mundo aumentou mais de sete vezes, de 1% para 7,5%.
Qual tem sido a reação — continua o economista — do crescimento econômico à explosão educacional? Infelizmente a resposta é: pouca ou nenhuma. A ausência de associação entre crescimento da escolaridade e crescimento do PIB foi notada em diversos estudos. A ausência de crescimento africano apesar da explosão educacional deu margem, num estudo, à pergunta: “Para onde foi essa educação toda?”. Esse estudo construiu uma série sobre o crescimento do capital humano (educação) e não conseguiu encontrar nenhuma associação positiva entre o crescimento da educação e o crescimento da produção por trabalhador (na verdade encontrou uma relação negativa e significativa de alguns exercícios de estatística).
Os países africanos de crescimento acelerado em capital humano durante o período de 1960 a 1987 — países como Angola, Moçambique, Gana, Zâmbia, Madagascar, Sudão e Senegal — foram, no entanto, desastres em matéria de crescimento (econômico). Países como o Japão, de modesto crescimento em capital humano, foram milagres do crescimento (econômico). Outros milagres do Leste Asiático como Cingapura, Coréia, China e Indonésia tiveram um rápido crescimento em capital humano, porém igual ou menor que o dos desastres do crescimento na África. Para estabelecer uma comparação, Zâmbia teve uma expansão de capital humano ligeiramente mais acelerada que a da Coréia, porém a taxa de crescimento de Zâmbia foi sete pontos percentuais menor.
Esse estudo também assinalava que, em anos de escolaridade alcançados, o Leste Europeu e a antiga União Soviética se comparavam favoravelmente com a Europa Ocidental e a América do Norte. No entanto, agora sabemos que naqueles países o PIB por trabalhador era só uma modesta fração dos níveis da Europa Ocidental e da América do Norte. Por exemplo, os 97% de matrículas no Ensino Fundamental dos Estados Unidos são um pouco mais altos que os 92% da Ucrânia, mas a renda per capita dos Estados Unidos é nove vezes a da Ucrânia — escreveu William Easterly.
Espero que os nobres deputados federais e estaduais decididamente empenhados em construir a Universidade Pública Federal do Grande ABC — e que agora contam com alguns apoios voluntariosos — corram em direção à primeira livraria e mergulhem no trabalho do economista do Banco Mundial. Nos dois textos que publiquei virtualmente nos últimos tempos nesta newsletter, em 16 e 23 de novembro do ano passado, quando desconhecia a obra do norte-americano, acredito que tenha fixado os suportes conceituais sobre o assunto.
Embora não desqualifique o movimento em prol de uma universidade pública, evidencio naqueles artigos que está muito longe da prioridade necessária para uma região abatida em 36% do PIB nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso e que provavelmente acrescentou mais alguns pontos percentuais no primeiro ano do governo Lula da Silva de PIB abaixo de zero.
Até porque, seria uma mistura de estupidez e precipitação concordar tacitamente com o que se apresentou até agora como simples slogan em que prevalece tanto um regionalismo seletivamente educacional quanto eleitoral.
Aliás, não é por outra razão que estão à frente do movimento no âmbito federal os deputados Ivan Valente e Luizinho Carlos da Silva, professores de origem profissional e deputados de ramificação educacional.
A luta que se pretende regional por uma universidade pública federal está, por isso mesmo, muito distante das verdadeiras questões que nos afligem. Por mais boa-vontade e mesmo pureza doutrinária que os deputados Ivan Valente e Luizinho Carlos da Silva eventualmente apresentem ao liderarem a iniciativa, a realidade prática se impõe de forma soberana no sentido de que a proposta não se apresenta com substância consistentemente defensável, exceto pelos patrioteiros de um regionalismo mambembe.
A obra do economista do Banco Mundial à qual recorro para consolidar argumentos anteriormente impressos nesta newsletter provavelmente exorciza o Complexo de Gata Borralheira que abate a todos que frequentam o ambiente do Grande ABC. Foi proposital o reforço de um profissional que associa experiência teórica e prática para desmistificar frases feitas que se tornaram palavras de ordem.
Estamos cansados de ver nas filas de desemprego economistas, advogados, jornalistas e tantos outros profissionais graduados em busca de uma ocupação qualquer. Precisamos de mais PIB per capita e de menos PHDs. Pelo menos até encontramos a estrada da salvação.