Sociedade

Abra suas asas e
entre nessa festa

TUGA MARTINS - 05/05/2000

"Você não é o Nelsinho da Emerald?" -- pergunta o rosto sorridente em pleno aeroporto de Porto Seguro, Bahia.

"Sim. E você é o famoso quem?" -- devolve debochado o promoter Nelson Sargiani.


Nenhuma imagem poderia ilustrar melhor a fama de Nelsinho Sargiani que, depois de 26 anos de agito nas noites do Grande ABC, tentou refugiar-se no início do ano no balneário baiano. Foi pôr o pé em terra para ver ruir a pretensão de anonimato. De volta ao mundo dos holofotes, o promoter não se incomoda com o assédio. Ao contrário, gosta de ser reconhecido como referência da vida noturna. Certamente quem frequenta os espaços mais badalados da região conhece ou pelo menos ouviu falar em Sargiani. "Nunca durmo antes das 3h e o café da manhã vem sempre com cara de brunch" -- dispara. 


Aos 52 anos, solteiro, Nelsinho Sargiani testemunha detalhes de gerações que circularam pelos bares e lotaram a pista da danceteria Emerald Hill, em São Bernardo. São quase 20 anos de trabalho na organização e promoção de eventos. Começou como relações públicas e hoje gerencia o negócio. O orgulho de todo esse tempo de dedicação acaba resumido na tradicional festa Preto e Prata, que comemora os aniversários de fundação da casa. "É como se todo ano estivesse organizando a festa do meu aniversário" -- diz. Do frisson dos dancing days, passando pela ascensão e queda do rock nacional e atual sustentação da axé music, techno e country, o ânimo de Nelsinho, cada vez que o sol se põe, continua no mesmo ritmo. "É festa todo dia, ou melhor, toda noite. E quando não tem a gente inventa uma para ir" -- afirma o promoter.


Essa disposição constante salienta a vaidade de Sargiani. Ele não nega preocupação exacerbada com o visual, roupas, perfumes e postura. "Consigo estar impecável em dois eventos distintos na mesma noite sem ter de voltar para casa" -- garante. O segredo? "Deixo acessórios no carro" -- confessa com sorriso maroto de quem aprendeu a driblar protocolos da high society. Entre as frustrações, arquiva o sonho de ser ator. Dos conselhos que recebeu, guarda um assinado pela extravagante amiga Elke Maravilha: "Reclamei que queria ser artista e ela respondeu que eu já era um artista" -- relata com emoção.


Ciumento confesso, Sargiani afirma com todas as letras que a fórmula para frequentar a noite é simples: ouvir tudo, ver tudo e falar absolutamente nada. Admite que tem dossiê sobre todos os romances oficiais e não-oficiais iniciados e terminados nas noites do Grande ABC. Entre os bem-sucedidos, Sargiani lembra do affair entre Silvana Demarchi e o marido Haroldo, que se conheceram na pista de dança da Emerald. Mas quando o assunto é traição... "Posso dizer que já livrei muito amigo e muita amiga de situação constrangedora. Só isso" -- sintetiza.


Antes de se tornar parceiro fixo da lua, Sargiani trilhou infância simples como qualquer garoto do Grande ABC. Nascido em Santo André, sempre morou na Rua Manaus, na Vila Alzira. Esperava com ansiedade a sexta-feira para assistir o seriado Rin-Tin-Tin na casa do vizinho. "Aos sábados o must era Bonanza" -- ri. Foi aluno comportado do então Colégio Padre Capra. Frequentava as matinês do Cine Tamoio e na adolescência era adepto do footing no Ipiranguinha, com paqueras ao lado da fonte luminosa. Também participava das reuniões na Ausa (Associação dos Universitários de Santo André) na Oliveira Lima. No álbum de recordações, Virgílio do Prado, hoje vereador pelo PDT e o empresário Sérgio De Nadai são imagens agradáveis. Não faltam memórias dos encontros no Quitandinha, do Ocara e dos veteranos do Clube Panelinha.


Além da paixão explícita pela purpurina da noite, Sargiani segreda afinidades com o fogão. Gourmet por hobby, conta que aprendeu a cozinhar ainda menino por força da situação. O pai João trabalhava o dia todo no controle de qualidade da Volkswagen, em São Bernardo, e a mãe Tereza na Têxtil Colber, no Bairro Casa Branca, em Santo André. "Tinha de me virar" -- diz. Até hoje segue o jeito desmazelado na arte culinária. Entre as delícias que oferece somente aos amigos mais íntimos seleciona moqueca de cação e massas. Dia desses, o restaurante Nini Demarchi, sócio-executivo do Restaurante Florestal, em São Bernardo, prestigiou o tempero de Sargiani. "Fiz pimentão recheado à moda da nona" -- delicia-se.


Antes que o entrosamento pleno com a vida noturna fosse consolidado, Sargiani trabalhava como secretário-geral do Colégio Singular, na Rua Álvares de Azevedo. Já naquela época, criava atrações. A tradicional festa à fantasia da escola, iniciada em 1978, traz a assinatura de Sargiani. Também prestou serviço ao Colégio Pentágono. Depois selou parceria com os irmãos Marcos, Beto e Marcelo Lazzuri, sócios da Emerald. "A atração pela noite já existia. Estendia o trabalho até tarde, depois vinha o chope, depois do chope o jantar, depois dançar e depois o dia seguinte" -- ri, ao relatar o cotidiano.


O bom humor de Sargiani não camufla os percalços da profissão que escolheu. Diz que garantir o sucesso de um evento é trabalhoso e que o fracasso deixa marcas profundas na carreira. "Não tenho essas cicatrizes" -- benze-se com toques na madeira. As preocupações de Sargiani não são para menos. Cada vez mais, menos pessoas saem de casa para horas de lazer. Violência e crise financeira montam equação desastrosa para a indústria do entretenimento. "Nosso maior desafio é resgatar jovens maduros para aproveitar a noite, pois atualmente as danceterias estão forradas de adolescentes" -- pondera. Com o olhar perdido na nostalgia, revive momentos inesquecíveis de quando Odamar Versolatto, junto com a turma do Baeta Neves, soltava as feras na Emerald ao som dançante das Frenéticas. Robson Pereira, proprietário da Choperia Mr. Einstein, assim como Rivail de Carvalho, do Liverpool, também eram habitués. A lista de notoriedades não pára por aí. Antes da fama, Belo, do grupo Soweto, arrepiava nas noites bernardenses. "Pessoas da night são diferentes dos boêmios. Querem mais que um banquinho e um violão" -- afirma Sargiani com voz de experiência. 


Todo o glamour que condecora o rei da night do Grande ABC não foi suficiente para poupá-lo da desagradável condição de esqueceram-de-mim. "Uma vez isso aconteceu. Fiquei mal, mas saí por cima. Fica registrado, mas sem mágoa" -- garante. A autoconfiança de Sargiani é ancorada no seu lado esotérico. Conta que frequentou por muito tempo o Candomblé. Decepcionou-se, mas mantém-se fiel à crença. "Sou sensitivo. Acredito em elementais, em energia" -- pontua. Atrelado ao lado bruxo, Sargiani segue rituais de alimentação naturalista. Contraponto acentuado às tentações da noite. "Gosto de cerveja, mas não abro mão de água mineral" -- justifica.


Nelsinho Sargiani nutre ainda admiração profunda pelos palcos. Mas apenas como platéia. Reclama da falta de incentivo a ofertas culturais de alto padrão no Grande ABC, principalmente porque não tem tempo de deslocar-se para São Paulo para desfrutar de bons espetáculos. "A região carece de identidade própria e isso inibe investimentos no setor de lazer e entretenimento. Nenhum empresário com mínima visão vai aplicar dinheiro em futuro incerto" -- alfineta. Em contraste à acidez, Sargiani não esconde a tietagem pela cantora Maria Bethânia e reverencia a voz imortal de Elis Regina.


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