Numa casa em que o pai é austero juiz titular do Tribunal Regional do Trabalho, a mãe uma dedicada advogada, uma das irmãs é metódica juíza do Trabalho e outra é compenetrada arquiteta, o que se poderia esperar de Cláudia Hespanhol é que seguisse o ritual conservador de uma família classe média de Santo André. Quem resolveu aplicar a simetria da lógica em Cláudia Hespanhol não sabe praticamente nada da vida dessa mulher extremamente carismática. Cláudia é piloto de automobilismo, é professora de Educação Física, é personal trainer. Tudo isso, depois de longos de prática de balé clássico na Escola de Dança Ruslan com título do Royal Ballet de Londres, ginástica olímpica e rítmica. Já fez incursões como âncora de programa de TV dirigido a quem quer cuidar da boa forma e apareceu em editoriais de revistas famosas para exibir sua forma física, os olhos amendoados imensos e rosto expressivo. Até já deu entrevistas em programas badalados.
A impressão que essa taurina sem meias palavras transmite é de que está sempre pronta para surpreender não só quem imagina que a conhece suficientemente como até a si própria. Define-se como mulher absolutamente destemida e perseverante. Por isso mesmo causa inquietação não só às mulheres, mas sobretudo aos homens. A temporada que acabou de disputar como piloto da categoria DTM, versão do automobilismo nacional destinada a picapes Courier de até 135 cavalos de potência e oito válvulas, revela com exatidão até que ponto Cláudia Hespanhol pode provar ao mundo que não nasceu para fazer o dia seguinte igual ao anterior e que também está muito além do novo perfil da mulher contemporânea que ocupa mais e mais postos de liderança nas corporações.
É verdade que Cláudia Hespanhol não conseguiu chegar ao pódio em nenhuma das 11 etapas realizadas no Autódromo de Interlagos ao enfrentar em média 25 adversários. No caso específico, não é força de expressão dizer que enfrentou 25 adversários. É a pura realidade. Era ela contra o Clube do Bolinha da categoria que apresenta todos os competidores com o mesmo tipo de veículo e motores semelhantes, preparados pelo Instituto Mauá de Tecnologia, de São Caetano.
Se tudo pareceu absolutamente semelhante no circuito de Interlagos, com os motores sorteados a cada três novas etapas, os pormenores traçaram a diferença entre Cláudia Hespanhol e os pilotos com os quais teve de enfrentar a temporada. Desrespeito explícito não houve, exceto um comentário menos educado de um mecânico, mas as informações sobre os estragos que representava para a reputação dos pilotos não deixaram de chegar a seus ouvidos. Na terça-feira seguinte a cada etapa da competição, lá estavam os pilotos num bar da Capital para discutir a corrida. Cláudia era um dos pratos preferidos entre um chope e outro, entre um lanche e outro, entre um comentário técnico e outro. "Minhas ultrapassagens eram motivos de chacota entre eles" -- comenta a piloto sem esconder irritação.
Cláudia Hespanhol é tão surpreendente quanto as surpresas que a escolhem como protagonista de novos lances da vida. A própria carreira de piloto é fruto de acidente de percurso. Embora sempre tenha cultivado o automobilismo como fonte de frequentes emoções pessoais, com paixão intensa pelo talento de Ayrton Senna, Cláudia de veículos só conhecia o que via na televisão e nos rachas de um namorado na Avenida dos Estados, em Santo André. Ela entrou num carro de competição por obra do acaso porque o gerenciador de pilotos Márcio Machado, da Agilitty, a procurou para participar de um programa regional de esportes que estava sendo preparado para uma emissora de TV. Seria espécie de gincana esportiva que a andreense comandaria.
O programa não saiu do papel, mas a aproximação com Márcio Machado e o conhecimento pessoal como personal trainer dos pilotos José Eduardo Campanella e Balthazar Júnior acabaram levando Cláudia Hespanhol para as pistas da categoria disputada pelas Courier. Tudo se deu rapidamente. Tão rapidamente que Cláudia só conseguiu completar os cursos de pilotagem durante a própria competição. Foram importantíssimos os ensinamentos da escola de Beto Manzini, nome paulistano de expressão quando se trata de incorporar teoria e prática de competição em quem tem paixão pela velocidade.
É verdade que a temporada da categoria DTM não foi generosa para a equipe de Cláudia Hespanhol, a Duka Motor Sports. Esperava-se mais patrocinadores, mas o racionamento de energia e o ataque terrorista às torres gêmeas de Nova York viraram obstáculos muito piores do que rodar por Interlagos sabendo que a cada eventual ultrapassagem estaria causando desconforto aos concorrentes.
Cláudia Hespanhol é perseverante na medida certa para entender que 2001 não foi uma temporada perdida no automobilismo. Aprendeu a dominar a picape DTM com segurança suficiente para saber todos os pontos fortes e fracos com que se depara em Interlagos. Com a experiência acumulada, a piloto fala com a autoridade de quem não se envolveu em nenhum acidente. A segurança da competição promete melhorar sensivelmente neste novo ano com a substituição do pneu radial pelo modelo slick. Para traduzir o que significa um tipo de pneu e outro, basta imaginar uma corrida numa pista escorregadia como quiabo e outra pista de superfície semelhante à casca de jaca. A diferença é que os pneus slick oferecem aderência ao veículo. "Com os radiais, a picape se torna arisca demais" -- compara Cláudia.
Enquanto espera por boas notícias sobre os rumos das negociações com patrocinadores para a temporada de 2002, Cláudia Hespanhol não afrouxa os cuidados com a carreira de professora de Educação Física pós-graduada nas Faculdades Metropolitanas Unidas e especialização em fitness em vários cursos. Reforça o orçamento com a especialidade de tornar alunos mais saudáveis. Seu currículo contabiliza três anos como professora e personal da Bio Ritmo Academia, um templo de corpos vigorosos da Capital. Foi através da Bio Ritmo que Cláudia Hespanhol tornou-se conhecida no mundo do fitness. Um programa segmentado para a área, o Academia, transmitido pela SporTV, emissora de TV por assinatura do Sistema Globo de Televisão, no qual atuava como espécie de âncora, a levou a ensaios e editoriais de revistas sofisticadas como Cláudia, Nova, Audi e principalmente Boa Forma, na qual serviu de modelo em oito edições.
As atividades de Cláudia Hespanhol não são exatamente as que o pai Ricardo César Alonso Hespanhol imaginava para a filha. Mas não se pode contrariar o destino que não reservou ao desembargador o filho homem que tanta esperava. Cláudia consegue conciliar beleza e feminilidade em atividades culturalmente mais associadas aos homens. E nem poderia ser diferente. Uma rápida volta ao tempo prospecta não só sua paixão pelo automobilismo mas por outros esportes. É o caso do salto de pára-quedas que ainda pretende praticar, depois da experiência que conta com o sorriso de quem faz dos desafios constante alegria. "Aos 12 anos de idade, estava eu na antiga Chácara da GE, em Santo André, assistindo a um show de pára-quedismo aberto ao público quando pedi para saltar lá do alto e, para minha surpresa, eles toparam" -- lembra sorrindo.
Outro indicador de que o juiz titular do TRT teria uma filha que quebraria convenções é que Cláudia Hespanhol sempre lhe foi companhia nos jogos do Corinthians que costumava assistir aos domingos. Ou, mais um exemplo, ao incentivar os diretores do Clube Atlético Aramaçan a organizar campeonato interno de futebol feminino. Pressão feita, e lá estavam Cláudia e suas amigas de classe média jogando as peladas de final de semana 20 anos antes de a modalidade ganhar popularidade.
Sem maiores preocupações em medir qualquer frase, porque a espontaneidade é sua marca, Cláudia Hespanhol transmite a sensação de que tem tanto controle sobre sua auto-estima que brinca com a sorte do pai: "Sou o filho homem que ele tanto queria" -- afirma com a suavidade de quem sabe que é uma mulher inteiramente de bem consigo própria. E nem se duvide disso. Aos 35 anos Cláudia está madura, sabe o que quer e fala do filho Gustavo, de 14 anos, com doçura maternal que nem de longe lembra a mulher atrevida que enfrenta os pilotos em Interlagos.
A certa agressividade que Cláudia Hespanhol exibe no trânsito urbano é a extensão da volúpia por velocidade que leva às pistas de corrida. Ela reconhece que usa velocidade acima da média, mas assegura que não faz dos olhos mecânicos dos radares alvo de arrependimento. "Eu sei dirigir em velocidade, não infrinjo as leis de trânsito" -- afirma.
Se nem o macacão de corrida que veste em Interlagos consegue esconder a beleza de seu corpo bem cuidado, nos eventos sociais então Cláudia Hespanhol é o centro das atenções. Mas engana-se quem aposta em frivolidade. Cláudia é naturalmente discreta. A indiscrição está no público masculino que, agora a observa com olhos diferentes dos de Interlagos. Prestativa, é capaz de gestos inesquecíveis. Como o relatado por um de seus patrocinadores, Idivaldo Cunha, da Construtora MZM. O empresário foi surpreendido num domingo recente ao ver aparecer na igreja em que seu filho era consagrado à primeira comunhão a figura esguia de Cláudia Hespanhol, a quem falara de passagem sobre o evento. "Fiz apenas um comentário rápido com ela sobre a cerimônia; jamais poderia esperar que aparecesse" -- conta Idivaldo.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!