Sociedade

Disputamos diplomas
e perdemos mais riqueza

DANIEL LIMA - 07/04/2004

O encalacramento econômico em que se meteu e em que meteram o Grande ABC é tão grave que nem deveria possibilitar extravagâncias em forma de salvação da lavoura como, por exemplo, o reavivamento da panacéia de que uma universidade pública federal vai nos tirar do atoleiro. É preciso estar muito distante ou completamente alheio à realidade regional de desemprego, subemprego e informalidade em expansão, além de também minimizar a compressão de recursos do governo federal, para orquestrar esse tema com a fraudulenta conotação de redenção.


Mostramos na edição de ontem desta newsletter, por meio de estudos e estatísticas de um especialista em desenvolvimento econômico sustentado, William Easterly, do Banco Mundial, quão limitado é o poder de reação dos países predominantemente pela via educacional.


Em suma, aquele economista explica o quanto o Banco Mundial se equivocou ao dar asas a determinadas unanimidades. Ele confere à educação importância muito aquém do empreendedorismo forjador de riqueza, que prefere chamar de incentivo.


Embora articulasse frases comedidas, o economista mandou uma mensagem absolutamente cortante aos dirigentes públicos: deixem em paz aqueles que pretendem se lançar nos negócios, na livre iniciativa, porque esse é o caminho de desenvolvimento econômico e, por extensão, estimulador do contínuo aperfeiçoamento educacional.


Defendemos aqui e na revista LivreMercado já há muito tempo — e até organizamos um evento em São Bernardo com esse objetivo, contando para tanto com Fernando Musa, da Meritor consultoria internacional — a concepção de um Grande ABC econômico sob a ótica de consultorias especializadas. Os profissionais dos negócios de gerar negócios contariam com a retaguarda de executivos públicos das pastas de Desenvolvimento Econômico como agentes subsidiadores das culturas locais, mas basicamente reorganizariam o espaço econômico regional com o suporte de experiências nacionais e internacionais de comprovado sucesso.


Pela primeira vez na história — até porque a tradição de ocupação espacial do empreendedorismo verde-amarelo é do improviso combinado com ações indutórias típicas de guerra fiscal — teríamos a possibilidade de, mais que régua e compasso, contar com modernas tecnologias de informação para esquadrinhar um território em transe socioeconômico.


A desorganização coletiva dos agentes públicos, privados e sociais do Grande ABC, como se sabe, jamais permitiu que a proposta fosse levada a sério. Regionalidade é substrato de efeitos residuais num organismo tipicamente multimunicipalista neste Grande ABC incapaz de honrar sua própria denominação.


Seguimos, como se sabe, jogando cada um para si e o diabo para o resto. Dividimo-nos galhardamente em sete pedaços só aparentemente semelhantes sob o ponto de vista econômico e enganosamente unidos sob o ponto de vista institucional. Partimos e repartimos, mas não ficamos com a maior parte. Até porque, a maior parte é o todo, não dois quintos, três quartos, um sétimo.


Dormimos no ponto, em contraste com a equipe de governo da prefeita Marta Suplicy, da Capital. A petista pousou os olhos aguçadamente econômicos e eleitorais sobre a zona leste da Capital, um Grande ABC levemente ampliado de três milhões de habitantes e quase um deserto de investimentos produtivos. Tanto que representa apenas 8% do Valor Adicionado da Capital.


Com o suporte financeiro de grupos privados de peso e a contratação da A. T. Kearney, uma empresa de consultoria internacional, como queríamos no Grande ABC, o governo paulistano esculpiu um projeto de industrialização pronto para sair do forno. E o que — agora sim o suporte educacional é valiosíssimo — é igualmente importante, com a extensão de um braço da USP (Universidade de São Paulo) de cursos moldados para as vocações naturais e também o potencial empregador da população daquela região.


Há quem acredite ingenuamente que a industrialização programada da zona leste da Capital vai, por efeito inercial, reforçar a economia de um Grande ABC desorganizado e exaurido na capacidade de atrair investimentos.


A velocidade de execução do planejamento econômico na zona leste talvez dependa dos resultados de outubro próximo, mas não parece sensato acreditar que haveria recuo e desistência. Não há partido político que despreze a possibilidade de marcar presença num espaço territorial que representa praticamente um terço da população paulistana.


Não bastassem os adversários que se consagraram às nossas custas nas duas últimas décadas, levando nossas empresas para o Interior mais próximo ou mesmo para outros Estados fomentadores de guerra fiscal encardida, não bastassem os municípios a oeste da Região Metropolitana de São Paulo a nos infligir uma goleada em matéria de logística, como é o caso de Osasco e vizinhança, agora teremos de enfrentar um novo oponente, cumulativamente aos demais, praticamente em nosso quintal.


A zona leste é sim um novo jogo duro que teremos de suportar, com a desvantagem de que não tem os transtornos culturais de um capitalismo regional atônito e com a vantagem de que receberá um braço da USP adequadamente formatado para sua realidade social e econômica. Enquanto isso, temos uma parte educacional de Ensino Superior pronta para adaptações curriculares mas que está feito barata tonta, agindo mais por instinto e suposição do que por dados técnicos, porque nossa frágil regionalidade é incapaz de reenquadrar o papel econômico que deveremos desempenhar nos próximos 20 anos.


Nossos professores-deputados e professores-vereadores estão numa luta por mais diplomas enquanto perdemos fragorosamente o jogo de geração de riqueza.


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