A forçada de barra à criação da Universidade Pública Federal do Grande ABC despreza o elementar critério de prioridades socioeconômicas, mas encontrou na sensatez e no juízo de um acadêmico de ponta a resposta que já demos aqui neste espaço.
É certo que as declarações do professor Roberto Romano, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Altos Estudos de Paris, não foram do agrado do jornalista Danilo Angrimani, do Diário do Grande ABC, que, seduzido por uma claque de deputados e professores universitários, tem tentado introduzir o assunto como artigo de primeira necessidade na cesta de grandes problemas da região.
Como se o desemprego e a violência urbana devessem ser atirados às traças. Como se o parque de universidades públicas e privadas locais não pudesse ser adaptado à produtividade educacional voltada à competitividade sistêmica de uma região em transe.
A rasa tentativa de dar caráter de unanimidade à universidade pública gratuita patrocinada pelo repórter que se especializou nos últimos tempos em cobrir o caso Celso Daniel não resistiu à profundidade de Roberto Romano. Entretanto, Angrimani, desses profissionais fuçadores e geralmente bem informados, não aceitou o conteúdo incômodo da própria entrevista que preparou para os leitores do Diário de ontem.
Tanto que a manchete da página “Professor aponta valor da universidade” e o texto que abre a matéria induzem o leitor a acreditar em algo menos importante do que de fato o é. Fosse a entrevista sintetizada na manchete e no texto de abertura, o título não poderia ser diferente de algo como “Professor recomenda estudos de viabilidade para a universidade do Grande ABC”.
Querem um exemplo claro e cristalino dessa assertiva? Vamos então à última pergunta do repórter e à resposta integral do entrevistado:
Diário – O que será preciso para o governo federal criar efetivamente uma universidade pública no Grande ABC?
Romano – Digamos que seria mais estratégico perguntar o que o Grande ABC pode fazer para levar ao governo federal propostas realistas de universidade pública aqui. Não tenho receitas de ação. Isso seria tola arrogância de minha parte. Mas creio ser importante, em primeiro lugar, que as autoridades dos municípios do ABC reúnam setores acadêmicos, empresariais, sindicais etc. para pensar o que seria mais adequado à região. Uma pauta pode ser definida, na qual entrassem estudos de viabilidade, custos, pretensões dos poderes públicos e da indústria, do comércio.
Simultaneamente, um amplo debate com os contribuintes, os cidadãos. Finalmente nunca chegar ao Ministério da Educação e demais ministérios e órgãos federais sem saber exatamente o que se deseja. Caso contrário, os recursos serão de mais árdua apropriação, as justificativas serão menos eficazes. Evidentemente, o trabalho inteiro deve ser acompanhado e apoiado pelos deputados, senadores, vereadores (e também pelo poder judiciário que pode fornecer boas técnicas de viabilização jurídica) de modo permanente. Pressões devem ser feitas sem tardança, por exemplo, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados em Brasília.
Estilingada
Mesmo sem ter a experiência prática do economista do Banco Mundial William Easterly, autor do livro “O Espetáculo do Crescimento” mencionado na semana passada neste espaço como cérebro a serviço da quebra de unanimidades burras, o professor Roberto Romano dá uma estilingada no ufanismo voluntarioso com que se pretende conduzir a questão da universidade pública do Grande ABC.
A idéia já antiga, de uns tempos em que tanto o governo do Estado quanto o governo federal ainda tinham algumas reservas para investimentos em educação, não passa de slogan mal-ajambrado nestes dias de vacas tributárias obesas mas por demais comprometidas com gastos sem maiores critérios.
Os políticos federais e locais eleitos no Grande ABC ainda não conseguiram formular em defesa da universidade pública absolutamente nada que ultrapasse o terreno da superficialidade. Especialmente em dois campos minados.
Primeiro: qual seria o perfil da universidade pública do Grande ABC, região que vive tormenta de transformações socioeconômicas à qual a quase totalidade das chamadas inteligências, inclusive acadêmicas, ainda não conseguiu entender, quanto mais explicar e oferecer respostas?
Segundo: de onde sairão os recursos financeiros, quando se sabe que os cofres federais estão à míngua e, pior, as escolas federais de Ensino Superior vivem a pão e água na maior crise administrativa, financeira e mesmo curricular da história?
Até prova em contrário — ou seja, até que as condições mínimas sugeridas por Roberto Romano sejam atendidas — e também até que argumentos bem esgrimidos arranquem o fígado da experiência teórica e prática do economista do Banco Mundial, qualquer movimento que se ensaie em favor da universidade pública federal do Grande ABC não passará de jogo de cena.
Um jogo de cena irritante, porque afasta ainda mais a necessidade de o Grande ABC debater questões muito mais substantivas. A desindustrialização ainda renitente, por exemplo. A barafunda social, por exemplo. A criminalidade que nos desloca para os últimos postos dos municípios economicamente mais importantes do Estado, por exemplo?
Só essas três questões multiplicam-se por dezenas de pontos a serem atacados. E ficamos perdendo tempo com idealizações burras.
Precisamos sim é de um Plano Marshall, com o suporte estratégico das universidades que já temos espalhadas pela região. Até porque, o pouco que se preparou até agora em defesa da universidade pública do Grande ABC tem um viés antidesenvolvimentista — no sentido econômico dos conceitos. Teríamos mais diplomados desempregados ou evadidos.
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11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS