O recém-anunciado porta-voz da Prefeitura de São Bernardo parece mesmo talhado para o cargo. Cuidadoso com as palavras como convém a todo bom mineiro, Raimundo Salles assume missão na qual terá a possibilidade de catalisar todas as habilidades e experiências adquiridas na multifacetada vida profissional e pessoal. Com a perspicácia própria de quem aprendeu a dar um passo por vez, o advogado, comunicador, rotariano, dirigente partidário e agora funcionário público de primeiro escalão vai mesclar a polidez do politicamente correto com o impacto da palavra exata, dita na hora certa e pela pessoa correta.
Se o manual da prudência ensina que as melhores declarações são as que não saem da boca, Raimundo Salles está pronto para quebrar o paradigma. Ele conhece muito bem a complexidade do cargo que passa a ocupar. Não exatamente pelas obrigações inerentes à própria função, mas pelas peculiaridades que envolvem sua nomeação. Salles é a voz que vai traduzir oficialmente os atos do prefeito interino William Dib durante o período em que o titular Maurício Soares estiver afastado para tratamento médico. "Quero ser o porta-voz da governabilidade" -- anuncia em tom de discurso.
A missão exige racionalidade, metodologia, frieza e muita paciência, habilidades que tanto Salles quanto o interino William Dib parecem cultivar com maestria. Aliás, ao contrário do que sugere mais uma vez a sabedoria popular, é exatamente essa lista de semelhanças que viabilizou a aproximação de dois homens que aparentemente pouco teriam em comum. Salles é presidente do PL de Santo André. Dib milita no PSB, inclusive com cargo na executiva estadual do partido. O PL saiu da última eleição presidencial umbilicalmente ligado ao PT e o PSB estendeu os braços para Lula da Silva ainda durante o segundo turno da disputa. Agora, dois representantes de partidos da base de sustentação do novo presidente se juntam para contrapor-se ao iminente fortalecimento do PT nas eleições de 2004, principalmente em São Bernardo.
A missão certamente causaria estranheza se fosse levado em conta apenas o emaranhado de supostas contradições político-ideológicas que o quadro sugere. Mas é perfeitamente factível quando se observa o movimento dos bastidores. Raimundo Salles chega para reforçar a visibilidade de um William Dib candidatíssimo à sucessão de Maurício Soares. Como todo ser político, Dib obviamente não confirma a versão, apesar de já ter declarado que seria uma honra aceitar a candidatura.
Raimundo Salles vai ter status de primeiro escalão: além de porta-voz, representará o prefeito em exercício em solenidades oficiais. Também agrega função de relações públicas, mas não comandará uma secretaria formal com verbas e funcionários. Com isso, terá a mobilidade necessária para assumir postura refratária e evitar qualquer tipo de desgaste durante o tempo -- o próprio Salles evita projeções -- que o interino permanecer à frente da cidade que tem o maior orçamento do Grande ABC e uma lista de problemas socioeconômicos que cresce em equação exponencial.
“Eu entro em ação quando o governo tiver necessidade de falar, de explicar”. É diferente da Comunicação, cuja incumbência é informar -- faz questão de deixar claro Raimundo Salles. A preocupação em evitar qualquer constrangimento revela o traço de objetividade que será essencial na nova função. Apesar do cargo de porta-voz ser novidade na região, Raimundo Salles não espera a complacência naturalmente delegada aos estreantes. Ele sabe que a interinidade dá outra dimensão ao tempo e que se errar talvez não tenha a oportunidade de consertar.
Voz e eco -- Não por acaso, Raimundo Salles está totalmente ciente da diferença entre falar em causa própria e ser o tradutor da posição de terceiros. O discernimento lapidado em 10 anos de advocacia e quase dois na presidência do Rotary Club Bela Vista, em Santo André, vai ser explicitado em meio à engenhosidade que alimenta os bastidores do mundo político. Os interlocutores irão ouvir do Salles cidadão que não há outro caminho para o Grande ABC a não ser a integração dos sete municípios. Ele também dirá que William Dib reúne qualidades para tornar-se interlocutor regional e, quem sabe, ocupar o vácuo de liderança institucional deixado pelo prefeito morto Celso Daniel. Quando sua voz torna-se o eco da Prefeitura de São Bernardo, o discurso ganha tom mais formal. "O governo de São Bernardo não declarará guerra aberta ao PT e gostaria que a recíproca por parte do diretório municipal fosse a mesma" -- anuncia na pele de porta-voz.
A política é conhecida de Raimundo Salles desde os tempos de faculdade. Com 38 anos de idade, ele militou no movimento estudantil, foi diretor da UEE (União Estadual dos Estudantes) e chegou a secretário-geral da UNE (União Nacional dos Estudantes), em 1986. Salles cursou Direito no Mackenzie e Administração na PUC-SP, universidades que, respectivamente, apoiaram e combateram o militarismo nos anos de chumbo da ditadura. O paradoxo, no entanto, influenciou bem pouco na carreira e na vida pessoal. Pelo contrário, já que os ambientes antagônicos ajudaram a reforçar o pragmatismo que Salles utiliza para planejar o futuro em todas as áreas de atuação, especialmente na política. Foi assim quando estrategicamente trocou o PSB pelo PL, há um ano. E está sendo assim agora, quando sai de trás das câmaras de TV para ganhar os holofotes, mesmo que temporariamente.
A dedicação que o novo cargo vai exigir reduzirá a presença do advogado nos escritórios instalados em São Paulo e em Santo André. Precavido, Salles está confiante de que sua equipe não terá qualquer problema em tocar o serviço longe de sua presença física. A Salles Advogados Associados é especializada em radiodifusão e atende demandas de concessão, manutenção, aumento de potência, legalização junto à Anatel e questões trabalhistas de 114 emissoras em todo o País. Na lista de clientes constam Transcontinental, Nativa FM, 89 FM, Alpha FM, Metropolitana FM, 97 FM, Mix, Trianon e Canbras TVA. Já o portfólio de serviços exibe feitos como a abolição do noticiário oficial Voz do Brasil das emissoras de rádio de São Paulo.
Salles também comanda programa de entrevistas no Canal 45 que leva o seu nome. A atividade é encarada como hobby, mas ajuda a lapidar a verve e a transitar com mais desenvoltura pelas orlas oficial e oficiosa do Grande ABC, já que representantes regionais de todos os partidos são assíduos frequentadores da poltrona destinada aos entrevistados no talk show diário. Em três anos de programa, Salles coleciona histórias de todos os matizes. "Já vi entrevistado que ficou tão nervoso a ponto de não conseguir pronunciar uma só palavra, outro que deixou a dentadura cair e outro que apareceu diante das câmeras com uma meia branca e outra preta" -- diverte-se.
O apresentador também já aprontou das suas ao vivo e teve de se desculpar no ar pelo acesso de riso que o impediu de continuar uma reportagem. "O entrevistado tinha um ticket nervoso esquisito, fazia uns gestos engraçados. Foi complicado e eu não consegui me controlar" -- lembra constrangido. O episódio, no entanto, pode ser considerado uma raridade na vida do mineiro de Alfenas, casado, pai de um garoto de sete anos e que está há 15 anos no Grande ABC. Salles é tranquilo, objetivo e racional. Sabe o que quer e onde pretende chegar. E se a atual movimentação sinaliza ambições políticas maiores quando o calendário estiver apontando para 2008, só o tempo, ou o próprio Raimundo Salles, dirá. Na hora certa, é claro. Por enquanto, o objetivo está definido.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!