O alheamento da realidade regional é profundamente chocante entre as chamadas lideranças que defendem a instalação de uma universidade pública federal no Grande ABC. Tanto é verdade que vejam só a última novidade em forma de anedota noticiada pelo Diário do Grande ABC de domingo: o Consórcio Intermunicipal será convidado a articular um grupo de trabalho para definir o modelo de instituição de Ensino Superior gratuito a ser reivindicado pela região. Diz ainda a notícia: “A intenção é que a entidade seja o elo de ligação (sic) entre os representantes da sociedade civil engajados nessa questão, as administrações municipais e o governo federal”.
A intervenção do Consórcio de Prefeitos nos moldes sugeridos pelos defensores da universidade pública federal — os mesmos que desconsideram a gravidade social e econômica da região, cuja prioridade deveria ser enfaticamente aprofundada — equivale a chamar Herodes para cuidar de criancinhas. Isso mesmo, porque o Consórcio de Prefeitos, esse clube fechado em si próprio e que não viu a cor da bola do esvaziamento econômico da região em mais de uma década de criação, simplesmente virou as costas para a comunidade nesse mesmo período.
Tanto que vive mais de cartas de intenção ditadas pelo viés estatal do que de medidas profiláticas da comunidade que, todos sabem, há muito tempo respira através de aparelhos, atacada pelo vírus da apatia generalizada.
O Consórcio Intermunicipal é um clube exclusivo dos prefeitos. Até mesmo técnicos municipais sofrem restrição para participar das reuniões. A imprensa, contrariamente ao que se registra em organismos nacionais e internacionais, encontra as portas fechadas e só pode ter acesso a informações pausterizadas se se dispuser a esperar o encerramento de cada encontro.
A instituição despreza os pressupostos defendidos pelo regionalista Celso Daniel, que brandia a constituição de uma espécie de Conselho Consultivo formado por representantes da sociedade. Entregar ao Consórcio de Prefeitos a tarefa de formatar a escola superior que salvaria a pátria amada do Grande ABC se transforma numa mal-ajeitada de bola que provavelmente será finalizada bem longe da meta. Até porque a meta é uma ilusão de ótica, embora, convenhamos, tenha lá sua porção demagógica arrecadadora de votos.
Essa bobagem que despreza a história mais recente da região pode ser simplificada da seguinte maneira, como prova provada de que o modelo do Consórcio de Prefeitos é um vexame em termos pragmáticos: onde se situou a organização durante o período mais sombrio da história regional, os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, quando o PIB local caiu 39%, como revelamos, mostramos e provamos à exaustão há muito tempo?
Respondo rápido: lambendo os próprios beiços de arrogância por ter sido o primeiro movimento de consorciamento intermunicipal neste País atavicamente autárquico em suas diferentes esferas de poder. Saímos na frente, é verdade, mas por uma série de razões que destrincho nos três últimos livros que escrevi (Complexo de Gata Borralheira, Meias Verdades e República Republiqueta), demos com os burros nágua.
Não é de estranhar, portanto, que por trás desse movimento educacional-eleitoral que se instaurou pela Universidade Pública Federal gratuita no Grande ABC estejam acadêmicos e deputados avessos ao mercado. Eles não entendem patavina de desenvolvimento econômico sustentável. Fazem discursos ultrapassados, de esquerdismo bisonho, e não são minimamente capazes de decifrar o genoma de complicações sistêmicas do Grande ABC.
Sabe-se que andam arrecadando assinaturas até em portas de fábricas para induzir o governo federal a agir com igual teor político-eleitoral de anunciar uma alternativa absolutamente fora da fila de necessidades básicas ao desenvolvimento da região, como provamos com números e fatos em outros artigos.
Entretanto, o endereçamento da suposta definição do perfil da Universidade Pública Federal do Grande ABC aos prefeitos acasalados no Consórcio Intermunicipal pode provocar generoso paradoxo: quem sabe os integrantes do Consórcio sejam seduzidos pela proposta e, finalmente, resolvam abrir as portas à comunidade? E por comunidade se entenda o que chamo de capital social, ou seja, todos os setores que representam os 2,5 milhões de habitantes locais, casos de empreendedores privados, agentes culturais, sindicalistas, lideranças de bairros, entidades ligadas a recrutamento de desempregados, acadêmicos relacionados a instituições privadas, entre tantos outros.
É muito provável que chegaremos todos à conclusão de que a Universidade Pública Federal é exatamente o que estamos cansados de afirmar: dos ovos que temos que ter no cesto de reivindicações e ações, o dessa jogada de marketing educacional-eleitoral é o mais mirrado. Quando não, estaria com prazo de validade vencido porque estamos no bico do corvo de problemas muito mais graves que precisam de agenda emergencial com suporte do governo federal e, também, porque o governo federal não consegue dar conta das unidades educacionais que pesam acima de suas possibilidades orçamentárias e, por isso mesmo, estão a dar pena. Já no governo estadual, a quem se poderia pretensamente recorrer, basta ver o que ocorre com as miudinhas Fatecs, em decomposição pedagógica, curricular e material.
Até quando vamos ter de suportar tanta demagogia e, em última instância, nos dar ao luxo de iludir eventuais novos desempregados graduados? Ou reerguemos a economia para sensibilizar a reestruturação educacional do País em objetivos mais pragmáticos ou vamos continuar a despencar no ranking internacional. Não se esqueçam que somos 78º colocados no PIB per capita internacional. O 15º lugar no ranking que despreza a demografia é um engodo.
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19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS