Regionalidade

Lulacá já bate
Era FHC

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/04/2003

A sociedade regional nunca teve tantos motivos para acreditar na possibilidade de jogar uma pá de cal sobre o histórico distanciamento do governo federal em relação ao Grande ABC: em menos de 80 dias de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu mais atenção ao Grande ABC do que Fernando Henrique Cardoso em oito anos de governo. Lula visitou oficialmente a região duas vezes durante o mês passado, enquanto Fernando Henrique compareceu uma única vez no curso de dois mandatos que somam 96 meses de governo. 

Lula esteve na DaimlerChrysler de São Bernardo, na Polibrasil de Mauá e na Refinaria de Capuava, também em Mauá, em 10 de março, e retornou à região duas semanas depois para participar do cinquentenário da Volkswagen, que ele conheceu na condição de líder sindical. Já FHC esteve no Grande ABC apenas uma vez, durante o lançamento do Ka pela Ford de São Bernardo — quando foi hostilizado pelo público.

Mais importante que o placar desfavorável a FHC são as razões e esperadas repercussões da presença presidencial no Grande ABC. O café da manhã na DaimlerChrysler serviu para que Lula se reunisse com os sete prefeitos em torno de pauta voltada ao desenvolvimento regional. Após conversa de uma hora na sede da montadora os prefeitos lhe entregaram carta com oito reivindicações em áreas como educação, segurança, financiamento, infra-estrutura e fortalecimento de cadeias produtivas, além do reconhecimento do Consórcio Intermunicipal, Câmara Regional e Agência de Desenvolvimento Econômico como órgãos institucionais para efeito de captação de recursos públicos.

Entre as reivindicações assinadas pelos chefes dos executivos municipais destacam-se a construção de um coletor-tronco para recolhimento do esgoto dos sete municípios, a materialização do trecho sul do Rodoanel, implementação de um ferroanel para beneficiar a logística industrial, criação de uma universidade pública federal e instalação de agência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para facilitar o acesso de empresas de pequeno e médio porte ao crédito. 

À parte discussões sobre a profundidade e a precisão das propostas — a que reivindica o fortalecimento da cadeia do setor automotivo é no mínimo vaga ao desconsiderar a hecatombe que dizimou autopeças e afastou montadoras nos últimos anos —, é latente o avanço da interlocução regional junto à esfera federal a partir do instante em que o cargo máximo passou a ser ocupado pelo ex-metalúrgico amadurecido no Grande ABC. Lula prometeu analisar as propostas e voltar a se reunir com os prefeitos provavelmente neste mês. 

A reunião do presidente com chefes do Executivo do Grande ABC é emblemática da consideração de Lula da Silva à região que foi seu berço sindical e político. Afinal, foi realizada na véspera de um encontro nacional com 1,5 mil prefeitos de todo Brasil. Além do café da manhã com o Consórcio Intermunicipal, Lula ouviu reivindicações setoriais do presidente da DaimlerChrysler, Ben Van Schaik, e fez o primeiro discurso para uma platéia de metalúrgicos desde que assumiu a Presidência da República. A montadora retribuiu a visita presidencial, que não ocorria desde Juscelino Kubitschek na década de 50, ao doar um caminhão ao Fome Zero. 

Na tarde de 10 março Lula participou da inauguração de uma nova fábrica da Polibrasil, em Mauá, e da abertura de uma unidade de propeno da Refinaria de Capuava. A Polibrasil investiu US$ 217 milhões para elevar em até 300 mil toneladas anuais a capacidade de produção de polipropileno, matéria-prima para embalagens e produtos plásticos. Já a Recap investiu US$ 47 milhões para produzir propeno à Polibrasil. 


Essência sindical — Em discurso pela celebração dos 50 anos da Volkswagen no Brasil, realizado na manhã de 24 de março, Lula deixou a essência sindicalista se sobrepor à Presidência da República. Depois de afirmar ao microfone que, literalmente, cada migalha que os trabalhadores conseguiram na Volks foi obtida às custas de muita luta e sacrifício e de lembrar que a relação trabalhadores-empresa era problemática a ponto de não se poder fazer nenhuma assembléinha na porta da fábrica, o presidente da República exortou a platéia de milhares de metalúrgicos a reivindicar a produção em São Bernardo do Tupi para exportação. 

“O que vocês querem?” — perguntava o chefe da Nação. “Tupi, Tupi, Tupi” — respondia a multidão de metalúrgicos em meio a bandeirolas do Brasil, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e do Corinthians, time do presidente que havia conquistado o 25º título paulista dois dias antes. “Mais do que com a cabeça, esse pedido mexeu com o coração da direção da Volks” — completou.

O sindicalista Luiz Marinho e o governador Geraldo Alckmin endossaram a reivindicação de Lula pelo Tupi exportação. A Volks de São Bernardo terá que demitir muitos trabalhadores se não acolher novas linhas de montagem para compensar a iminente aposentadoria de produtos obsoletos como Santana, Kombi e Gol. O nó górdio — e o próprio presidente Lula reconheceu ao apelar pela emoção do board da Volks — é que os custos trabalhistas transformam a escolha da planta Anchieta em contra-senso sob a ótica empresarial. A terceirização de parte da fábrica, com consequente redução do efetivo, é condição imposta pela Volks para que o Tupi exportação possa ser produzido no Grande ABC.

O primeiro round da batalha pelo Tupi os sindicalistas de São Bernardo perderam. Contrariando apelos, a Volks definiu que a versão do Tupi destinada ao mercado interno será produzida na planta paranaense de São José dos Pinhais. O projeto guardado a sete chaves faria do Tupi um automóvel mais barato e simples e com o qual a Volks ganharia escala para reassumir a liderança brasileira em automóveis. “Gostaríamos que toda família brasileira pudesse ter um Tupi” — comentou o presidente mundial da Volks, Bernd Pischetsrieder, em alusão à esperada massificação da marca no maior mercado sul-americano. 

As considerações de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o passado das relações na Volks ganham relevância na medida em que tocam pontos nevrálgicos de competitividade regional. As migalhas a que o presidente se referiu significam custos trabalhistas adicionais facilmente assimilados no período de mercado fechado, mas são incômodos em tempos de competitividade global e chegada maciça de montadoras ao Brasil. Conforme LivreMercado mostrou na Reportagem de Capa Quem Desativa a Bomba Sindical, em agosto de 1998, os metalúrgicos do Grande ABC foram privilegiados com salários e benefícios trabalhistas cujos custos foram compartilhados pela totalidade dos consumidores brasileiros de automóveis. A inflação de custos era tranquilamente repassada ao preço dos carros, até que novos competidores chegaram para reinventar as regras do jogo. 

Se na condição de sindicalista Lula enxergava as montadoras como adversárias, como presidente da República tenta despertar simpatia no segmento. “Os usineiros deram a palavra ao governo de que não vai faltar álcool combustível. Estamos inaugurando a segunda fase do carro a álcool no Brasil” — disse, referindo-se ao lançamento na sua visita do Gol Flex Fuel (combustível flexível), que roda com mistura de gasolina e álcool em qualquer proporção e custa adicional de R$ 950.                               



Leia mais matérias desta seção: Regionalidade

Total de 476 matérias | Página 1

26/11/2024 Clube dos Prefeitos perde para Câmara Regional
31/10/2024 PREFEITOS ELEITOS JÁ FAZEM BARULHO
24/10/2024 UFABC fracassa de novo. Novos prefeitos reagirão?
29/08/2024 Região é o atestado de óbito de João Ramalho
19/12/2023 Dia da Regionalidade não passa de Dia da Mentira
15/11/2023 Começa a disputa: Sorocaba dá virada em Santo André
23/10/2023 Geografia suburbana é a segunda praga da região
04/10/2023 Separatismo é a maior das 10 pragas da história da região
27/09/2023 ARQUIPÉLAGO CINZA FAZ CONTRASTE ÀS ZONAS AZUIS
16/08/2023 Catado é uma coisa que não tem nada a ver com equipe
15/08/2023 Clube Metropolitano dos Prefeitos está de volta!
17/07/2023 CLUBE DOS PREFEITOS: PROPOSTAS À DIREÇÃO
03/07/2023 Filippi foge do ônus petista em Diadema e ignora Economia
23/06/2023 Quando vai acabar a viuvez do Fórum da Cidadania?
22/06/2023 Quem não quer ver do alto caos logístico da região?
06/02/2023 Prefeitos disputam prova de revezamento às avessas
20/01/2023 Dez armadilhas e o Teste de Confiança no Grande ABC
22/12/2022 Nada é mais lucrativo que bancar custo da integração
21/12/2022 Demorou para o Clube dos Prefeitos sair da pasmaceira