Regionalidade

Regionalidade se
aprende na aula

VERA GUAZZELLI - 05/04/2003

A Secretaria de Educação de Santo André colocou os professores de volta nos bancos escolares para aprenderem, entre outros assuntos, matéria que pode mudar a cabeça das futuras gerações sobre a instituição Grande ABC. O tema regionalidade é destaque em duas disciplinas do Curso Especial de Licenciatura Plena para Formação Pedagógica da Fundação Santo André e das aulas de pós-graduação da Universidade de São Paulo, especialmente formatados para profissionais da rede municipal da cidade. O projeto busca aumentar o nível de escolaridade dos professores e vai utilizar o poder de comunicação dos educadores para reforçar o entendimento das questões sistêmicas que afetam o Grande ABC. 

O raciocínio é lógico. Se a integração regional começar a ser discutida já na escola, a sociedade terá outra percepção socioeconômica sobre o aglomerado urbano de sete cidades que compõem a região. Instituições formadas para capitalizar os anseios da comunidade como o Fórum da Cidadania e a Câmara Regional privilegiaram, até o momento, muito mais o discurso do que a prática. Por isso, a iniciativa embute a esperança de que uma leva mais esclarecida de cidadãos, eleitores e lideranças políticas seja realmente capaz de efetivar os canais de sensibilização coletiva. “O professor precisa entender a importância da regionalidade, transmitir o conceito para a criança e contribuir para o início do processo de mudança” — entende a secretária de Educação de Santo André, Cleuza Rodrigues Repulho.

Os temas relativos à regionalidade serão abordados nas matérias Grande ABC, As Cidades, A Unidade e A Diversidade, e Políticas Públicas Educacionais No Brasil, No Estado de São Paulo e Nos Municípios do Grande ABC. A primeira vai resgatar a história local em contexto que insere os temas que fazem da região uma terra geográfica sem fronteiras. A segunda é mais técnica, mas igualmente importante porque amplia o universo do educador sobre métodos de ensino e os municia de argumentos factíveis para reivindicar eventuais mudanças. Muitos professores municipais de Santo André lecionam também no Estado ou em outros municípios, fato que os leva a trabalhar com propostas pedagógicas diferentes. 

As duas matérias integram curso em nível universitário especialmente elaborado pela Fundação Santo André para atender as necessidades da Secretaria de Educação. As aulas tiveram início este ano nas modalidades Ensino Infantil e Ensino Fundamental e têm o reconhecimento do MEC (Ministério da Educação). Os 210 alunos-professores matriculados cumprirão carga horária semelhante a de uma faculdade regular de pedagogia, só que distribuída em apenas dois anos letivos. Do total de 1,4 mil professores efetivos da rede municipal de Santo André, 25% ainda não possuem formação superior. O percentual é significativo, mas está abaixo da média nacional entre 35% e 40%, com picos nas regiões Norte e Nordeste. 

“Aumentar o nível de escolaridade do professor é fundamental para garantir educação de qualidade. Cursos de reciclagem e atualização também são importantes, mas atendem preponderantemente a situações pontuais” — enfatiza Cleuza Repulho. A Secretaria de Educação projeta chegar ao final da gestão com 100% do corpo docente graduado em nível superior. Com isso, vai antecipar em três anos as exigências da lei federal 9394 de 1996, que estabelece prazo até 2007 para que todos os professores tenham formação universitária na área de Educação. A Prefeitura destinou recursos de R$ 1 milhão ao ano para custear os cursos. A gratuidade das aulas foi utilizada como argumento chave para selar o compromisso de adesão e frequência às aulas. Livre do pagamento das mensalidades, não há como alegar motivos financeiros para eventuais desistências.

A Secretaria de Educação de Santo André também firmou parceria com a USP em curso de pós-graduação lato sensu. As aulas são específicas para educadores da rede municipal e fazem parte de mais uma etapa do projeto de reforço da escolaridade. Por enquanto são 150 professores distribuídos em turmas que terão 360 horas/aula para estudar Ensino Infantil e Fundamental, além da educação de jovens e adultos. As três modalidades de pós-graduação também incluem o debate regional na grade curricular. 


Diversidade escolar — A bagagem acadêmica que a Secretaria de Educação de Santo André pretende ver incorporada aos professores deve funcionar também como elemento facilitador da compreensão da realidade. Os cursos foram estruturados para que o educador enxergue o aluno além da formalidade do livro ou do didatismo da lição. “Hoje a escola não é lugar só para construir conhecimento. Na escola fala-se sobre problemas de saúde e de família e discute-se políticas públicas. O professor precisa estar preparado para tamanha diversidade” — explica a secretária Cleuza Repulho.

A rede municipal de Santo André registra 40 mil alunos. São crianças de três meses a 10 anos provenientes de lares com condições socioeconômicas variadas. As crianças vêm de famílias de formação clássica com pai, mãe e filhos, de famílias cujos pais são separados e nas quais convivem os agregados de outros casamentos do pai ou da mãe, além de famílias compostas por parentes em grau variado de parentesco. Há ainda a criança vítima de violência doméstica, envolvida com a criminalidade e que convive com drogas ou doenças graves como a AIDS. Dentro desse mosaico, qualquer conceito pré-concebido, sem espaço para reflexão, estará correto para um aluno, mas em total discordância para o amigo que senta na carteira ao lado. 

A preocupação da Secretaria de Educação de Santo André em dar conta da diversidade refletida na sala de aula tem na merenda escolar exemplo emblemático. De um lado há a fome nua e crua que transforma as segundas e sextas-feiras em dias de pico da merenda escolar. A comilança além do comum é resultado concreto da pouca ou da quase total falta de comida nos finais de semana nos lares menos abastados: às sextas, as crianças comem mais na escola para se garantirem e às segundas compensam eventuais privações do sábado e do domingo. De outro, existe a fome oculta. A criança tem alimento em casa, mas come errado e a falta de nutrientes adequados reflete no aprendizado. “É em casos como esse que a escola entra com o papel extra-sala de aula, orienta e até detecta problemas como anemia e baixa visão” — explica Cleuza Repulho. 

Pelo menos 45% dos alunos de primeira a quarta série do Ensino Fundamental de São André estão matriculados nas 44 Emeifs (Escolas Municipais de Educação Infantil e Fundamental). A decisão de criar escolas próprias de Ensino Fundamental foi espécie de contraponto à municipalização proposta pelo governo federal em 1998 e também maneira de solucionar uma questão prática. À época, cinco mil crianças que haviam concluído a pré-escola ficariam sem vaga na rede estadual porque a data de aniversário era incompatível com os prazos estipulados para a efetivação da matrícula na primeira série. Como não poderiam ficar fora da escola, Santo André decidiu assumir a responsabilidade. Prefeitura e Estado mantêm acordo de cooperação para que não faltem vagas no Ensino Fundamental público do Município. 

Santo André, no entanto, registra demanda reprimida entre duas e três mil crianças ao ano no Ensino Infantil, principalmente na faixa de zero a três anos. A falta de vagas é reflexo direto do engessamento de recursos impostos pelo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) aos municípios que não optaram pela municipalização do ensino. Do total de R$ 24 milhões anuais que Santo André recolhe ao Fundef, apenas 53% retornam à cidade para serem obrigatoriamente aplicados no Ensino Fundamental. Dos 25% do orçamento que legalmente devem ser investidos na educação, 15% também têm de ir para o Ensino Fundamental. Sobram 10% para a Educação Infantil, alfabetização de jovens e adultos e cursos profissionalizantes. Além das Emeifs, Santo André custeia 19 creches municipais, 15 creches conveniadas, 100 salas de Mova, três centros profissionalizantes e um centro de atendimento a portadores de necessidades especiais. O projeto Sementinha atende duas mil crianças de quatro a seis anos que não conseguiram vaga na rede municipal. A ação tem a parceria da Instituição Amélia Rodrigues e do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento de Belo Horizonte, mas não é considerada formal. 


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