Sociedade

Tarso Genro liga em nome
de Lula e da universidade

DANIEL LIMA - 19/05/2004

Recebi de manhã uma mensagem telefônica do ministro da Educação, Tarso Genro, enquanto dormia das emoções da entrega da primeira etapa do Prêmio Desempenho. O sotaque gaúcho do outro lado da linha e o recado breve mas denso, de que ligara a pedido do presidente da República, Lula da Silva, solicitava o retorno da ligação. E foi o que fiz depois de engolir o café com leite superquente de sempre. O ministro, agora ao vivo, repetiu os termos da gravação e ressaltou que o governo federal está preocupadíssimo em conciliar a Universidade Pública do Grande ABC, anunciada hoje pelos jornais (como antecipamos a informação anteontem), com a recuperação econômica regional. Voltaremos a conversar na próxima semana, eu e o ministro.


Quem acompanha esta newsletter sabe que o contato do ministro da Educação é desdobramento da carta-emeio que enviei anteontem ao presidente Lula, alertando-o sobre as prioridades do Grande ABC. Declarei-me, mais uma vez, contrário à formulação precária, quanto não amadorística, da criação da Universidade Pública do Grande ABC.


As razões foram aqui expostas em vários artigos. Resumidamente, o contexto que me leva a afirmar que uma escola superior gratuita na região não está entre as prioridades decorre do histórico mais recente do esfacelamento industrial do Grande ABC. Mais precisamente nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.


Temos nas filas das centrais de trabalho da região a alucinante proporção de 15 universitários desempregados para cada analfabeto. Nenhuma outra estatística precisa ser brandida para desarticular o campo minado de arroubos educacionais. Temos canudos em excesso e empregos escassos.


O telefonema do ministro Tarso Genro me consumiu de pensamentos e idéias enquanto tomava o banho matinal para recuperar-me do cansaço de uma festa que levou três mil convidados ao Clube Atlético Aramaçan. Ao acordar, li o Diário do Grande ABC, o Estadão, a Folha, a Gazeta Mercantil e o Valor Econômico. Ou parte do conjunto de notícias de todas as editorias, porque minha manhã foi menos longa depois de acordar mais tarde. Completarei a leitura à noite, depois do futebol ao vivo que acompanharei com uma mistura de paixão alvinegra e senso crítico de quem jamais abandonou de fato a origem de jornalista esportivo.


Diferentemente daqueles de sempre que desfraldam a bandeira da universidade pública federal da região mas são incapazes de apresentar qualquer proposta, tratarei de trabalhar no sentido de, promessa presidencial consumada, articulações do Ministério da Educação desencadeadas, juntar-me informalmente ao grupo de trabalho da região e do governo federal para contribuir com sugestões. E tenho-as aos montes.


Esperem pelos próximos dias. Foi um vexame a comitiva regional que manteve encontro em Brasília com o presidente Lula da Silva, o ministro Tarso Genro e outros executivos de primeiro escalão do governo federal não apresentar sequer uma minuta de projeto da universidade. Prova provada de que há completa desarticulação estratégica das chamadas instâncias do Grande ABC — no caso a Câmara Regional, o Consórcio de Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico.


Tanto é verdade que coube ao próprio ministro Tarso Genro, intelectual de envergadura, a apresentação de uma nota técnica, de um esboço, registrando, segundo relato do Diário do Grande ABC, as características da universidade pública que o governo federal pretende construir na região. A iniciativa do ministro evitou que um buraco de improvisação dos agentes do Grande ABC tornasse o encontro de mais de uma hora um festival de slogans.


Quem acessar o site do deputado federal Ivan Valente, um dos precursores da universidade pública na região, haverá de inquietar-se com a ideologia requenguela que contamina a proposta. Ali viceja um socialismo retrógrado que trata a economia de mercado como demônio a ser exorcizado na formulação do ideário da escola.


Como Ivan Valente não é avis-rara mas sim espécime ainda representativa na floresta de obscuridade intelectual que observa o capital como inimigo a ser batido, não parceiro a quem se deve recorrer para construir uma nova sociedade, o grupo que será nomeado na região para esmiuçar os objetivos pedagógico-mercadológicos da universidade pública terá de contemplar os mais diversos atores.


O prevalecimento de uma associação de agentes políticos de alto coturno e acadêmicos empedernidamente avessos à economia de mercado seria o pior dos mundos para a recomposição econômica da região. A consumação de viés estatizante ergueria barreira tão intransponível quanto estúpida ao acasalamento de forças regionais para a consecução de uma obra que, repetimos, longe está de ser prioritária aos nossos destinos mas, já que se coloca como inevitável, não pode jamais perder o foco centralmente vocacionado ao desenvolvimento econômico.


O ministro Tarso Genro me assegurou, ao telefone, que o governo Lula da Silva está especialmente inquieto com a situação econômica do Grande ABC e avalia que uma das soluções que saltariam das respostas de pragmatismo à retomada do desenvolvimento sustentável está no perfil da universidade pública que será levada à aprovação do Congresso Nacional no mês que vem.


Há disponibilidade de tempo para formatar uma escola que sirva de suporte a um desafio muito maior e sobre o qual já escrevemos muito e voltaremos a escrever, ou seja: a aplicação de recursos materiais, financeiros e de talentos profissionais à concentração da indústria do plástico na região. A respeito do assunto, aliás, produzimos a Reportagem de Capa de LivreMercado.


Acreditamos que, face a uma notícia muito mais alvissareira do encontro de ontem em Brasília, que trata da possibilidade agora real de aumento da capacidade de produção da Petroquímica União, empresa-mãe do Pólo Petroquímico de Capuava, a Universidade Pública do Grande ABC poderia assentar-se em suas primeiras fases de implantação numa aliança estratégica com os investimentos previstos para o parque petroquímico local.


“Nosso futuro é de plástico”, como sintetizou aquela Reportagem de Capa, provavelmente seja a âncora para transformar um investimento não-prioritário na área educacional em senha para um salto de qualidade industrial no Grande ABC, que, ao contrário do que se verificou nos últimos anos, por conta de reestruturação acelerada e imprevidente no setor automotivo que ceifou milhares de postos de trabalho, poderia estimular o emprego industrial nas pequenas e médias empresas do setor.


Voltaremos ao assunto.


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