Regionalidade

União é a senha
para ter dinheiro

MALU MARCOCCIA e CARLA FORNAZIERI - 05/06/2003

A falta de integração custa caro à institucionalidade do Grande ABC e mais ainda ao parque econômico. Por falta de alianças sólidas entre institutos de pesquisas, escolas e empresas, a região deixa de atrair financiamentos para novos processos produtivos e de gestão, já que a maior parte desses recursos -- oficiais ou a fundo perdido -- exige parcerias. "Verba existe, mas não temos sinergia entre os vários agentes para fechar bons projetos. Por isso perdemos financiamentos para outros pólos industriais" -- lamenta o empresário Hitoshi Hyodo, dirigente do Centro das Indústrias de São Bernardo e diretor da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico. 

Com ele faz coro outro empresário, Mauro Miaguti, que questiona a mobilização do Grande ABC na forma de Consórcio de Prefeitos, Fórum da Cidadania e Câmara Regional, nenhum capaz de seduzir a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado) no recém-lançado programa Arranjos Produtivos Locais. Esse programa pretende incrementar pequenas empresas de uma mesma cadeia econômica, como ocorrerá em Mirassol (mobiliário), Limeira (bijuterias), Ibitinga (confecção e bordados) e Vargem Grande do Sul (cerâmica), enquanto no Grande ABC clusters potenciais como plásticos e cosméticos foram solenemente esquecidos, como mostrou LM na Reportagem de Capa de maio.

Hitoshi Hyodo e Mauro Miaguti falaram ao Unifórum ABC, movimento que reúne 10 universidades preocupadas com a qualificação da mão-de-obra e empenhadas em ajudar na revitalização econômica da região, o que despertou esperança nos dois dirigentes. "Os pólos do Interior de São Paulo floresceram à sombra das academias que atenderam sobretudo a pequena empresa" -- diagnostica Miaguti, que é também diretor do Departamento de Tecnologia da Fiesp. Hitoshi Hyodo cobrou do Ensino Superior a democratização de pesquisas e estudos, geralmente dispersos e guardados nas bibliotecas de cada instituição. "As poucas informações sobre o Grande ABC são também pouco divulgadas. O Poder Público em São Bernardo começou a mapear sua economia e estamos descobrindo fatos novos como a grandeza da indústria farmacêutica e de cosméticos" -- citou Hitoshi, acendendo uma luz para onde se pode caminhar, já que as universidades reconhecem desconhecer o Grande ABC pós-globalização. 

Não foi somente a academia, entretanto, que deixou de adaptar a grade de ensino às velozes mudanças na economia regional na última década. Também quem dá empregos ignorou a construção de uma mão-de-obra mais bem preparada a partir dos bancos escolares e contribuiu para o atual cenário de universitários pouco sintonizados com as necessidades profissionais da região. Acossadas pela competitividade da globalização, o que incluiu rever estruturas de produção, cargos e salários, e com o desemprego subindo as paredes, as organizações não tinham olhos para o que as faculdades estavam formando. "Corríamos atrás de especializações específicas. Não importava o que vinha de novo nas profissões, pois o mercado não absorvia" -- admite Mauro Miaguti, aprofundando a explicação sobre por quê as universidades e o parque econômico caminharam tão distantes nos últimos anos de chumbo no Grande ABC, de evasão de indústrias, enxugamento de fábricas e avanço de um setor terciário de baixo valor agregado. 

Carlos Diegues, da Kayac de São Bernardo, coloca-se como exemplo da perversa lógica regional de alunos mal formados ou preparados fora do que a região precisa, o que leva as empresas a capacitar a própria mão-de-obra ou a buscar profissionais forjados em outras localidades. "No berço da indústria automobilística não temos cursos abertos específicos para esse setor. Também não há nada na minha área, de bens de capital" -- queixa-se. Há três anos ele e empresários de mecânica e máquinas se socorrem na Fundação Salvador Arena, única na região com educação técnica adequada ao que precisam.

Carlos Diegues acha fundamental aos alunos aprenderem profissões dentro das empresas enquanto ainda fazem o curso, não depois de diplomados. Sugere que no último ano de cada habilitação a maior parte ou todas as aulas sejam realizadas in company. Isso daria outra velocidade ao aprendizado e às necessidades específicas das empresas e ainda eliminaria um gargalo sempre citado pelo professor da UniFEI Rubens da Silva Mello, de que a academia tem limitações orçamentárias para estar sempre adquirindo as versões mais modernas de softwares e de equipamentos destinados às aulas práticas. Mauro Miaguti, do Ciesp-Fiesp, sugere ao Unifórum trabalhar com um setor-piloto para medir o que está certo e errado na oferta de profissionais e pesquisas do Ensino Superior. Propôs a formação de um grupo de 20 empresas e indicou como experiências promissoras as cadeias de autopeças (com ênfase para a eletrônica embarcada) e de plásticos. Não precisamos criar pólos novos, e sim potencializar o que já temos" -- sentencia. Exemplo foi dado em maio pela parceria entre Universidade Metodista, Senai, Sebrae e Agência de Desenvolvimento Econômico com curso de Técnicas de Liderança para o segmento de embalagens plásticas.

O novo cenário econômico do Grande ABC dá a chave para outro importante passo a seguir nos bancos escolares: a formação de empreendedores. Independente de montarem o próprio negócio, jovens estão saindo das escolas sem noção do que é uma empresa e nenhuma visão de empreendedorismo, reclamam os empresários. "Principalmente no ABC, 95% querem ser empregados de multinacional. Isso é irreal hoje. Pólos como Franca e Limeira se destacaram porque os jovens, sem grandes empresas na cidade para trabalhar, tiveram que empreender por conta própria" -- aponta Mauro Miaguti. 


Má-postura -- A questão comportamental também desperta reflexões fora da escola. O supervisor do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola) na região, Valter Polidoro, preocupa-se com a má postura dos jovens na fase de estágio ou já na experiência do primeiro emprego. "Considero a situação crítica. Muitos sequer sabem por quê fazem determinado curso, parecem pouco conscientes sobre o mercado que escolheram e têm conduta comportamental inadequada" -- relata. 

Esse assunto foi abordado também por outro grupo do Unifórum, o comitê Projeto de Vida, que se reuniu sob o tema Conhecimento, Profissionalização e Realização Pessoal: Premissas Para um Projeto de Vida. A falta de perspectiva e engajamento do universitário mergulhado em pressões de mercado foi apontada como fator de desestímulo à academia. Sob mediação da professora da Foco (Faculdade Octógono), Heloísa Gomes, agentes de diversas áreas da educação deram testemunho inquietante: os universitários não traçam metas de vida e comprometem a escolha profissional por não levarem em consideração aptidões reais, realização pessoal e amor pelo ofício.

A necessidade cada vez mais premente de ter o diploma nas mãos anula a idéia de que a universidade deve levar à construção do conhecimento. Os debatedores admitiram que há falha dos professores no estímulo aos alunos, o que se somaria à falta de orientação familiar, à distância entre a lousa e a prática diária e à deficiência do Ensino Básico, que está levando às carteiras universitárias jovens com dificuldades cognitivas. O Unifórum volta a esse tema neste 5 de junho com a intenção de descobrir meios de aplicar injeções de ânimo nos estudantes para que a tríade conhecimento-profissionalização-realização não seja conceito isolado.


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