Pelo andar da carruagem de proselitismo que ameaça saltar do colegiado que está sendo preparado para debater e definir o perfil da Universidade Pública Federal do Grande ABC, o mínimo que se pode esperar é que se corre um grande risco de termos um assembleísmo de viés social em vez de prevalecer um perfil estritamente voltado à economia de mercado.
A premência de redução do quadro de exclusão social por meio, entre outros, de uma Escola Superior gratuita direcionada à recomposição do tecido industrial que contempla as atividades químico-petroquímicas e sua longa cadeia de pequenos e médios negócios é a estrada mais ampla que se abre.
Aliás, discorremos sobre o assunto na edição de ontem desta newsletter. Numa situação de rara e involuntária combinação estratégica — que a comitiva regional em Brasília jamais se deu conta — as duas promessas do presidente Lula da Silva se encaixam como luvas: a Universidade do Grande ABC e a expansão do Pólo Petroquímico de Capuava são espécies de irmãos siameses tão óbvios que apenas os pouco letrados economicamente não são incapazes de identificar.
Tão chocante quanto o fato de a comitiva regional ter ido ao governo federal de mãos abanando, porque nada tinha para expor além de uma idéia fixa na cabeça e nenhum programa efetivo na mão, é a tentativa de negar a incompetência gestora pró-universidade e afirmar, como está no Diário do Grande ABC de hoje, que a ausência de uma proposta pedagógica e curricular se deve — vejam só que grande lorota — à diversidade de estudos.
O repórter não cita o autor de tamanha desfaçatez mas, pela contextualização da matéria, infere-se que seja a prefeita de Ribeirão Pires, Maria Inês Soares, também presidente do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos. Trate-se ou não de declaração de Maria Inês — é possível que seja, porque é useira e vezeira em dourar a pílula regional — o fato é que não passa de disparatada orquestração dos fatos.
O Grande ABC foi a Brasília sem saber o que de fato pretende — depois de mais de duas décadas de insistente reivindicação de Escola Superior gratuita.
A salvação da lavoura do vexame partiu do próprio ministro da Educação, Tarso Genro, que, bem assessorado, entregou aos visitantes um modelo precário ou não do que poderia ser a estrutura dorsal do fruto do investimento decidido pelo presidente da República, também presente ao encontro.
A rapidez com que Lula da Silva respondeu ao desejo da comitiva regional tem muito a ver com a necessidade de oferecer ao Grande ABC uma prova contundente de que, egresso da região, não se esqueceu das origens no Palácio do Planalto. Acossado pelos quatro deputados federais petistas que representam o Grande ABC no Congresso Nacional, Lula da Silva mobilizou assessores nos dias que precederam o encontro e surpreendeu os visitantes despreparados para racionalizar o tempo ou pelo menos para maquiar a falta de integração regional.
O Consórcio de Prefeitos é ainda um simulacro de regionalidade quando suas ações se confrontam com as emergências das pautas locais. Sem contar que são sistemáticas as ausências do prefeito Luiz Tortorello.
Caberá ao Consórcio de Prefeitos e à Câmara Regional (esta, então, realmente ficcional) a formação de uma equipe de trabalho que elaboraria o projeto da Universidade Pública do Grande ABC.
Segundo o noticiário, os prefeitos vão indicar sete representantes. Outros três serão apontados pelos parlamentares da região, cabendo na cota de participantes dos legisladores um dos deputados federais, um dos deputados estaduais e um dos vereadores. Com isso, chegamos a 10 integrantes. Os seis restantes viriam individualmente do governo estadual, sindicalistas, empresários, Fórum da Cidadania, Fórum das Universidades e Movimento Pró-Universidade Pública.
Tomara que esse grupo de viés estatista tenha o mínimo de discernimento sobre a realidade do Grande ABC e consiga desvencilhar-se do redemoinho de proselitismo social ultrapassado que impregnou os passos tradicionais do movimento.
A presença, em tese, de um único representante das atividades produtivas é sintomática da tomada conceitual da Universidade Pública por elementos estranhos ao mundo do compromisso com o desenvolvimento econômico. Sou capaz de apostar com os leitores que, resolvida nominalmente a formação desse colegiado, nenhum deles terá apresentado até a aprovação ou mesmo nos dias seguintes à notícia do Palácio do Planalto qualquer estudo que o credencie de fato a tornar sua presença indicadora de meritocracia. Vou adorar perder a aposta porque o que interessa de fato é essa espécie de provocação que elevará o grau de comprometimento do setor público com os destinos da universidade federal.
O que se depreende preliminarmente da embocadura desse agrupamento ainda não nominado é que os prefeitos do Grande ABC, pouco afeitos às atividades econômicas e bons de bola na área social, vão ditar um ritmo delineador de um modelo provavelmente distante das necessidades socioeconômicas do Grande ABC.
A formulação que apresentamos ontem em torno de que os primeiros cursos da Universidade do Grande ABC sejam dirigidos a uma espécie de Universidade do Plástico, exatamente por combinar a criação da escola e o aumento da produção da Petroquímica União, é tão obviamente doutrinadora do espectro que se pretende para a escola que, não duvido, o colegiado fará questão de contrariá-lo. Por que? Pelo simples prazer de adotar um modelo à parte da própria obviedade.
Entregar o comando estratégico de um colegiado pró-universidade a um conjunto de prefeitos especialistas em ações sociais e em arrecadação tributária para recompor os buracos da desindustrialização tem o mesmo sentido de colocar a raposa para cuidar das uvas. Por mais proeminente que seja a função de cada chefe de Executivo, o fato é que o Grande ABC tem experiência de sobra em fracassos econômicos também de responsabilidade local, além dos desinteresses e omissões do governo do Estado e da União, que o bom senso indicaria outro caminho.
Premido pelo tempo e por uma agenda extraordinariamente pesada nesta sexta-feira, darei continuidade a este artigo na próxima semana. Até lá, quem sabe, o que se insinua como formato desse colegiado de não-especialistas acabe sendo pulverizado pelo sentimento de regionalismo produtivo que ainda deve resistir em alguns guetos.
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11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS