Regionalidade

Muito longe da
institucionalidade

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/10/2003

Treze anos depois dos primeiros passos da integração regional com a criação do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, o Grande ABC ainda está fragmentado e corre atrás da institucionalidade de que precisa para superar os obstáculos socioeconômicos. A constatação de que a propalada articulação regional não passa de esboço do modelo minimamente necessário ficou clara no seminário Reconhecimento Institucional das Entidades Regionais, promovido pela Câmara Regional, Consórcio e Agência de Desenvolvimento Econômico.

A melhor síntese das experiências de articulação regional foi formulada pelo cientista político Luis Fernando Abruccio, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Embora preocupado em não soar duro demais diante dos anfitriões que o receberam no auditório do Consórcio Intermunicipal -- e o maior sintoma disso é que deixou para o final da exposição as considerações amargas relacionadas ao Grande ABC --, Abruccio não deixou de apontar buracos na regionalidade. "A experiência do ABC é uma das mais bem-sucedidas do País, mas a articulação regional com o governo estadual ainda é muito mal resolvida, a articulação regional com outras regiões metropolitanas como a Baixada Santista também é muito mal resolvida, além de a articulação do Grande ABC com o governo federal estar engatinhando" -- afirmou.

O professor relatou que experiências regionais fora do Brasil mostram que é possível ter soluções mais formais, com um quarto nível de governo, ou mais informais, sem um quarto nível necessariamente. "Mas tanto em um caso quanto em outro, é preciso criar uma estrutura de decisão que estabeleça obrigações mútuas entre os participantes e permitam ir além da vontade dos prefeitos de ocasião" -- observou o especialista, que era amigo de Celso Daniel e colega de docência na FGV.  

O quarto nível de governo ao qual Fernando Abruccio se refere diz respeito a transformar as instâncias regionais em novo ente federativo, assim como são os municípios, Estados e a União. Trata-se, segundo o próprio especialista, de sonho difícil de alcançar porque dependeria de alterações constitucionais improváveis num País marcado por interesses políticos e territoriais múltiplos. Mas, como ele mesmo aponta, a definição de um quadradinho a mais no organograma político-administrativo brasileiro não é condição para a efetividade da articulação regional nem deveria ser prioridade uma vez que há intervenções muito mais simples, porém fundamentais, ao alcance das lideranças públicas. Entre as quais varrer a competição intermunicipal na área tributária, a chamada guerra fiscal.

Outro desafio interno que independe de novo desenho institucional, embora não apontado por Fernando Abruccio, é fazer com que o apelo da regionalidade fale acima de eventuais interesses político-partidários. Somente os cinco prefeitos da região vinculados ao Partido dos Trabalhadores participaram do seminário. William Dib, de São Bernardo, e Luiz Tortorello, de São Caetano, não apareceram. 

Por mais que o modelo de articulação regional esteja incompleto e inspire intervenções profundas, há sempre quem esteja disposto a vender a obra inacabada como supra-sumo da institucionalidade do País. A prefeita de Ribeirão Pires, Maria Inês Soares, extratifica o tipo peculiar de observador seletivo que faz vistas grossas às deformidades com a mesma naturalidade com que enfatiza as supostas conformidades. Incumbida de falar sobre o tema Evolução e Perspectiva da Política Regional no Grande ABC, Maria Inês sequer fez menção aos desafios e obstáculos apresentados por Fernando Abruccio, que se apresentou pouco antes. Depois de descrever a cronologia de criação das instâncias regionais desde o lançamento do Consórcio em 1990, passando pelo Fórum da Cidadania em 1994, pela Câmara Regional em 1997 e pela Agência de Desenvolvimento em 1998, a prefeita concentrou a retórica na valorização das parcas realizações dentro do universo de mais de 50 acordos assinados com o governo estadual no âmbito da Câmara Regional. 

Ao dar-se publicamente por satisfeita com a construção de piscinões, com a realização de pequenas obras viárias e outras poucas demandas pontuais que não dizem respeito ao eixo do desenvolvimento econômico sustentável que deveria ser a expressão de ordem numa região que perdeu 39% de riquezas industriais apenas nos últimos oito anos, Maria Inês demonstrou visão limitada para uma liderança pública do século XXI e ainda jogou contra o patrimônio da regionalidade. Afinal, perdeu a oportunidade de fazer pressão regional junto a interlocutores especiais, já que compartilhava a mesa com o subchefe de Assuntos Federativos da Casa Civil, Vicente Trevas, o diretor-presidente da Emplasa, Marco Campagnone, além de Fernando Leça, secretário de Governo do Estado. A julgar pela exposição da prefeita, os emissários governamentais devem imaginar que o Grande ABC já está tão bem servido que contribuições adicionais seriam redundância. 

Os atentados ao bom senso cometidos pela prefeita de Ribeirão Pires podem ser enquadrados em diversos níveis de gravidade. A exibição de uma foto em que ela aparece na cerimônia de inauguração da Câmara Regional, em março de 1997, demonstra valorização excessiva do passado em detrimento da inadiável capacidade de vislumbrar os desafios do presente. A citação do Fórum da Cidadania como reforço ao conceito de mobilização regional é no mínimo enganosa, na medida em que omitiu o complemento substancial de que o organismo vegeta.  

Mas os maiores deslizes de Maria Inês Soares foram registrados quando falou sobre o que julga serem as grandes realizações do Consórcio de Prefeitos. Ela citou a Lei de Incentivos Seletivos e a lei de unificação de alíquotas como exemplos de trabalhos produzidos pelo organismo do qual faz parte.

Até as matas ciliares dos mananciais que cobrem a maior parte do território regional sabem que a propalada Lei de Incentivos não trouxe resultados mínimos esperados entre outros motivos porque os critérios para enquadramento de empresas são quase impossíveis de serem contemplados, como a exigência de não se ter débitos fiscais. Apenas uma empresa, a Inox Tubos, pode ser contabilizada como saldo positivo e mesmo assim de maneira forçosa, porque a empresa centralizou operações em planta que já mantinha em Ribeirão Pires após a entrada da lei em vigor. Já a referida lei de unificação de alíquotas para evitar a guerra fiscal esgota-se na teoria quando se sabe que pelo menos três cidades exercitaram rebaixamento de alíquotas de ISS (Imposto Sobre Serviços) para atrair sedes do terciário: Rio Grande da Serra, São Bernardo e mais vigorosamente São Caetano.

Durante a curta exposição, Maria Inês também não perdeu a oportunidade de atacar com sutileza quem não enxerga a região com as lentes cor de rosa que a prefeita usa. "O fomento do marketing regional foi um dos objetivos que nortearam a criação da Agência de Desenvolvimento, porque estávamos passando por um momento em que tudo o que se falava a respeito do ABC eram coisas negativas, era como se não tivesse nada positivo" -- disse. 


Adensamento -- Muito mais equilibrada foi a exposição de Jorge Rosa, diretor-geral da Agência de Desenvolvimento Econômico. Forjado na iniciativa privada, mais especificamente no Pólo Petroquímico de Capuava onde atua, Jorge Rosa mostrou por que o Grande ABC vive crise peculiar sobreposta a estagnação da economia brasileira. O executivo explicou que muitos dos aspectos que tornaram a região atrativa principalmente a partir das décadas de 50 e 60 são os mesmos que têm afastado as indústrias nos últimos anos. Em décadas passadas, a região posicionada na periferia da metrópole paulistana era concorrida pelas indústrias porque, além da localização geográfica entre o principal mercado consumidor e o Porto de Santos, oferecia terrenos abundantes por preços competitivos. 

Nos últimos anos a condição fundiária de competitividade passou a ser buscada bem longe daqui por conta de fatores que vão do adensamento populacional local ao desenvolvimento das estruturas rodoviárias que relativizaram antigas noções de distância. "Um dos problemas do Grande ABC é que grandes indústrias precisam de muito espaço e têm dificuldade em se instalar em regiões densamente povoadas. Hoje as grandes indústrias procuram principalmente o Interior de São Paulo, norte do Paraná, sul de Minas e Rio de Janeiro, para permanecer relativamente próximas da Capital paulista" -- apontou.

"Alguém imagina que uma Rhodia se instalaria hoje onde está, a sete quilômetros do Centro de Santo André? Alguém imagina que uma GM se instalaria na Avenida Goiás hoje?" -- questionou o executivo. Além de identificar um dos motivos por trás da desindustrialização, Jorge Rosa abordou o impacto da globalização e da consequente corrida tecnológica sobre a compactação dos empregos. Como exemplo citou o caso da própria empresa em que trabalha, a Petroquímica União, que já teve 1.150 trabalhadores na década de 70 e hoje soma 550 com produção muito maior. 

"O lado complicado é que o desenvolvimento do passado trouxe forte corrente migratória que não encontra oportunidades num cenário de esvaziamento econômico e de enxugamento dos quadros funcionais. Foi nesse contexto de crise que a sociedade regional se aglutinou em busca de soluções na década de 90" -- contextualizou.

Com disposição para auto-crítica que a prefeita de Ribeirão Pires pareceu desconhecer, Jorge Rosa lembrou que o relacionamento institucional entre a Agência de Desenvolvimento e as prefeituras é uma questão ainda em aberto. "Há o risco de um trabalho da Agência vir a se sobrepor ao trabalho de uma Secretaria de Desenvolvimento. Há também o receio de que as prioridades da Agência não correspondam à expectativa do poder público" -- disse o executivo, numa pista de quanto a integração regional precisa avançar para os resultados necessários.

A intervenção de Fernando Leça, secretário do governador Geraldo Alckmin que atuou como coordenador da mesa, seguiu a linha realista de Jorge Rosa. "A região era conhecida como um eldorado por ter sido favorecida pela industrialização. Mas nas últimas duas décadas tivemos um esvaziamento muito mais forte do que em qualquer outra localidade brasileira. O que se faz aqui é buscar a retomada das condições para o desenvolvimento" -- reforçou.


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