Regionalidade

A solução está
mesmo na união

MALU MARCOCCIA - 05/10/2003

O empresariado brasileiro está sendo derrotado pelo próprio modelo de fazer negócios. Fica confinado na empresa, não age em sinergia com fornecedores e vizinhos, e ainda torce para que o concorrente quebre a fim de tomar-lhe os clientes. Para sair do apuro da falta de competitividade, poucos pensam que a aproximação entre agentes econômicos, governamentais e da sociedade é absolutamente decisiva para recriar novos modelos de desenvolvimento. "Além de isolado, o empresário brasileiro não tem capacidade de ir diretamente ao público-alvo. Há sempre um intermediário entre produtor e cliente" -- cutuca Paulo Gabriel Souza, especialista em ferramentaria, técnico do pólo de moldes de Marina Grande, em Portugal, e há dois anos diretor da filial da Jet Moldes em Mauá. 

Paulo Souza foi um dos expositores no painel Experiências Internacionais do seminário sobre configurações produtivas promovido pela Agência de Desenvolvimento Econômico. Não surpreende que o executivo português se espante com a postura de competição no Brasil. Em Portugal, o associativismo foi central para colocar o país entre os maiores produtores mundiais de moldes. As 250 pequenas e médias ferramentarias de Marina Grande, por exemplo, exportam em cooperação nada menos que 90% da produção e geram 7,5 mil empregos. Separados por milhares de quilômetros, pela língua e por plataformas produtivas diferenciadas, Portugal, Itália e China têm em comum experiências de reconversão econômica no melhor estilo de regionalidade apregoada por Michael Porter, segundo quem é no limite da tensão social que a comunidade tem de se aliar para superar as dificuldades -- um aprendizado difícil no pouco integrado Grande ABC, mas que foi base das ações reformadoras no desindustrializado norte de Milão, no ameaçado pólo de moldes de Marina Grande e na populosa e periférica Tianjin.

As três experiências tiveram como origem crises econômicas que ameaçavam triturar localidades inteiras. Marina Grande, cujo pólo data de 1929, impulsionou-se após a arrasante 2ª Guerra Mundial diversificando do aço para moldes de injeção plástica, enquanto o norte de Milão e Tianjin fugiram do tornado da globalização especializando-se em pequenas empresas tecnológicas. Todas as experiências mantiveram em ponto de fervura um velho conhecido do instinto humano -- a união de forças para sobreviver, incluindo aí fornecedores amigos, concorrentes inimigos, entidades de classe geralmente dispersas e o quase sempre ausente poder público, que nesses casos internacionais foi decisivo para aproximar as partes e induzir ao novo modelo de desenvolvimento.


Desindustrialização explícita -- Com a abertura comercial e a zona unificada do euro, o norte de Milão viveu período tão demolidor como o do Grande ABC. "Ficamos com três milhões de metros quadrados de áreas industriais abandonadas. Dos 30 mil empregos em 1950, mais de 20 mil haviam desaparecido até meados da década passada. Perdemos as três principais empresas, Falck, Breda e Marelli, o que também nos causou grande crise de identidade, já que nossas siderúrgicas e metalúrgicas eram os motores da Itália. Perguntávamos: como passar de uma economia fordista para pós-fordista?" -- relatou Renato Galliano, diretor técnico da Agência de Desenvolvimento local, que não usou outra definição para o cenário italiano senão o de desindustrialização, ao contrário de Maria do Carmo Romeiro, mediadora dos debates e pesquisadora do Imes de São Caetano. 

Maria do Carmo insistiu na metafórica expressão "transferência de empresas" para se referir ao enxugamento produtivo e à fuga de indústrias do Grande ABC. Usou o instável argumento do desemprego como critério pouco confiável para medir a transformação industrial da região, citando que as novas tecnologias adotadas por quem ficou são poupadoras de mão-de-obra. A professora não fez referência, entretanto, a um termômetro fiel de perdas industriais, representado pelos tombos sistemáticos do ICMS e do Valor Agregado da transformação industrial. Somente nos últimos oitos anos, o Grande ABC perdeu 39% de VA, conforme números da Secretaria de Estado da Fazenda cruzados por LivreMercado. A pesquisadora do Imes se rendeu, porém, às evidentes falhas na integração regional. "O ABC tem a peculiaridade de se organizar em Consórcio de Prefeitos, Câmara e Agência Regional, mas temos carências no processo operativo, ou seja, em como operar as experiências existentes e as novas sugestões" -- transigiu.

Foi a firme aproximação entre os atores sociais e econômicos, entretanto, que virou o jogo de Sesto San Giovani, Cologno Monzese e Cinisello Balsamo, na região norte de Milão, que somam pouco mais de 230 mil habitantes. Empresas, prefeituras, Estado, câmaras de comércio, bancos, sindicatos trabalhistas e cooperativas de artesãos se associaram em torno da Agência de Desenvolvimento local com dois firmes propósitos: estimular um pólo de pequenas empresas para não ficar vulnerável ao hermetismo de multinacionais, e dar durabilidade ao novo caráter econômico semeando áreas emergentes que realmente interessavam à região: telecomunicações, informáticas e serviços de comunicação. Três estruturas deram suporte à empreitada: incubadoras de empresas, revitalização urbana e o BIC (Business Inovation Century), para apoio financeiro e de inovação tecnológica, entre outros. As ações foram pensadas em detalhes. Os financiamento, por exemplo, não foram individuais. "Preferimos comprar e reurbanizar as regiões abandonadas para vender às empresas com preços menores" -- descreveu Galliano.

Para se impor na nova paisagem econômica, o pólo português de moldes de Marina Grande não viu outra saída senão o associativismo. As empresas de aço expandiram abraçadas às de moldes, criando um forte cluster local. A Cefamol, que reúne os interesses do setor, cuida desde a qualificação profissional, pesquisa e difusão de novas tecnologias até da divulgação em feiras e de um manual para uniformizar procedimentos. Em 1991 o braço forte de entidades públicas veio na forma do Centimfe, um centro de apoio tecnológico que enlaça institutos tecnológicos, associações de fabricantes, Ministério da Economia e Fundo de Desenvolvimento Regional da União Européia. "O associativismo dá forças para o conjunto de empresas procurar novos clientes e desenvolver tecnologias. Também facilita os financiamentos públicos, porque incentiva a implantação de pólos industriais com créditos mais baratos" -- expôs o executivo Paulo Gabriel Souza.

Embora uma experiência induzida pela pesada mão estatal do governo chinês, a reconversão de Tianjin mobilizou os esforços em um único alvo: ser um centro de alta tecnologia. O resultado foi compensador: 69% das empresas são de ponta, sobretudo na área de processamento de dados, e 11% produtoras máquinas. Ex-região fortemente ancorada na indústria pesada, essa cidade portuária de 10 milhões de habitantes historicamente perdia investimentos para a Capital Pequim, um poderoso centro de decisões políticas, financeiro e com maior poder aquisitivo a apenas 150 quilômetros de distância. 

A proximidade com a metrópole, porém, foi transformada em vantagem. "Por ser o principal porto de desembarque para Pequim e pela necessidade de atender a pressão de uma região tão populosa, em 1984 o governo transformou a cidade em Área de Desenvolvimento Estatal, espécie de zona franca com isenções de impostos, alfândega facilitada, investimentos garantidos do governo e outros incentivos" -- descreveu Richard Liu, da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China. 

Nos últimos 20 anos, a região atraiu oito mil empresas e US$ 10 bilhões em investimentos, metade vinda de Hong Kong e Tawian. Apesar do comunismo, a população vota no tipo de indústria que quer. Hoje a China tem 48 áreas especiais de desenvolvimento (com mais de 10 milhões de pessoas e sob direção direta do poder federal). O êxito dessas revitalizações planificadas leva o governo agora a pulverizar a experiência para também desenvolver o interior do imenso território chinês, explicou Liu.


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