Sociedade

Vantagens e desvantagens
da universidade fragmentada

DANIEL LIMA - 17/06/2004

O entendimento desse capítulo da Universidade Federal do Grande ABC, em fase de gestação para definição legal do Ministério da Educação, depende da exposição de alguns dos pontos nucleares definidos anteontem no encontro do Consórcio de Prefeitos, comandado por Maria Inês Soares, titular do Executivo de Ribeirão Pires. Publicou-se que a universidade terá cursos e campus em todas as cidades da região, que os cursos serão voltados ao potencial e à vocação de cada uma das cidades e que contribuirão para o desenvolvimento tecnológico da região. O que dizer?

A fragmentação apresenta aspectos positivos e negativos que precisariam ser avaliados com atenção.

As virtudes de campus municipais aproximariam o potencial de recursos humanos em busca de qualificação técnica à operação física da unidade. Do ponto de vista logístico, estudantes e corpo funcional poderiam ser beneficiados, desde que sejam majoritariamente residentes no Município vocacionado à empreitada.

Também pesaria a favor da medida o que chamaria de ambiente da produção. O que vem a ser isso? Um campus em Diadema direcionado à indústria de cosméticos, por exemplo, provavelmente teria mais intimidade com a ponte entre academia e empresas. A massa crítica dos mais interessados no perfil poderia facilitar a operação.

Entretanto, a pulverização locacional da Universidade Pública Federal enseja possibilidade de arrefecimento dos cordéis de racionalidade dos recursos orçamentários. Custos fixos de manutenção serão ampliados na exata medida da quantidade de campus. Além disso, dependendo da conformação pedagógica, o modelo poderia trincar a cultura homogênea da instituição.

Se a multiplicação da Universidade Pública Federal replicar o conceito de células de produção do setor industrial tudo estará bem encaminhado. A costura de diferentes áreas de ensino de uma mesma organização é condição decisiva ao enquadramento conceitual numa mesma bitola de respostas práticas às necessidades regionais. É indispensável uma instância de poder com competência para evitar que a dispersão de objetivos e metas seja igualmente atomizada, na esteira do espalhamento dos campi.

Não é tarefa fácil, entretanto, no campo governamental, impedir que pulverização deixe de aliar-se a dispersão. Agrava-se a perspectiva de fracionamento de sete municípios que se fingem de aliados incondicionais mas que, de fato, engalfinham-se nos bastidores quando se apresentam possibilidades de conquistas.

Dane-se, nessas oportunidades, até mesmo a suposta cumplicidade partidária. Rio Grande da Serra levou para seus cofres receitas tributárias de ISS (Imposto Sobre Serviços) de Santo André ao atirar-se à guerra fiscal. Como se sabe, os dois municípios são dirigidos pelo PT. A farra só acabou, com a volta dos que foram, porque o Congresso Nacional cortou as asas dos prefeitos mais ousados na política de rebaixamento de alíquotas.

Aliás, há um cheiro da brilhantina da repartição territorial da Universidade Pública Federal incentivada muito mais pela adoção de relacionamento político-partidário-municipalista do que propriamente pela convicção econômica e curricular das vantagens que o modelo emitiria.

Nesse ponto, é difícil mesmo controlar os pecadilhos de um separatismo territorial que coloca os administradores públicos na marca de pênalti, caso ignorem as respectivas pressões que decorreriam de eventual opção por um único campus. Ou seja: a prática da regionalidade na área governamental, dadas as especificidades de um Grande ABC forjado a partir do próprio ventre de escaramuças emancipatórias, está mais para uma maratona do que 400 metros com barreiras.

De qualquer modo, muita água há de rolar sob essa ponte de amarração estratégica. Espera-se que o Consórcio de Prefeitos tenha a necessária humildade de entender que a Universidade Pública Federal não poderá ficar refém de interesses localizados e muito menos cometer o sacrilégio de, ao dobrar-se à evidência de que precisa cair no colo dos objetivos de desenvolvimento econômico, manter os agentes econômicos locais distantes das discussões.

Mais que isso: que não aja tardiamente como na manutenção do escopo do próprio Consórcio, só agora considerado obsoleto a ponto de se contratar a Fundação Getúlio Vargas para lhe dar novo formato, e solicite o suporte de consultoria nessa fase de definições que demarcarão o sucesso ou o fracasso do presente do presidente da República.



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