Não faltam cenaristas na praça. Eles industrializam situações que suas mentes geralmente turvas supõem realidade. Criam fantasias estapafúrdias. São paradoxais. Contraproducentes. Travestem-se de vestais, mas caberiam em qualquer armário de prostituição. Arvoram-se detentores de sapiência. São loquazes. Convencem incautos. Sensibilizam ingênuos. Manipulam energúmenos. Hipnotizam amigos que preferem retirar qualquer véu de criticidade de seus discursos.
Quem ouve esses malabaristas semânticos sem a devida cautela, acaba por se enredar em argumentos vadios. Sim, porque eles são jactantes na verborragia de uma cultura de consumo que satisfaz as necessidades destes tempos de fast-food intelectual.
Seus discursos são ambíguos porque reproduzem suas próprias ambiguidades. Dizem-se independentes, donos do próprio nariz, mas sempre introduzem diálogos em nome de terceiros, de grupos de oposição a qualquer coisa, principalmente políticos.
Escorregadios, supõem que ao terceirizarem propostas, opiniões, deboches, ataques, malandragens, estariam erguendo uma rede de proteção. Mal imaginam que ao subestimar a sensibilidade alheia cometem o pecado da gula intelectual.
Como são ambíguos, também se autonomeiam livres para decidir o que acham que deve ser decidido. Panfleteiam declarações. Organizam idéias muitas vezes surrealistas. São interlocutores nem sempre no melhor da razão. Principalmente quando a noite chega e o happy hour é imperdível. Ao navegar nas águas etílicas de um gole de uísque aqui, um conhaque ali, uma música mais solta acolá, uma conversa mais animada, eles pretensamente capturam a consciência alheia. Se locupletam, portanto, como invasores.
Apenas se esquecem que, passados os efeitos do álcool, do chega-prá-lá do estresse de uma jornada de trabalho mais longa e cansativa, suas arremetidas se dissolvem como o gelo do último drinque.
São bobalhões esses predadores da vida alheia porque imaginam que têm consistência. É verdade que agradam a meia dúzia de sempre que, a falta do que fazer no presente, de planejar o futuro e do que se orgulhar do passado, jogam fora algumas horas de entretenimento e de trabalho. São vítimas conscientes do espertalhão da vez, porque sabem que aquelas baboseiras todas não passam, geralmente, de retaliações forjadas no recalque de uma vida em desarranjo a procura de uma bóia salvadora.
É difícil definir a ocupação profissional desses desavergonhados. Eles vivem como sanguessugas entre o setor privado e a atividade pública. De vez em quando fazem ancoragem no terceiro setor. Apenas para reabastecer o tanque de intrigas. O que mais gostam de fazer mesmo é de instaurar a desavença onde há união, de cultivar o medo onde prevalece a coragem, inocular a desconfiança onde há reciprocidade de fé, manipular a consciência onde há certeza de ética.
São, de fato, freelanceres da tempestuosidade improdutiva. Fazem barulho, cutucam e incomodam para ver a roda pegar. Preferem o breque de mão puxado, o desfiladeiro de insinuações. Localizá-los em meio a situações geralmente confusas é muito fácil: eles estão à frente do caos, mesmo que escondidos entre os supostos líderes. Agem nos bastidores certos de que em situação normal não passam mesmo de figurantes. Os protagonistas são seus financiadores, aos quais são excedidamente servis.
Mas nem por isso confiáveis. Podem mudar de lado a qualquer momento, desde que o adversário de hoje lhes acene vantagens. A dificuldade que encontram é que, de tão desastrados, não conseguem estabelecer ponte de confiança com adversários circunstanciais. Transformam a desavença ocasional geralmente em definitiva porque incendeiam relacionamentos. Não deixam pedra sobre pedra porque atiram para todos os lados.
É muito pouco provável que as vítimas desses abutres sejam tão condescendentes com a auto-estima a ponto de se permitirem a viabilidade de relacionamento afetuoso e confiável. Esses malversadores sociais são irrecuperáveis porque, como os escorpiões, têm gênese contraditória. São, portanto, previsíveis na imprevisibilidade patologicamente comprometida que, mais que os caracteriza, os estigmatiza.
Esses mal-ajambrados personagens da vida cotidiana conseguem desperdiçar todas as oportunidades. Geralmente querem estar onde desafetos estão não por ambição pessoal, mas por missão profissional. E quando tiveram a oportunidade de estar, fracassaram grotescamente.
Eles não vieram para construir mesmo que ruidosamente, como os grandes construtores sociais. Eles estão aí para exercitar um histrionismo canhestro e, por isso, lhes sobram apenas aplausos de minguados interlocutores. Alguns porque não merecem nada melhor mesmo. Outros porque se travestem generosamente de desolados recauchutadores humanos.
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11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS