Sociedade

Abaixo a mediocridade

DANIEL LIMA - 28/12/2004

O grande risco que se corre num País de Terceiro Mundo como o Brasil é a competência de se sujeitar à mediocridade. O aniquilamento do sistema de ensino ao longo de décadas e a industrialização de diplomas nos anos mais recentes colocaram no mercado gente intelectualmente desqualificada, tecnicamente flácida e moralmente pronta para o que der e vier. Não falta o extrato mais preocupante dessa salada mista, a arrogância.


O saudoso Roberto Campos já escrevia que o pior burro é o burro diplomado. No Brasil, há burros diplomados e com MBA que avocam dísticos universitários como salvo-conduto à estupidez.
Essa turma de medíocres, quando vista isoladamente, não oferece perigo algum. Entretanto, quando se junta em ambiente corporativo, por exemplo, o desastre pode ser total.


Entre muitos fatores que ajudam a explicar o desmoronamento de companhias privadas, de instituições públicas e de entidades sociais está o esgarçamento educacional, patrono da debilidade funcional no sentido mais amplo da expressão.
Como, então, escapar da enrascada de fugir de diplomas de fábricas de consórcios e se mover com respeito nos ambientes corporativos e institucionais?


A disposição individual para quebrar paradigmas do baixo compromisso com transformações, conta muito, muitíssimo.


Alguns ídolos do esporte podem ser requisitados como exemplos de talentos que só florescem, apesar de todas as armadilhas, se forem bem apurados. Zico, Pelé e Hortência são o encontro perfeito da fome de habilidades com a vontade de comer de aplicação.
Ainda outro dia acompanhei documentário do craque que levou o Flamengo a grandes conquistas.


O Canal Brasil reproduziu a biografia do agora técnico da seleção japonesa. Pobre, morador de subúrbio carioca, Zico enfrentou mil dificuldades para encontrar a glória. E isso lhe custou caro.


Depois do treinamento coletivo, ele se colocava sozinho. Fora da grande área, com uma barreira imaginária à frente. Zico chutava dezenas e dezenas de vezes contra o gol vazio.


Tolice? Loucura? Qual nada. Zico mirava sempre na mesma direção. Procurava acertar a chamada forquilha do gol sem goleiro. Entre a trave e o travessão pendurava uma camisa suada do treino. Seu desafio era estufar a rede também imaginária. Para isso, só valiam os chutes que derrubavam a camisa.


Zico sabia por intuição de craque que a presença de goleiro era dispensável. Seria impossível barrar a trajetória da bola desde que arremessada com força e jeito naquela área delimitada. Mais tarde, os jogos com goleiro e time adversários, estádios lotados, confirmavam a importância da preparação.


Pelé e Hortência também passavam horas depois dos treinos exercitando habilidades. Hortência arremessava a cada tarde pelo menos 400 vezes em direção à cesta. Persistentemente. Pelé chutava de todos os ângulos, cabeceava e driblava adversários virtuais.


Não há talento potencial que resista à vagabundagem. Passar horas e horas em frente ao computador para recolher pratos feitos é idiotice se for confundida com cultura. Deixar para depois o que se pode aprender agora é subestimar uma minoria que não perde tempo e que certamente aparecerá para tomar os poucos empregos valorizados de que o mercado dispõe.


A inquietação que toma conta dos produtivos é que eles são em regra igualmente éticos e socialmente responsáveis. Eles sabem que a artilharia muitas vezes se torna insuportável. O pacto de conservadorismo no sentido mais chulo do termo pode prevalecer.
A vida em ambientes corporativos é uma porta estilo bangue-bangue que tanto pode ter o caminho aberto por balas de inconformismo como pode conduzir o novo conviva a preferir o deleite da safadeza geral dos goles de uísque da indiferença diante da ameaça de ser alvejado mortalmente.


O que se recomenda diante da bifurcação de turbulência reformista e da mansidão conservadora? A maioria prefere puxar o freio de mão, refletir sobre o amanhã e postergar indefinidamente medidas profiláticas. Consolida-se de vez, nesses casos, ambiente razoavelmente harmonioso, mas de improdutividade aviltante para quem protagoniza e injusta para quem luta por espaço de trabalho.


A gravidade da situação depende da importância social do ambiente em questão. Há empreendimentos privados, públicos e sociais que não têm repercussão além dos próprios limites geográficos. Outros, entretanto, estabelecem valores, juízos, tendências. Tornam-se, portanto, muito mais constrangedores ou reformistas.


Nesses casos específicos, não há melhor remédio contra os medíocres do que a indignação. A indiferença conciliatória ou diplomática é forma de covardia funcional com nocivas ramificações sociais.


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