O comportamento da economia do Grande ABC sempre foi meticulosamente monitorado pela revista de papel LivreMercado. Enquanto a confraria dos insensatos e insensíveis pretendia vender a ideia de que o Grande ABC seguia uma maravilha da natureza econômica, LivreMercado já apontava a queda de geração de riqueza nos anos 1990.
Uma das ferramentas métricas era (e continua sendo com CapitalSocial), o Índice de Potencial de Consumo, espécie de PIB do Consumo, especialidade desde então do pesquisador Marcos Pazzini.
Esta é a centésima-trigésima-quinta edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma junção de LivreMercado e de CapitalSocial.
Terceiro lugar não disfarça
perda de riqueza desde 1991
DANIEL LIMA - 05/03/2000
O Grande ABC continua em terceiro lugar no ranking nacional de potencial de consumo. O dado faz parte de mais um rastreamento da Target Pesquisas e Serviços de Marketing, empresa com sede em São Paulo, mas as notícias que se desdobram da nova rodada da Pesquisa Brasil Em Foco 2000 não são satisfatórias. Principalmente para quem continua a espalhar pelo mercado que é fantasia a dura realidade de perdas econômicas que se aprofundaram a partir da abertura comercial no início dos anos 90 e também como consequência da guerra fiscal.
Com base nos estudos da Target, os sete municípios do Grande ABC tiveram o IPC (Índice de Potencial de Consumo) bastante abalado a partir de 1991, quando se iniciaram os trabalhos. Para se ter ideia da situação, faça de conta que você tinha US$ 100 naquele ano. Dez anos depois, 21,5% desse potencial de consumo viraram pó. Sobraram US$ 78,50 no bolso.
Os resultados do ranking do IPC da Target não surpreendem quem acompanha a realidade econômica e social do Grande ABC. Um balanço histórico do trabalho comandado por Marcos Pazzini, que tem o suporte de instituições oficiais de informações (IBGE, Seade, FGV, entre outras), reforça os estudos de LivreMercado.
O cruzamento dessas informações com a queda do consumo de energia elétrica industrial em período semelhante e também com o recuo da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) -- indicadores exaustivamente analisados por LivreMercado -- ajuda a derrubar teses ufanistas de crescimento da economia do Grande ABC defendidas por raros regionalistas que enfrentam as evidências com a mesma possibilidade de êxito de um peso-pena que decida desafiar Mike Tyson.
Perda bilionária
A perda conjunta de 21,5% no Índice de Potencial de Consumo medido pela Target entre 1991 e 2000 significa que o Grande ABC deste ano sofrerá redução de US$ 2,652 bilhões (bilhões mesmo) na capacidade de gerar riquezas. É quase o dobro dos orçamentos de todos os municípios da região previstos para este ano, ou cinco vezes o faturamento bruto da rede de supermercados Coop, com 10 unidades no Grande ABC e uma em São José dos Campos. A base desse cálculo são os US$ 425,2 bilhões previstos como consumo final das famílias brasileiras para este ano. A participação anunciada para o Grande ABC é de 2,28% no IPC Nacional da Target, contra 2,9% de 1991.
A região manteve o terceiro lugar na classificação nacional do IPC, atrás de São Paulo e do Rio de Janeiro. Mesma posição do início da década. A diferença é que cada vez mais é acossada por Belo Horizonte, Curitiba e Brasília, que ocupam colocações subsequentes.
Em 1991, o Grande ABC mantinha escasso distanciamento da quarta colocada, Belo Horizonte (2,9% contra 2,57%). Para este ano a diferença é semelhante (2,28% contra 1,96%), enquanto Curitiba e Brasília avançaram com mais fôlego na redução da diferença. Para Marcos Pazzini, a toada do Grande ABC deverá provocar alteração no ranking do IPC nos próximos três anos. Curitiba e Porto Alegre são as favoritas a ocupar o terceiro lugar nacional.
São Caetano ameaçada
Depois de liderar no início dos anos 90 o ranking nacional de potencial de consumo per capita, São Caetano continua ameaçada de cair para o quinto lugar, posição ocupada por Santos. São Caetano manteve o quarto lugar na nova rodada da pesquisa da Target em relação ao ano passado, mas a diferença que a separa de Santos continua desconfortável.
Em 1999, São Caetano detinha US$ 5.041,68 de potencial de consumo por habitante, contra US$ 5.031,01 de Santos. Agora São Caetano tem US$ 5.354,29, contra US$ 5.342,38 da cidade praiana. Apenas São Bernardo e Santo André, além de São Caetano, representam o Grande ABC na lista das 100 primeiras colocadas em potencial de consumo por morador: ocupam respectivamente o 11º e o 33º lugares, com US$ 4.799,17 e US$ 4.344,76.
A proximidade com a Capital de São Paulo, que tantas vantagens comparativas trouxe ao Grande ABC no processo de industrialização e de consumo, acabou se tornando efeito-cascata de complicações por força do saturamento metropolitano, sintetizado no rebaixamento da qualidade de vida. O esvaziamento econômico da metrópole está retratado no IPC da Target. São Paulo participava com 16,1% no bolo de potencial de consumo brasileiro em 1991 e este ano são esperados apenas 10,8%.
Queda metropolitana
A queda de 49% é um pouco menos grave se a equação for mais abrangente e envolver também os municípios do Grande ABC, Guarulhos e Osasco, que constam da mesma metrópole e da relação dos 20 melhores IPCs brasileiros. Em 1991, São Paulo, Grande ABC, Guarulhos e Osasco juntos atingiram IPC de 20,7%, contra 14,4% deste ano 2000. Uma diferença de 44%, igualmente sincronizada com a queda de participação relativa na arrecadação de ICMS e também no consumo de energia elétrica industrial.
A riqueza trocou de endereço, mas não de regiões no País. O Sudeste continua na liderança do IPC da Target. Na pesquisa divulgada em 1995, com dados de 1991, a Região Sudeste registrou 56,1% de participação no potencial de consumo, contra 53,5% em 2000. A Região Sul ficou com 16,4% em 1991 e 18,1% em 2000. A Região Nordeste saiu de 15,4% para 16,4% e a Região Norte manteve-se nos 4,8%. Esses números significam que a guerra fiscal afetou individualmente alguns Estados, mas não todos os municípios de cada região. As perdas da Região Metropolitana de São Paulo foram compensadas parcialmente com o deslocamento dos investimentos para o Interior paulista.
Ranking estadual
Três dos quatro Estados que compõem a Região Sudeste do Brasil estão na liderança do IPC da Target, mas apenas Minas Gerais conseguiu melhorar o desempenho entre 1991 e o ano 2000. Os mineiros cresceram 5,6%, contra apenas 3% dos fluminenses e queda de 9% dos paulistas. O Espírito Santo, único Estado do Sudeste fora do ranking dos 10 melhores do País, avançou no IPC, saindo de 1,6% registrado em 1991 para 1,66% este ano. O total de consumo previsto para este ano no Sudeste é de US$ 227,5 bilhões.
Os três Estados da Região Sul apresentaram resultados positivos entre 1991 e 2000. Rio Grande do Sul (de 7,29% para 7,77%), Paraná (de 5,76% para 6,71%) e Santa Catarina (de 3,38% para 3,64%) constituem a segunda força regional do País, com IPC estimado para este ano de US$ 77,1 bilhões.
Os nove Estados do Nordeste ocupam a terceira posição, com potencial de consumo previsto em US$ 69,7 bilhões nesta temporada. Só o Maranhão perdeu IPC entre 1991 e 2000. Os demais Estados (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) registraram crescimento, favorecidos principalmente pela guerra fiscal que desfalcou os cofres do Sudeste, sobretudo de São Paulo e Rio de Janeiro.
No Centro-Oeste, apenas Goiás apresentou crescimento no período da pesquisa da Target. Os goianos saíram de um IPC de 2,56% em 1991 e chegaram a 2,78% este ano. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal caíram levemente. No conjunto, a Região Centro-Oeste deverá consumir este ano US$ 30,3 bilhões. A Região Norte, cujo consumo para 2000 está estimado em US$ 20,4 bilhões, apresentou apenas Rondônia e Pará com desempenho negativo na comparação entre 1991 e 2000. Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Tocantins cresceram.
Ranking municipal
O quadro dos 20 municípios que lideram o ranking do Índice de Potencial de Consumo da Target no ano 2000 sofreu várias alterações de posicionamentos individuais. Entretanto, o efeito mais significativo verificado nos números é que apenas uma cidade conseguiu não só manter, como também elevar, mesmo que minimamente, a riqueza individual desde a abertura comercial do País.
Trata-se de São Gonçalo (RJ), que passou a ocupar a 19ª posição com 0,56%, contra 0,55% alcançado no início da década, quando estava em 24º lugar no ranking. Campo Grande (MS) é um caso de perda e ganho, já que no ranking de 1991 constava em 23º lugar e neste ano 2000 ocupa o 20º lugar, embora seu IPC tenha sido reduzido.
São Paulo foi a cidade que acusou os golpes mais fortes da descentralização da produção industrial, mas todas as demais também passaram por perdas, exceto São Gonçalo. Nova Iguaçu (RJ) e Santos deixaram de constar da lista das 20 maiores. Seus postos foram ocupados por São Gonçalo e Osasco. Vários municípios subiram no posicionamento (Brasília, Fortaleza, Campinas, Recife, Guarulhos, Goiânia, Santo André, São Gonçalo, Niterói, Osasco e Campo Grande), basicamente porque outros (Salvador, São Bernardo, Manaus, Belém, além de Santos e Nova Iguaçu) perderam fôlego.
Marcos Pazzini explica que Santos de 1991 englobava o distrito de Bertioga. Nos dados de 2000, Santos e Bertioga estão separados. Situação idêntica de desmembramento de municípios ocorreu em Nova Iguaçu: Queimados, Japeri e Belford Roxo eram distritos em 1991 e se emanciparam. Nova Iguaçu contava com 1,162 milhão de moradores em 1995, contra 870 mil em 2000. "Tínhamos 4.491 municípios no Brasil em 1991, contra 5.507 a partir de 1997" -- afirma.
Perdas da região
Menos emprego industrial, menos produção industrial, menos consumo de energia elétrica industrial, menos emprego formal, menos arrecadação de ICMS e mais favelamento. Os indicadores de perdas do Grande ABC, fartamente analisados por LivreMercado, estão sincronizados com a pesquisa da Target.
O viço econômico da região está empalidecido nos números do crescimento da população favelada, detectada pelo IBGE. Só em Santo André o contingente de submoradias aumentou 21,4% entre 1992 e 1995, passando a 65.130 pessoas, universo maior que a população de 95% dos municípios brasileiros. Em São Bernardo o quadro é dramático, com inchaço de 60,85% da população favelada. O crescimento demográfico do Grande ABC no período de 1992 a 1995 foi de 8,09% -- mais que o dobro da média brasileira e um contraponto ao refluxo econômico. Mais gente disputa menos riquezas.
A contabilidade do desemprego também é dramática. Dos 602 mil empregos formais do Grande ABC em 1989, restaram 505.664 ao final de 1995. Num período levemente mais largo, de 1988 a 1997, e limitado à atividade industrial, o quadro é flagrantemente pior: foram suprimidos 125 mil postos de trabalho, contra aumento de 5.070 vagas no comércio e 41.053 no setor de serviços. Como o emprego industrial remunera melhor e oferece maiores benefícios extra-salários, a precarização das relações trabalhistas desencadeia consequências indesejadas.
Mais inquietações
A atualização desses dados acrescentará novas inquietações. Nos últimos 12 meses, segundo pesquisa encomendada pelo Consórcio Intermunicipal de Prefeitos à Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados Econômicos) e ao Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas), desapareceram 24 mil empregos formais e informais nas indústrias da região. Um volume superior à soma dos trabalhadores da Volkswagen Anchieta e da Bridgestone Firestone em Santo André.
Mergulho metropolitano
O mergulho econômico e social do Grande ABC está inter-relacionado à Região Metropolitana de São Paulo. Entre 1985 e 1995, a RMSP perdeu nada menos que 24% de participação no Valor Adicionado do Estado, caindo de 64,3% para 51,79%. Valor Adicionado é o resultado da capacidade de transformação produtiva. É a diferença entre o granulado petroquímico e boa parte do farol de plástico de um veículo, por exemplo.
Estreitamente relacionado ao Valor Adicionado está o ranking de participação no ICMS. Como VA é basicamente produção, quanto mais se esvazia industrialmente uma cidade ou uma região, mais os efeitos se dão na redistribuição do ICMS, cujo índice de ponderação é de 69% nos cálculos preparados pelo governo do Estado. Isto é: de cada R$ 100 que o governo estadual arrecada com o ICMS, 69% da quota-parte dos municípios são definidos conforme a capacidade individual de gerar Valor Adicionado.
Uma tabela comparativa envolvendo os municípios mais importantes do Estado mostra que o Grande ABC perdeu 46,9% de participação relativa no período que se inicia em 1980 e se estende a 1998. Mais que a Capital, que caiu 37,5%. Entre 1976 e 1999, Santo André viu desaparecerem dois-terços do ICMS. Nenhum outro Município paulista sentiu golpe tão profundo. São perto de US$ 180 milhões a menos no orçamento municipal.
Tentativas de dourar a pílula do esvaziamento industrial e econômico do Grande ABC não faltaram. Quando se anunciou que o Índice de Produção Industrial do Grande ABC no Estado de São Paulo alcançou 15,8% em 1995, levemente superior aos 15% registrados 10 anos antes, deu-se conotação de triunfo. Mas a comparação é notória armadilha, porque toma como base um período de recessão (1985) contra outro de forte demanda (1995), de pleno voo do Plano Real, quando a indústria automotiva, responsável por 70% do PIB regional, mais que dobrou de produção.
O discretíssimo crescimento relativo apontado por analistas de ocasião desconsiderou também o fato de que o Estado de São Paulo perdeu no mesmo período 9,2% de participação no PIB nacional. Isso quer dizer que, mesmo mantendo relativamente ao Estado de São Paulo a produção industrial em períodos economicamente distintos, o Grande ABC sofreu perdas comparativamente ao Brasil basicamente devido ao esvaziamento paulista concentrado na Região Metropolitana.
Menos industriários
O emagrecimento da participação de trabalhadores no setor industrial não consta apenas de pesquisas do Ministério do Trabalho com base na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que anualmente, mesmo com defasagem, fotografa o mercado formal de empregos.
O Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior) de São Caetano faz estudos periódicos sobre o assunto. Em 1990, a mão-de-obra fabril ocupava 51,2% do mercado do Grande ABC. Em fevereiro do ano passado caiu para 30,3%. Comércio e prestação de serviços absorveram parte dos trabalhadores demitidos, mas com desníveis salariais e de proteção trabalhista que contraem o poder aquisitivo.
A pesquisa do Imes considera apenas os três municípios mais tradicionais (Santo André, São Bernardo e São Caetano), que concentram 70% do PIB regional. A tendência de mudança no mix econômico, com a indústria cedendo espaço para serviços e comércio, é irreversível no mundo contemporâneo. O problema é que o Grande ABC não tem encontrado alternativas para amenizar o golpe.
Novas matrizes econômicas estão completamente fora da alça de mira do planejamento regional. O máximo que se tem debatido em encontros que envolvem membros da Câmara Regional é a reorganização do parque produtivo. Nem acadêmicos que supostamente se debruçam sobre a realidade econômica regional conseguem entender que, em vez de simplesmente enaltecer o fato de o Grande ABC continuar a ser forte reduto do setor automotivo, que se desdobra em vários segmentos, e reunir um grupo de empresas do setor petroquímico, o mais ajuizado é que se lute por novas opções produtivas sem, evidentemente, permitir novas sangrias na força industrial.
Primeiro, porque o núcleo principal da produção industrial da região está-se descentralizando geograficamente e, com isso, diminuindo a participação relativa do Grande ABC, com as consequências indesejáveis e cumulativas do desemprego.
Segundo, porque o Grande ABC está escandalosamente fora do eixo da modernidade industrial, onde pontuam novas tecnologias da informática, da microeletrônica e das telecomunicações, além da biotecnologia e da química fina. O padrão de industrialização do Grande ABC prevaleceu nos anos 70 e na década de 80 em todo o mundo, mas desde o início dos anos 90 está subordinado a essas novas matrizes.
Menos energia
Indicadores de consumo de energia elétrica industrial também são ressonantes alertas às perdas do Grande ABC. São Caetano consumiu durante o ano passado 45% menos energia elétrica industrial em relação a 1990. Já o Grande ABC perdeu 11% no mesmo período, quando o PIB nacional acumulou crescimento de 18%. Diadema foi o único Município que apresentou crescimento expressivo (12,14%) no período -- mesmo assim bem abaixo do avanço do PIB. Para se ter ideia mais precisa sobre a queda de consumo de energia elétrica industrial na região entre 1990 e 1999, o total equivale a todo o parque industrial de São Caetano, incluindo a General Motors, somado ao dobro do parque produtivo de Ribeirão Pires, que conta com 350 unidades.
Por tudo que envolve o dolorido processo de reestruturação econômica do Grande ABC, logomarcas de grandes conglomerados industriais cedem cada vez mais espaço para investimentos em serviços e em comércio interessadíssimos em usufruir do respeitável estoque de riqueza da região. Trata-se de corrida em busca de um pote de ouro bastante invejável, mas que nem de longe pode mais ser confundido como sucesso garantido.
Não há estudos sobre a mobilidade social no Grande ABC, e nem é preciso. Se até o final da década de 80 a perspectiva de realização econômico-financeira de migrantes e imigrantes geralmente se traduzia em experiências positivas, os tempos de globalização que atingiram duramente a região e os estilhaços da guerra fiscal não deixam dúvida: a luta é cada vez mais encarniçada para manter as conquistas materiais, quanto mais para alcançá-las.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)