Vai terminar nesta semana a série de textos que produzi há duas décadas, durante o período em que estive Ombudsman e também diretor de Redação do Diário do Grande ABC, entre 2004 e 2005. Utilizei a newsletter Capital Digital Online como ferramenta de comunicação suplementar de interação com jornalistas, diretores e acionistas. O resultado final é uma goleada consagradora, mas frustrante. Afinal, todos perdemos. Explico em seguida.
A todos que perguntam sobre a razão da revisita àqueles textos, costumo responder de bate-pronto que se trata de parte da história do jornalismo regional e da regionalidade como um todo, dominada pelo municipalismo manquitola.
Não dá para separar jornalismo de regionalismo porque uma coisa estimulou a outra. Mais que isso: uma coisa incrementou a outra. Para mim, o jornalismo nasceu antes do regionalismo, porque regionalismo só existiu depois que aportei nestas terras. O jornalismo foi um pouco antes no Interior do Estado. Tempos de máquinas mecânicas de escrever e sistema Gutemberg de industrialização.
A diferença marcante em relação aos períodos anteriores e posteriores da série que remete à metáfora do Plano Real é que cada texto refletia situações de reconstrução de uma Redação em avançado estágio de depauperação. Não são lembranças capturadas numa jornada de reminiscências. São aquele presente documentado no calor dos acontecimentos. São registros e curadoria de fatos que não dão espaço à proselitismo sem compromisso com a realidade vivida ao vivo.
PERGUNTA ETERNA?
Não sei responder, entretanto, a uma outra pergunta. A pergunta em questão teria de ser feita ao representante do grupo de novos acionistas que passaram a controlar as ações daquela companhia, no caso a família do empresário Ronan Maria Pinto.
Que pergunta específica me fazem e não sei responder nem de bate-pronto nem na prorrogação de uma reflexão que se estende há mais de 20 anos? Simples: por que contrataram meu presente e meu passado para esculpir o futuro do jornal sabendo que sabiam ou deveriam saber que a medida representaria sacudidela profilática na empresa e, por força da atividade em que está inserida, com efeitos junto à sociedade?
Sabiam sim, porque, afinal, havia deixado claro o objetivo do Planejamento Estratégico Editorial apresentado em março de 2004, preparado e entregue ao desembarcar na Redação do Diário do Grande ABC. Minha contratação provocaria ruptura na história do jornal, notadamente na última década de decadência econômica e editorial que culminou com a troca de comando acionário.
Não eram aqueles quase 100 mil caracteres de projeto reformista uma peça de ficção. Todos sabiam, da família de Ronan Maria Pinto aos acionistas remanescentes, no caso a família de Maury Dotto, que minha chegada ao Diário do Grande ABC reverteria políticas editoriais, comerciais e institucionais contraproducentes e denunciadoras do estágio em que se encontrava aquele jornal.
EXPERIENCIA SUFICIENTE
Não quero especular sobre as razões que me levaram à contratação pela direção do Diário do Grande ABC, exceto as razões profissionais. Afinal, e vamos deixar o muro aos indecisos e aos politicamente corretos, o que projetava à frente daquela Redação de profissionais inesquecíveis era mesmo algo diferenciado. Como o foi durante os nove meses de imersão completa.
O Diário do Grande ABC seria, portanto, completamente diferente. Minha passagem anterior pelo jornal, durante 15 anos, período em que ocupei todos os cargos possíveis, de repórter a comandante de fato da Redação, mal completados 30 anos de idade, num contexto em que o jornal era a Rede Globo da região, aquele período colaborou muito para ajustar peças teóricas e práticas de fazer jornal.
Já somava experiência em outros endereços, mas aqueles 15 anos de Diário do Grande ABC só foram superados em termos de consolidação de carreira quando confrontados aos 20 anos à frente da revista de papel LivreMercado, a partir de 1990.
BRASIL E DIADEMA
Outras passagens por veículos de comunicação foram menos marcantes, embora preciosas. Um entre muitos exemplos? Em 1986, na Agência Estado, então com ramificação em Santo André, produzi a primeira (entre muitas análises posteriores à frente da revista LivreMercado) sobre a administração do PT em Diadema, com o metalúrgico Gilson Menezes. Era o primeiro prefeito petista no Brasil. A reportagem foi capa de uma edição nobre de segunda-feira do então badalado Jornal da Tarde. O DNA do PT estatista está naquela reportagem especial. O Brasil só conheceria uma Diadema ampliada com a eleição de Lula da Silva em 2002 como sucessor de Fernando Henrique Cardoso.
Não quero esticar essa conversa de sensibilização à leitura do material que compõe a última jornada de reconstrução da série “Diário: Plano Real que durou nove meses”. Os jornalistas que vivenciaram aqueles meses na Redação do Diário do Grande ABC formavam equipe de verdade.
Sou muito grato a todos eles. Uma gratidão consolidada e mutuamente comemorada três dias antes do fim daquela jornada, num inédito workshop de lavagem de roupa suja e de vitrine de coisas belas que contou com a participação de todas as chefias. Era abril de 2005.
PERÍODO DE ESPERA
A adesão ao Planejamento Estratégico Editorial foi gradual, complicada, com idas e vindas mesmo, mas avançou. Não se arruma um time do dia para a noite, principalmente quando há açodamento interno.
Havia, de início, hostilidades veladas. Influentes dirigentes do jornal, que viviam estágio de beligerância também como acionistas, mediam forças e pretendiam manter as rédeas do produto-síntese da empresa. Perder o comando da Redação, como perderam, especialmente para alguém que não comungava com a maioria das políticas editoriais, seria uma derrota letal.
Tanto fizeram os opositores, alguns dos quais incomodados com o sucesso editorial da revista LivreMercado, agregada ao portfólio do Diário do Grande ABC desde abril de 1997, que precisei de um período como expectador crítico até assumir a direção de Redação. Atuei com primeiro ombudsman oficial do jornal. Algo que repetiria mais tarde, em 2015, durante breve período.
O que esta série histórica, mais histórica do que imaginam os ignorantes de sempre, incomodados com verdades igualmente históricas, teria de porosidade com estes tempos? Ora, bolas: mostra com clareza que não existe discricionaridade no tratamento editorial deste CapitalSocial, como não houvera com LivreMercado, às instituições da região, tampouco a exemplares de práticas individuais e grupais no comando ou sob influência dos mandachuvas e mandachuvinhas.
COMPROMISSO SOCIAL
Traduzindo tudo isso: a meia dúzia de delinquentes éticos, pagos com dinheiro público, que se manifesta aqui e acolá contrários à linha editorial de CapitalSocial, deveria ler mais atentamente a série sobre o Plano Real abortado no Diário do Grande ABC.
Esses delinquentes vão perceber que não existe personalização crítica aos atuais dirigentes políticos e institucionais do Grande ABC. O que vivemos permanentemente é uma sucessão enfadonha, além de comprometedora, de protagonistas e figurantes da vida regional que só têm compromissos com os próprios umbigos ou então seguem distantes da compreensão do quadro regional.
A lista de propostas, ideais e frustrações regionais que este jornalista e a equipe de jornalistas com as quais trabalhou trataram de expor ao longo dos tempos é um acumulado de omissões e despreparos da classe dirigente regional.
LEITURA ATENTA
O municipalismo autárquico, uma de nossas frequentes admoestações editorais, além de ineficiente e improdutivo, também é o ancoradouro de vaidades e egocentrismos, quando não de oportunismos, que sequestram qualquer possibilidade de potencialização de uma regionalidade a caminho de mais mistificações agora com a metabolização do Clube dos Prefeitos em Panelinha dos Prefeitos.
O que recomendaria aos leitores mais inquietos com o andar da carruagem do Grande ABC é uma leitura atenta dos capítulos desta série com data para se encerrar. Preferencialmente, a partir da exposição do Planejamento Estratégico Editorial.
Fiquem atentos os leitores. Vejam se encontram alguma nesga de incoerência entre aqueles quase 100 mil caracteres e a linha editorial de CapitalSocial e de LivreMercado, exposta há mais de três décadas. E do período de nove meses no Diário do Grande ABC.
Para completar: enquanto não encontro resposta ao fato de ter sido escolhido para dirigir o Diário do Grande ABC há 20 anos, sendo o que sempre fui e que sempre serei jornalista preocupado para valer com a regionalidade no sentido mais amplo da pregação, vou fazer uma revelação nos próximos dias que explicará o conteúdo do que será exposto nesta semana. Quando foi que, naquela trajetória de nove meses como diretor de Redação, entendi que o tempo regulamentar de permanência naquela função estava se esgotando?
GANHAMOS DE GOLEADA
Para completar e sem medo de ser mal-interpretado pelo politicamente correto, vou ser abusado para dizer como sintetizaria a produção de um livro com esse conjunto de capítulos, adicionando tantas outras análises sobre o Diário do Grande ABC e o Grande ABC como laboratório social extraordinário.
Afinal, temos uma carreira profissional de quase 60 anos associada essencialmente a inúmeros profissionais de jornalismo com os quais convivi diariamente numa busca frenética por mudanças.
Sem dúvida alguma, escolheria como título sem me preocupar minimamente com os maus julgadores, o seguinte enunciado: “Lamentavelmente, ganhamos de goleada”.
O plural não é um recurso mal-ajambrado para disfarçar maliciosamente suposto individualismo. O plural é o resumo de uma ópera sempre coletivista. Inclusive de representantes da sociedade que jamais se acovardaram diante de pressões.
A unanimidade burra e destrutiva está em marcha na região. Era o que faltava para a derrocada final. Ou se esqueceram que uma sociedade sem contraditório, sem balanço democrático, sem arremetidas de provocação e desafios, é uma sociedade morta e enterrada?
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)