A maior satisfação que tenho como jornalista é que sinto sempre que sou jornalista. Até mesmo num dia-a-dia frenético de preocupação com o outro lado de quem se meteu por instinto de sobrevivência a atuar como empreendedor de jornalismo, à frente da Redação da revista LivreMercado.
Vou dar um exemplo do quanto estou em forma como jornalista: nestes dias copidesquei (copidescar é uma forma de leitura em que se leva em conta, também, a necessidade de correções ortográficas) uma matéria preparada pela jovem Eliane de Souza. Entre as tarefas da Lilica, como é conhecida entre nós, está a garimpagem de Madres Terezas e Freis Galvão espalhados pelo Grande ABC.
Madres Terezas e Freis Galvão são mulheres e homens que entregam a própria vida pela vida de terceiros, de quartos, de quintos, de dezenas de excluídos sociais de diversos matizes. Gente sem família, sem saúde, sem solidariedade familiar, gente esquecida por familiares, gente sem familiares.
Foi assim, com o rastreamento das periferias, que constam da lista de Madres Terezas nada menos que 69 exemplares de dedicação inigualável. E já se contabilizam alguns Freis Galvão que, ano que vem, serão apresentados oficialmente ao público do Prêmio Desempenho.
A copidescagem da matéria da Lilica só não me levou às lágrimas porque havia mais gente na Redação e não pegava bem expor tamanha fragilidade. Mas que deu vontade, deu.
Aonde pretendo chegar com essa confissão pública de que me toca o coração acompanhar a realidade do Grande ABC? Sei lá qual é o objetivo de fato, porque escrevo mais como metodologia para desopilar a mente. Sim, escrever é um santo remédio. Quando se escreve com paixão, a impressão que fica em mim é que exteriorizei algo que me incomodava ou me embalava e que, portanto, merece ser compartilhado.
Talvez o que pretendo dizer de fato seja o seguinte: há fundamentos sociais sólidos que me movem a continuar na labuta jornalística e que me levam a enfrentamentos mais que indispensáveis, porque há uma cambada sempre disposta a esquecer princípios básicos de responsabilidade social. Traduzindo o perfil do que significa cambada, diria que são gentes que só pensam no próprio bolso e no poder a qualquer custo.
Emocionar-me com uma copidescagem aqui, outra copidescagem ali, uma leitura de texto bem apurado num jornal, num outro jornal, numa revista, é a glorificação da alma. Tanto quanto escrever, portanto, a leitura é um exercício de catarse psíquica.
Ainda outro dia, e num único dia, consumi as mais de 130 páginas do romance da Gabriel García Márquez que tanto sucesso faz nas livrarias. “Memórias de minhas putas tristes” é um poderosíssimo elenco de frases e conceitos que só aparentemente flutuam pela superfície da simplicidade de uma escrita que, justamente por parecer tão simples, reúne intensidade estonteante de devassadora profundidade.
Por essas e outras que frequentemente comento com meus filhos sempre embevecidos pela traiçoeira Internet, e também com os companheiros de Redação, que se há entre as atividades inerentes de uma vida a qualidade de vida, a leitura inevitavelmente é prioridade.
Por essas e outras tenho dificuldade, muita dificuldade, de me entender com determinados incluídos iletrados e desalmados. Sobremodo com aqueles que, portadores de diploma universitário, vivem atolados nas especificidades da profissão que abraçaram e se recusam a interpretar o mundo sob lentes da diversidade, do ecumenismo social. São craques monotemáticos. São pernas-de-pau humanitários.
Recomendo a todos que, quando circular LivreMercado de dezembro, corram para a leitura do perfil da nova Madre Tereza descrita por Eliane de Souza. No mínimo, é um bom teste ao espírito de solidariedade que deve reinar sempre em cada um de nós — longe da sazonalidade seletiva das festas de final de ano.
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29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO