Se antes da crise econômica e social da última década do século passado o Grande ABC já revelava fragilidades em articulações que ao menos raspassem conceitos de capital social, por conta do individualismo de Serra Pelada que marcou a industrialização, o que dizer então na sequência do esvaziamento produtivo desestruturador de fábricas e de lares?
Aqui vicejam oportunistas como enxame de abelhas. Aqui o senso de oportunidade, que carrega dosagem de ética, de respeito, já foi para o chapéu há muito tempo. Prevalece o senso de oportunismo, que não obedece regras convencionais, que se multiplica nos escaninhos mais fétidos.
O ímpeto oportunístico manifesta-se com toda a força. Massacrar concorrentes virou norma. Riquezas amealhadas nos subterrâneos da lambança ética são ovacionadas, reverenciadas, muitas vezes idolatradas. Principalmente quando os detentores distribuem migalhas típicas de filantropos ocasionais. Compram-se consciências com enorme facilidade.
Não é de hoje que bato nessa tecla. A prospecção da anatomia social e econômica do Grande ABC é espécie de passaporte ao entendimento do que se passa nas instituições, nas empresas, nas atividades de governos locais, nos sindicatos, nas escolas, nas universidades.
Vivemos no mundo prático e real numa atmosfera mesclada de omissão completa e absoluta de agentes diversos e em larga escala, no mundo virtual, um participacionismo individual irreverente, deseducado, ofensivo, iletrado, proporcionado pela Internet. Ainda bem que já estou vacinado depois de mais de 10 anos de exposição virtual. Sei separar joios de trigos, críticas fundamentadas de manifestações viciadas. Às primeiras dedico intensa reflexão. Às segundas, cestos de lixo sem perda de tempo. De vez em quando, só para desopilar o fígado, mando uma resposta igualmente atravessada. Não tenho vocação a dar a outra face. O corre-corre diário não permite tamanha gentileza nem tenho vocação para santo.
Antigamente vivia a mesma situação que o jornalista Eugênio Bucci revelou no site Observatório da Imprensa, depois de escrever um brilhante, mas, para os vorazes radicais, intensamente comedido artigo sobre a polêmica provocada por um editorial da Folha de S. Paulo que minimizou a ditadura militar no Brasil em relação a outros países da América Latina. O chamado caso “Ditabranda”. Eugênio Bucci se diz abalado com a repercussão junto a boa parte do leitorado. Leiam um trecho do desabafo:
nNão é verdade que as barbaridades que nos chegam não nos abalam. Eu me abalo. Sei de muitos que se abalam do mesmo modo. Essas coisas nos atingem, fazem mal, impõem um grau de sofrimento, mesmo que pequeno. Essa história de ler desaforos e depois dar de ombros não é assim tão simples. A gente sempre sai machucado da experiência. Estamos submetidos, sem escudos, às injúrias que nos são entregues em casa na velocidade da luz” — escreveu o jornalista.
Talvez Eugênio Bucci demore bastante para entender que não vale a pena mesmo jogar o tempo fora para responder ou simplesmente passar os olhos nas mensagens de detratores que vez ou outra aparecem no pedaço.
Posso garantir que não me tiram o sono. Nem devem tirar o sono do técnico Muricy Ramalho, do São Paulo. Ainda outro dia, ao acessar um blog esportivo qualquer, colocou-se em debate o azedume do treinador do São Paulo. Seguramente um dos três melhores técnicos brasileiros da atualidade, profissional corretíssimo, perfeccionista e, pecado dos pecados, excessivamente rústico no falar, Muricy recebeu de internautas tantas críticas, tanto achincalhe, tantas ofensas, que, seguramente, deveria estar lotado numa dessas penitenciárias de segurança máxima.
Também acho que Muricy Ramalho quase sempre exagera na postura grosseira com a Imprensa, mas não é menos verdadeiro que também a maioria dos repórteres que o entrevistam após os jogos poderiam muito bem participar do Grande Prêmio Brasil de Turfe.
As vantagens embutidas nos equipamentos que tornam a Tecnologia da Informação atalho à massificação de conteúdos jornalísticos atropelaram o analfabetismo cultural no Brasil. Qualquer um se julga no direito de despachar impropérios, provocações e acusações. Algumas vezes tive de recorrer a ultimatos para botar esses oportunistas longe de meu dia-dia. Muitos deles são testas-de-ferro de inescrupulosos, por isso não têm vida mansa comigo.
Longe de amaldiçoar a faca por conta de um homicídio, a Internet é um maravilhoso invento com o qual me dou muito bem entre outros motivos porque não me deixo encantar com seus encantos nem me desencantar com seus desencantos. Utilizou-a no tempo e na medida certa de quem busca informação e conhecimento. Os recalques individuais não me atingem, como não deveriam atingir Eugênio Bucci.
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29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO