Sociedade

O pirata da sucata (1)

DANIEL LIMA - 22/09/2009

Wander é o pirata da sucata. Jacenir é um assessor importantíssimo. Muitos o consideram mais que um assessor. É a mente maquiavélica que conduz Wander nos negócios e o protege dos contratempos permanentes. Jacenir tem por hábito espalhar que é amigo dos homens. Por “homens” entenda-se Polícia e adjacências. Mas não se deve acreditar tanto nisso. Ele conhece algumas franjas policiais, apenas. Margarida é a mulher de Wander. Ela dá as cartas e joga de mão nos bastidores. Detesta a amizade unha e carne entre Wander e Jacenir. Dizem que Margarida é extremamente ciumenta. Quem quer que se aproxime de Wander vira concorrente. Os funcionários a temem, os fornecedores a detestam e os clientes assustam-se ao ouvir a voz de Margarida do outro lado da linha. De vez em quando Margarida altera a voz, muda a identidade. Tudo para exercitar a veia da indiferença programada.


Há muitas vítimas na história da empresa de Wander. A empresa que transforma sucata em ouro é A Fabulosa. Foi antecedida por A Imperatriz. Quem conhece mais a fundo a história rocambolesca de Wander jura por todas as moedas e santos que outros nomes, além de A Fabulosa e de A Imperatriz, constam da lista de empresas que já foram contratadas por grandes, médios e pequenos empreendimentos. A mudança de nome, de CNPJ e de acionistas é medida manjadíssima para zerar o que tem de ser zerado. Atirar sob o tapete da impunidade o que tem de ser esquecido oficialmente. Principalmente os médios empreendimentos são mais vulneráveis ao pirata da sucata. Desesperados por fazer dinheiro com aquele amontoado aparentemente inútil de sobras materiais, abrem-se aos avaliadores de A Fabulosa sem as devidas cautelas.


Não é à toa que Wander ganhou a fama de pirata da sucata. Sucata porque esse é o insumo que mais o seduz como farejador de oportunidades. Pirata porque a concorrência torce o nariz quando seu nome e de sua empresa são lembrados. Wander descarta procedimentos padronizados pela ética e moralidade nos negócios. Os rescaldos da flexibilidade com que manipula os conceitos técnicos de sucata são nocivos à atividade coalhada de gente séria. Ainda mais que no passado não muito distante, com A Imperatriz, Wander deixou rastros de desalento.


Foi naquele período que Wander desapareceu da Capital com a família e os bolsos recheados de dinheiro. Deixou a clientela revoltada. A sucata prometida ouro e antecipadamente comissionada como ouro não passou mesmo de sucata. Muitas cabeças corporativas rolaram por conta disso. Ainda mais porque Wander tem por costume lubrificar engrenagens da clientela com comissões especiais. Ele tem faro de enólogo para descobrir uma peça-chave do cliente que está cansado de assalariamento baixo. Qualquer assalariamento é baixo quando Wander entra com o canto da sereia de uma bolada extra pela concessão de nova conta de sucata, mesmo que por trás da sucata a ser esmiuçada tudo não passe mesmo de sucata. Sedutor, Wander suborna executivos para inflar a projeção de ouro na sucata. O tempo se revela um complicador para o subornado. É ferro na boneca.


Não foram poucos os executivos que receberam rendimento especial. Houve casos de desmascaramento porque a contabilidade final deu zebra. Os valores da sucata transformada em ouro não foram confirmados. Descobriu-se que grande parte daquela montanha de supostos inservíveis era mesmo uma montanha de inservíveis. Uma sucata que virou lixo. O ouro era pouco. Mas, como se pagou comissão antecipada sobre a totalidade da sucata que viraria ouro, a confusão dos diabos provocou estragos. Funcionários chave perderam o emprego. Alguns até foram recrutados pela A Fabulosa. Uma espécie de cala-boca até que o barraco fosse desfeito. Serenados os ânimos, lá se foi o funcionário corrompido dispensado pela A Fabulosa. Quem com sucata fere com sucata poderá ser ferido.


O que seria Wander sem a lucratividade da sucata? Seus inimigos não diferem dos adversários nem dos mais próximos. A resposta é sempre a mesma: a brincadeirinha de gastar sem dó nem piedade o dinheiro amealhado nem sempre de forma lícita, nem sempre com ética, chegaria ao fim. E o que seria de Wander sem dinheiro, se com dinheiro, com muito dinheiro, ele já apronta tanto?


O calendário gregoriano de obrigações financeiras de Wander tem muito mais dias e meses que o de qualquer empresário que preza bom relacionamento com fornecedores, com funcionários, com o Fisco e tudo o mais. Estica-se o quanto pode cada prazo. Quem disse que fevereiro tem apenas 28 dias a cada três anos e 29 dias a cada quatro anos, não sabe do poder postergador de Wander. Dezembro costuma ter 180 dias. Janeiro não resiste, morre de ciúmes de dezembro e repete a dose. Fevereiro é Carnaval e aí a gandaia procrastinadora é geral. E assim vai o calendário para o espaço.


Os desafetos de Wander multiplicam-se como cogumelos. Quem passa pela vida de Wander, de Jacenir e de Margarida jamais será o mesmo. Haverá sempre e sempre um gosto de fel na boca, um sentimento de revolta, uma dor no estômago permanente de quem parece ter sido nocauteado depois de um golpe baixo. Respira-se com muita dificuldade o ambiente de encenações de A Fabulosa. O silêncio aparentemente confortador é uma bomba relógio. A qualquer momento algum incidente pode ocorrer.


Quem caiu na besteira de subestimar Wander, Jacenir e Margarida não se perdoa jamais, mas não deveria ser assim, garantem alguns deles que, longe das emoções dos momentos dramáticos que passaram, aprenderam a racionalizar a experiência sob o ângulo de aprendizado. Sim, aprendizado, porque Wander, Jacenir e Margarida são uma experiência e tanto de vida. A habilidade com que conquistam corações e mentes não é atributo de amadores. Eles são sim profissionais do ramo. Mas profissionais pela metade. Mentes e corações conquistados, especialidades exploradas, eis que agem sempre sob o mesmo figurino prosaico. Eles descartam a todos sem o menor constrangimento.


Com Wander, Jacenir e Margarida a relação não passará da provisoriedade utilitarista de extrair tudo até que nada reste.


Não restará no entendimento deles, porque, o que não sabem, ou o que não percebem, é que ao imaginarem que nada mais resta a explorar das vítimas, estão construindo defensas naturais e cultivando sementes de retaliações. O silêncio das vítimas pode a qualquer momento ser rompido. Basta que um deles, apenas um, se mobilize para reunir os demais.


Há quem pense até em organizar uma associação de vítimas de Wander e seus comparsas. É claro que Wander e seus comparsas não sabem do movimento. Quando souberem, é provável que riam às escâncaras, porque é sempre assim que reagem diante de adversidades. Riem e zombam porque contam com impunidade geral e irrestrita.


Quem os conhece bem de perto seria capaz de garantir que não são feitos da mesma matéria prima dos mortais comuns. Eles não teriam sentimentos de solidariedade, embora não falte a Wander discurso pronto de que periodicamente socorre os desvalidos das ruas. Tudo encenação. Wander não abandona o carro com ar refrigerado enquanto funcionários de A Fabulosa correm para servir pratos de alimento aos desvalidos. Quanta bondade, quanta bondade. Wander propaga à clientela seduzida pela promessa de ouro na sucata o humanismo filantrópico mensal pelas ruas da Capital. Filantropismo refrigerado numa cabine de veículo blindado, porque, afinal, ninguém é de ferro. Nem de sucata.


O pirata da sucata é versátil. A amplitude de ações é invejável. Sucata é apenas uma parte das investidas. Ele já iniciou e abandonou as obras de um shopping porque esqueceu de um detalhezinho simples: não contava com alvará. Achou que poderia subornar os fiscais indefinidamente. Também investiu em serraria e numa fazenda enorme, à beira de um rio, à caça de diamantes. Ultimamente tem se metido num novo ramo, que lhe dá muita visibilidade. Narcisista como poucos, é vendedor da própria imagem. Acha que com a cara em todas as folhas se tornará celebridade. O tiro saiu pela culatra. Ressentimentos do passado, de gente que cruzou o seu caminho e acusa graves escoriações financeiras e psicológicas, juntam-se a ressentimentos mais recentes, de novas vítimas.


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