O professor Tristão Garcia, da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é sinônimo de estatística no futebol. Sempre que o Campeonato Brasileiro começa a embicar o nariz para a aterrissagem de definições do título, do rebaixamento e de outros posicionamentos, eis que o professor aparece em cena, inclusive em audiência nacional.
Ouvido pelo Diário do Grande ABC, em matéria publicada nesta sexta-feira, Tristão Garcia apontou o Santo André como possível rebaixado à Série B do Brasileiro. Até aí, nada demais. Já fiz o prognóstico há mais tempo. O problema é que ele diagnostica que o time do técnico Sérgio Soares precisará de 48 pontos para evitar a queda. Aí Tristão Garcia se engana. Se prevalecer a estatística das edições anteriores, o Santo André se livrará da derrocada com 45 pontos, ou 39,47% de Índice de Produtividade Geral — que vem a ser os 45 pontos conquistáveis divididos pelos 114 pontos disputados até a última rodada.
Já fiz essas contas em artigos anteriores, disponíveis neste site, mas não custa rememorar.
Nenhuma equipe caiu com a produtividade de 40% que projetei para o Santo André, quando analisadas as três edições da Série A do Campeonato Brasileiro de pontos corridos com 20 participantes. A Ponte Preta, última equipe da linha de descenso em 2006 (ou 17ª na colocação final, com 39 pontos) atingiu 34,2% de produtividade, contra 38,6% do Corinthians no ano seguinte (44 pontos ganhos) e 38,6% do Figueirense no ano passado (44 pontos ganhos). Na Era dos Pontos Corridos com a participação de mais de 20 equipes, entre 2003 e 2005, nenhuma equipe rebaixada em 17° lugar chegou a 40% de produtividade. O Grêmio caiu em 2003 com 36,2%, o Criciúma em 2004 com 36,2% e o Coritiba em 2005 com 38,9%.
Portanto, o gaúcho não tem cobertura estatística para ampliar as complicações já por demais indigestas do Santo André. Há exagero que também pode ser confundido com gordura preventiva na imperiosidade de o Santo André acumular 48 pontos, o que significaria produtividade de 42,10% ao final do campeonato. Com 42% de aproveitamento na atual temporada, o Cruzeiro está na 13ª colocação na classificação geral. Os dados históricos confirmam que 40% de produtividade embutem carga sobressalente de tranquilidade para quem quer fugir da degola. Tristão Garcia está esticando demais a corda.
Não estou desclassificando a projeção de um profissional que é referência no assunto. Sem dispor dos apetrechos técnicos de quem tem estreita intimidade com a matemática e a aritmética, guio-me por dados históricos. E os dados históricos apontam que, com 40% de produtividade não há queda possível, seja o Campeonato Brasileiro da Série A disputado por 20, 22 ou 24 equipes. Mais que isso: 40% significam área de conforto, de distanciamento garantidor de permanência na divisão de elite do campeonato mais equilibrado do mundo.
Com 34,8% de produtividade após 23 rodadas e 24 pontos acumulados, o Santo André escapará do rebaixamento se nos 15 jogos restantes fizer uma campanha semelhante a do Santos, ou seja, se nesse trajeto final colecionar 46,6% de produtividade. Só assim alcançaria os 40% redentores. Convenhamos que não é nada impossível tendo apenas a matemática como ferramental de medição. O problema é o que pode de fato ocorrer em campo. O Santo André descambou para experimentações exageradíssimas, com troca de motor em pleno vôo. A fuselagem tática entrou em parafuso.
Para cada grupo de cinco dos 15 jogos que restam, o Santo André só escapará do rebaixamento se ganhar sete pontos. Ou seja: precisa vencer dois jogos e empatar um em cada módulo de cinco jogos. Em circunstâncias normais, não seria nada extraordinário. A divisão em minitorneios é método preferido pelos treinadores para monitorar o desempenho das equipes numa competição longa e sujeita à dispersão como o Campeonato Brasileiro. De acordo com o potencial de cada equipe, os treinadores projetam índice de produtividade geral e o divide por etapas. O Santo André trocou tanto de técnico que talvez tenha perdido a bússola. Sérgio Soares, que está chegando agora, deve guiar-se por esse roteiro. Quanto mais ou quanto menos pontos se atinge em cada minitorneio, mais se reorganiza o circuito seguinte. A âncora do Índice de Produtividade dita o ritmo de alegria ou de desespero.
Exemplo de desespero? O Fluminense precisa fazer nos 15 jogos que lhe restam uma campanha semelhante (62,3% de produtividade) a do Internacional até agora. Ou seja: em cada cinco jogos dos 15 que faltam, o time carioca precisará vencer três. E, num desses minitorneios, terá também de empatar pelo menos um dos jogos. Assim, somaria 28 pontos que se acrescentariam aos 17 atuais.
Tristão Garcia não foi ouvido pelo Diário do Grande ABC quanto às possibilidades de acesso do São Caetano na Série B do Campeonato Brasileiro. Se dissesse que a equipe de Antonio Carlos Zago precisaria de mais de 30 pontos para chegar pelo menos na quarta posição, também estaria exagerando. Estatisticamente, com base nas edições anteriores, nenhuma equipe precisou de mais de 58% de produtividade para chegar ao acesso.
O São Caetano precisará chegar a 66 pontos (57,89% de produtividade geral) nos próximos 16 jogos. Para isso, portanto, caso o treinador Antonio Carlos Zago divida os 16 jogos restantes em módulos iguais de quatro, terá de registrar no período 62,5% de produtividade. Ou seja: terá de vencer dois jogos e empatar outros dois em cada minitorneio, ou, para sobrar, ganhar três e dar-se ao luxo de perder um. Não é tarefa fácil, como se observa: Guarani, Vasco, Atlético Goianiense e Ceará mantêm regularidade, mas a situação já foi muito pior. O São Caetano deixou as últimas colocações depois de sete vitórias consecutivas e está em plena ascensão. Diferentemente do Santo André, portanto.
Uma vitória contra o América de Natal neste sábado poderá encaminhar o São Caetano a novo percurso nos 15 jogos que restarão. Aí seriam necessários 27 pontos em 45 disponíveis, ou 60% de aproveitamento. Dividindo-se os 15 jogos em módulos de cinco, o São Caetano precisaria ganhar três jogos de cada minitorneio, ou seja, acumular nove pontos dos 15 disputados.
Resumo da ópera: as dificuldades matemáticas para o São Caetano chegar à Série A do Campeonato Brasileiro são semelhantes às complicações previstas para o Santo André escapar do rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro. A diferença — e isso faz muita diferença, com perdão da repetição — é que o São Caetano já tem cara, já tem jeito, já tem desempenho, já tem tudo de uma equipe que honra o significado de coletivismo em campo, mesmo com altos e baixos circunstanciais durante cada jogo, enquanto o Santo André retaliado, modificado, negociado, reforçado, enfraquecido ao longo da competição, precisa de um milagre de um técnico que tem história no clube mas é apenas humano.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André