São Caetano é o paraíso metropolitano de qualidade de vida se qualidade de vida for entendida e compreendida como atributo coletivo que leva em conta uma série de indicadores econômicos e sociais.
Entretanto, quando se olha de perto o que se vê é que São Caetano é um apartamento ameaçadíssimo num incêndio em condomínio descuidado e mal gerenciado, caso da maior metrópole da América do Sul. Tanto que faz tempo está a sentir o cheiro da fumaça de estragos da vizinhança.
O aniversário de libertação territorial e administrativa comemorado hoje, portanto, não pode ser mais um capítulo de descuido.
VULNERABILIDADE
O que quero dizer é que São Caetano é vulnerável sim ao engolfamento geoeconômico em que se meteu por obra do destino. Por conta disso não pode acreditar que, olhando para o futuro um pouco mais distante, meio de século próximo, estaria imune a contaminações que a colocariam como mais uma cidade em meio ao fogaréu irresistível.
Basta pegar o mapa comportamental da economia de São Caetano nas duas primeiras décadas deste século para observar que é muito pouco um puxão de orelhas sobre a estratégica-mestra a ser definida para dar sustentação econômica à grandeza em forma de atendimento às demandas sociais.
São Caetano requer safanões constantes que tardam.
São Caetano exige uma nova advertência, agora com o uso de um agudo ainda mais estridente em forma de alarme.
PERDA DO VIÇO
São Caetano está perdendo lentamente o viço de cidadela inexpugnável em qualidade de vida mesmo congelada na ocupação territorial por uma população que não passa de 160 mil habitantes em 15 quilômetros quadrados.
Poderia escrever mais que os previstos 10 mil caracteres desta análise porque ao longo dos tempos escrevi tanto sobre São Caetano de boas notícias e de alarmes providenciais. Mas fico com os 10 mil de hoje.
Uma prova provada de que São Caetano desta terceira década do novo século não é a mesma São Caetano do fim do século passado, precisamente em 1999, está no indicador de PIB per capita.
PERDENDO O JOGO
Uma comparação simples com a média paulista já deveria ser tratada como aviso aos navegantes de águas plácidas que não são tão plácidas quanto antes.
Em 1999, a diferença entre o PIB per capita de São Caetano em relação à média paulista era extraordinariamente maior do que ao final de 2019, segundo dados oficiais.
A média paulista representava apenas 42,01% da média de São Caetano – R$ 9.250,35 mil ante R$ 22.016,46 em valores nominais, sem considerar a inflação do período.
Já na ponta da comparação a média paulista avançou para 62,29% do PIB per capita de São Caetano – R$ 52.992,00 ante R$ 85.062,89.
COMO DEMOCRACIA
Podem falar o que quiserem do PIB como conceito de riqueza, mas é o que delimita as teorias e as práticas de diferentes estudiosos.
O PIB do mal que se mistura ao PIB do bem dão elasticidade a conjecturas condenatórias ao indicador, mas é o que o mundo tem para consumo avaliativo. PIB é o pior dos indicadores, salvo todos os demais. Como a democracia.
Perder força no PIB per capita é uma constatação evidente em São Caetano (e do Grande ABC individual e coletivamente), e que não pode ser desconsidera.
O PIB per capita faz parte do show de contrapontos à justa e merecida comemoração de mais um aniversário desse pedaço menos heterogêneo do tecido demográfico do Grande ABC, com classes sociais menos distantes entre si.
QUINTA COLOCADA
Comparar o PIB per capita de São Caetano com a média estadual é uma generosidade que poupa maiores dissabores avaliativos.
Quando apanho o comportamento do PIB per capita de São Caetano e o confronto com o PIB per capita do G-22, o Clube dos 20 maiores Municípios do Estado (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra participam apenas porque são do Grande ABC e a Capital fica de fora porque é descomunalmente sujeita a distorções) verifico que de terceira colocada em 1999 (atrás apenas de Paulínia e Barueri), São Caetano caiu para a quinta colocação em 2019, ultrapassada que foi por Osasco e Jundiaí.
Mais que isso, e que aumenta os sinais de preocupação: quando se confronta o PIB per capita de São Caetano no mesmo período com outros municípios, as respectivas diferenças relativas perdem força. Nessa toada, a cada temporada, ou após a soma de algumas temporadas, São Caetano será deslocada a posições mais secundárias dentro do G-22.
UMA GOLEADA
O mais impressionante mesmo é o confronto do PIB per capita de São Caetano com Jundiaí, na região de Campinas e um dos pontos que mais atraíram investimentos neste século.
Jundiaí está suficientemente distante da Região Metropolitana de São Paulo para se safar dos dissabores desse aglomerado de 22 milhões de habitantes e também suficientemente próxima para absorver vantagens comparativas ditadas pela produtividade econômica.
Na origem dos dados, em 1999, o PIB per capita de Jundiaí representava 65,44% do PIB per capita de São Caetano (R$ 14.408,47 mil ante R$ 22.016,46 mil).
Já em 2019 o jogo se inverteu e São Caetano representava 75,90% do PIB per capita de Jundiaí (R$ 85.062,97 ante R$ 112.068,21). Em termos nominais, o PIB per capita de São Caetano avançou apenas 286,36% no período, enquanto o de Jundiaí alcançou 677,79% -- mais que o dobro de São Caetano.
Portanto, houve uma inversão de valores. Jundiaí ganha de virada de São Caetano.
MAIS DERROTAS
Mais que uma comparação supostamente seletiva com Jundiaí, o desempenho do PIB per capita de São Caetano é preocupante neste século, como o fora nas duas décadas finais do século passado, porque a velocidade de crescimento nominal é bastante inferior à média da concorrência do G-22.
Tanto é verdade que o PIB per capita de São Caetano está caindo pelas tabelas que entre os 20 maiores municípios do Estado reunidos no G-22, superou apenas São José dos Campos (227,23%) no período de duas décadas. Ou seja, perdeu para os demais municípios. E perdeu feio.
A tradução disso tudo é que São Caetano entrou em parafuso econômico. Pior que isso: não parece haver diretrizes consistentes à reação.
ESTOQUE VALIOSO
A diferença em relação a outros municípios que perderam a força econômica é que São Caetano conta com estoque de conquistas a sustentar um desequilíbrio socioeconômico menos agressivo, casos de Santo André nas duas últimas décadas do século passado e de São Bernardo nas duas primeiras décadas deste século – como mostramos ainda outro dia.
Já se tornou clichê afirmar que sem a General Motors e os terminais da Petrobrás, São Caetano mergulharia em crise fiscal e orçamentária terrível. O tripé salvador perdeu uma das pernas com a debandada da Casas Bahia. De fato, isso vem ocorrendo, mas é um processo gradual. E ainda não comprometedor.
É um erro crasso acreditar que a debandada industrial em São Caetano (e no Grande ABC como um todo nos últimos 40 anos, menos em Mauá do Polo Petroquímico) não afeta diretamente o ambiente econômico.
COMO COMPENSAR?
Ainda não encontramos a fórmula compensatória à fuga industrial. Mesmo o aumento da carga tributária municipal não comporta fluxo correspondente ao vazamento contínuo da riqueza do setor de transformação industrial.
Os dados de São Caetano provam isso. O PIB Industrial de São Caetano em 1999 correspondia a 42,80% do PIB Geral. Vinte anos depois a proporção foi dinamitada e se instalou na casa de 19,88%. Houve em termos nominais o crescimento de 111,22% no PIB Industrial ante 354,64% do PIB Geral.
Tanto numa situação quanto na outra, São Caetano á derrotada pela maioria dos municípios do G-22. O PIB per capita é reflexo disso.
MENOS COMPLEXIDADE
Há muitas semelhanças entre o desempenho econômico e social de São Caetano quando associado a Santo André. A diferença é que o pedaço que se libertou do território de Santo André sofre menor sobrecarga imposta pela ocupação demográfica.
Santo André não parou de crescer em população. Já ultrapassou 700 mil habitantes e tem um território físico muito maior e complexo.
Enquanto Santo André conta com 254.164 mil residências, em São Caetano há 60.737 moradias - quatro vezes menos, portanto.
A Classe Rica de São Caetano (4.314 famílias) representa 7,1% do total de residências, enquanto em Santo André as 11.881 residências afortunadas não passam de 4,7% do total de famílias.
A Classe Média de São Caetano é formada por 39,1% das residências, ante 30% de Santo André. E entre pobres e miseráveis, Santo André registra 15,2% das moradias, ante 11,50% de São Caetano.
EM CHAMAS
Essas distinções são relevantes na medida em que formam um caldo de cultura social que se reflete em diferentes vetores. A riqueza individual de Santo André em forma de potencial de consumo é de R$ 38.729,21, enquanto em São Caetano chega a R$ 49,287 mil. Ou seja: cada morador de Santo André tem 78,57% da capacidade financeira de São Caetano.
O ponto que liga São Caetano e Santo André em vários indicadores, e no caso da riqueza individual, é que os dois municípios sofrem perdas cumulativas desde que o século passado.
E certamente continuarão a perder relativamente, porque o Brasil como um todo cresce mais que o Grande ABC. Resta torcer para que a perda também não seja continuadamente em números absolutos, como tem ocorrido há quatro décadas.
Qualquer localidade do mundo civilizado gostaria de contar com os indicadores sociais de São Caetano, líder nacional no IDH, desde que, claro, não precisasse estar necessariamente onde está São Caetano.
O tempo está provando que é praticamente impossível livrar-se dos riscos permanentes de ocupar um apartamento de luxo em condomínio popular em chamas.
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20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?