CONSULTOR – Vou insistir no que já disse, e espero que finalmente me ouça, senhor Capataz: as laranjas que recebi são laranjas diferentes das laranjas que você contou ou mandou contar ou deixou que contassem. Tenho mais laranjas registradas do que as laranjas que você mandou contabilizar ou deixou que contabilizassem. Minhas laranjas são puras, genuínas. Parte das laranjas que você mandou contabilizar para meu concorrente é de laranjas podres.
CAPATAZ – Pare de choradeira. Não tenho tempo a perder com você. Como diria um amigo meu, perdeu Mané! Se as laranjas foram contadas e recontadas conforme disseram meus assessores, está tudo resolvido. Não há cores distintas de laranjas. Tampouco laranjas podres.
CONSULTOR – As laranjas foram contadas e recontadas, uma ova! Foram contados intramuros, entre quatro paredes. Todo mundo sabe que faltam comprovantes. Todo mundo sabe que as máquinas prevaleceram do começo ao fim. Máquinas boas e máquinas suspeitíssimas.
INÁCIO – Não me chamem para essa conversa mole porque não tenho que fazer outra coisa senão ir me preparando para ser o novo administrador da Fazenda Brasil. Minhas laranjas são mais laranjas que as laranjas do reclamante. Minhas laranjas são laranjas protegidas contra a chuva e o sol. Contra ventos e tempestades.
MESSIAS – Calma lá, calma lá. Estou tomando providencias para que minhas laranjas que são mais laranjas que as laranjas do Inácio sejam devidamente respeitadas. Não tenho nada a ver com o consultor. Ele faz um trabalho voluntário, indignado com a contagem das laranjas no leilão das laranjas. Minha expectativa é de que a Justiça prevaleça. Se não prevalecer, acho que vou contar mesmo é com voluntários e atacadistas. Voluntários que estão nas ruas diante dos atacadistas.
CONSULTOR – A questão é simples e inquestionável. Basta o senhor Capataz ter a humildade de reconhecer. As laranjas amarelas são quantitativamente mais laranjas que as laranjas avermelhadas, porque as laranjas avermelhadas estão misturadas com as laranjas podres. Na cadeia de valor as laranjas amarelas registraram números superiores em confronto com o saldo de laranjas vermelhas, que são as laranjas vermelhas separadas das laranjas podres.
CAPATAZ – Como assim? Explique melhor nesse seu castelhano postiço, misto argentino, misto espanhol.
CONSULTOR – Muito simples. Plantaram laranjas nos mesmos terrenos, com distribuição de sementes em área previamente fertilizada, chipada, controlável, e em área conexa desgastada, absolutamente fora de qualquer controle de qualidade.
CAPATAZ – Isso é choradeira, só choradeira. Você quer mesmo é atrapalhar minha administração. Sou um capataz circunstancial, determinado pelo sistema. O novo administrador da Fazenda Brasil está chegando. Não adianta dizer que ele é do meu time. Foi quem teve mais laranjas arrematadas em leilão entre as laranjas amarelas e vermelhas. Será o dono de todas as laranjas.
CONSULTOR – Está enganado, senhor Capataz. As laranjas amarelas foram quantitativamente mais produtivas que as laranjas vermelhas. A contagem final, uma aula de baixa transparência, não levou em conta que muitas laranjas vermelhas foram contabilizadas equivocadamente, porque incluíram laranjas vermelhas podres. Foram adicionadas de forma irregular aos números finais. O leilão foi viciado, senhor Capataz.
CAPATAZ – Que prova você tem para afirmar com tanta certeza?
CONSULTOR – Inúmeras, inúmeras, mas vou citar apenas uma que é decisiva, insofismável.
CAPATAZ – Não vai me dizer que repetirá o que outro dia disse um outro consultor, contratado por um intermediário que tem interesse em melar o leilão? Ele expôs uma parafernália meio acovardada, meio reticente de suspeições sem muito nexo e poder de convencimento material e argumentativo.
CONSULTOR – Deixe aquele consultor de lado. Ele e seus imediatos estavam morrendo de medo do caro Capataz. Estou suficientemente distante de você, nessa videoconferência, para dizer o que penso, e o que penso é a realidade dos fatos.
CAPATAZ – Então desembuche: qual é a maior prova do crime de que mais laranjas vermelhas são uma adulteração na contagem da colheita da Fazenda Basil.
CONSULTOR – Veja bem, Capataz. Em todas plantações de laranja em que se utilizaram fertilizantes confiáveis e, por outro lado, terra cansada e velha de guerra, em todas, repito, as laranjas amarelas tiveram uma colheita diferente das laranjas vermelhas, que incorporaram laranjas podres.
CAPATAZ – Não entendi.
CONSULTOR – Vou explicar. Aliás, pensei que já tivesse entendido. Nessa Fazenda Brasil inteira, inteirinha, tivemos inúmeros espaços em que foram colhidas laranjas das duas cores num mesmo terreno de plantio. Na parte boa do terreno, onde se investiu em tecnologia, as laranjas amarelas tiveram produtividade acima das laranjas vermelhas. Entretanto, nesse mesmo terreno, cujas partes estão cansadas de guerra e que não contaram com tecnologia, as laranjas vermelhas renderam muito mais exatamente porque tiveram laranjas podres como reforço.
CAPATAZ – Continuo não entendo, caro Consultor.
CONSULTOR – Vou tentar ser mais didático. Pego como exemplo aquela região densamente ocupada, de pequenos pedaços, ao Nordeste da Fazenda Brasil. Ali tivemos uma clientela que representou 27% de tudo que se planta e se colhe. Observou?
CAPATAZ – Estou entendendo.
CONSULTOR – Pois bem. De cada 400 laranjas retiradas de espaços fertilizados tecnologicamente, constatou-se maior proporcionalidade de laranjas amarelas em relação à área não fertilizada. Ou seja: de cada 400 laranjas recolhidas do terreno infértil tecnologicamente, a maior parte era formada por laranjas vermelhas em relação às laranjas amarelas em confronto com as laranjas amarelas do terreno fértil. Como isso é possível se o plantio foi aleatório, ou seja, sem que houvesse qualquer preocupação de distinguir um tipo e outro de laranja em áreas iguais?
CAPATAZ – Deixe pensar um pouco: se estavam as laranjas juntas e misturadas, embora divididas entre férteis e menos férteis, os números deveriam obedecer a uma lógica simétrica? Se as laranjas amarelas eram 40% no terreno fértil, teriam que ser algo também como 40% no terreno infértil, porque vizinhos?
CONSULTOR – É isso, caro Capataz, você começou a entender o riscado. E não foi isso que se deu. O leilão final apontou que as laranjas vermelhas em terreno infértil tiveram produtividade relativa maior que as laranjas amarelas em terreno fértil. A diferença? Laranjas podres adicionadas às laranjas vermelhas.
MESSIAS – Estou começando a entender por que minha freguesia está se mobilizando nas ruas?
INÁCIO – Pare de choradeira, pare de choradeira. E me deixe cuidar dos detalhes para administrar a Fazenda Brasil. O Capataz é amigo de meu amigo e não tenho com que me preocupar.
CONSULTOR – Laranjas sob controle tecnológico, laranjas sem tecnologia, mas supostamente boas e laranjas podres são laranjas diferentes, claramente, caro Capataz. São tão laranjas diferentes que não podem ser consideradas, no conjunto, laranjas homogêneas, embora, veja só, tenham sido plantadas num mesmo terreno. Se fosse uma disputa eleitoral, por exemplos, teríamos seções e zonas eleitorais homogêneas. Não vou dizer que são fraudes, porque não quero arriscar meu pescoço. Como diriam os atacadistas, que foram autorizados a acompanhar a colheita de laranjas da Fazenda Brasil, são inconformidades, inconsistências.
MESSIAS – Duvido que o Capataz vai dizer que os atacadistas estão chorando também.
INÁCIO – Não me meto nesse departamento. Não gosto dos atacadistas. No tempo em que administrei a Fazenda Brasil, atacadistas não tinham vez. Tratava diretamente com a clientela final quando colocava as laranjas para consumo da população.
CONSULTOR – Insisto na atenção redobrada à questão de laranjas de três tipos, vermelhas, amarelas e podres, terem sido apuradas.
CAPATAZ – Mas tenho informações de que os três tipos jamais se misturaram, ou seja, não foram plantadas proximamente entre si. Ou seja, o plantio foi personalizado em diferentes pedaços da Fazenda Brasil. Os resultados só poderiam ser mesmo diferentes, porque cada terreno tem sua realidade produtiva.
CONSULTOR – Desculpe, senhor Capataz, mas tenho provas materiais abundantes que contrariam essa versão incorreta. O que querem, alguns consultores comprometidos com o erro, é tumultuar o jogo da verdade. Laranjas plantadas na Fazenda Brasil, seja na área de Litoral, nos pequenos territórios, nas zonas mais urbanizadas, obedeceram sempre e sistematicamente a distribuição aleatória, considerando-se tanto os terrenos fertilizadas quanto os obsoletas. Laranjas fertilizadas no Litoral, no Interior, nas capitais, conviveram com laranjas podres. Desculpe, Capataz. Não foi minha intenção deliberada dizer “podre”, mas não dá para esterilizar o vernáculo. São laranjas, por assim dizer, inapropriadas e inconsistentes à verificação tecnológica para dar segurança ao leilão público.
CAPATAZ – Tudo bem, mas acabou. Não adianta atacadistas reclamarem, voluntários espernearem. Acabou!
INÁCIO – É isso aí: estou preparando a festa. A Fazenda Brasil vai voltar aos bons tempos.
MESSIAS – Bons tempos? Os voluntários e os atacadistas parecem que não concordam nem com o Capataz nem com o dono das laranjas vermelhas e das laranjas podres. Vamos ver nos próximos dias. Vamos ver.
CONSULTOR – Estão dizendo que botei fogo na Fazenda Brasil, mas o responsável é outro.
CAPATAZ – Está olhando para mim por quê?
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